Quarta-feira, Abril 24, 2024
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Ana Pagará em entrevista

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Na primeira entrevista desde que assumiu funções, a diretora do Mosteiro de Alcobaça analisa a evolução positiva na afluência ao monumento e desvaloriza as polémicas que marcaram o mandato.

À beira de completar a comissão de serviço como diretora do Mosteiro, a antiga técnica superior de História no Arquivo Municipal de Mafra, de 46 anos, fala sobre a forma como geriu o monumento nos últimos três anos e desvaloriza as polémicas que marcam este mandato. Licenciada em História, foi técnica superior de História no Arquivo Municipal de Mafra, antes de vencer o concurso público que lhe permitiu suceder a Jorge Pereira de Sampaio em Alcobaça. Admite ter poucos tempos livres, mas sempre que pode opta pela leitura e por ouvir música. E a prioridade quando não está a trabalhar passa pela filha de 8 anos, que já se sente uma verdadeira alcobacense.

Na primeira entrevista desde que assumiu funções há quase três anos, a diretora do Mosteiro de Alcobaça analisa a evolução positiva na afluência ao monumento e desvaloriza as polémicas que marcaram o mandato, preferindo centrar energias na implementação da estratégia de internacionalização que encetou para o edifício classificado desde 1989 como património da Humanidade.

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REGIÃO DE CISTER (RC) > Nos últimos anos o número de visitantes do Mosteiro de Alcobaça tem vindo a subir de forma sustentada. É uma notícia encorajadora para a diretora do monumento?
ANA PAGARÁ (AP) > É encorajadora, sobretudo pela forma como os números têm estado a subir. Quando saem os resultados no final do ano vem sempre a mesma leitura na comunicação social: Alcobaça volta a subir, embora menos do que seria desejável. Gostaria de dizer que num monumento que é património mundial é desejável que o aumento dos visitantes seja gradual e paulatino, porque o visitante desgasta o monumento. Felizmente temos tido um crescimento na ordem dos 10 a 15% ao ano, o que é bastante positivo. A tendência é para cada vez crescermos mais, mas o que desejo é que haja um crescimento gradual do número de visitas, porque isso permite-nos tomar as medidas necessárias para evitar os aspetos negativos desse afluxo de pessoas ao monumento. A pegada humana causa um desgaste grande nos nossos bens e se temos cerca de 400 mil visitantes por ano na Igreja, quer dizer que temos 800 mil pés e a pedra desgasta-se… É evidente que esta subida significa que estamos a trabalhar bem na divulgação e promoção do monumento, sobretudo a nível internacional, e que cada vez mais as pessoas reconhecem o valor imenso e universal que temos em Alcobaça.

RC > E falamos apenas de entradas pagas…
AP > O Mosteiro tem, de facto, essa particularidade. O ex-líbris do monumento é a igreja e é possível visitar a igreja e os túmulos de D. Pedro e D. Inês de Castro sem pagar. Em 2017 tivemos cerca de 260 mil entradas pagas no Mosteiro, mas esse número ascende para as 400 mil se forem incluídos os visitantes que apenas acedem à igreja. Na verdade, os nossos números de visitantes são muito idênticos aos dos outros monumentos Património Mundial do Centro, só que isso não vem nas estatísticas oficiais.

“A pegada humana causa um desgaste grande e se temos cerca de 400 mil visitantes por ano na Igreja, quer dizer que temos 800 mil pés e a pedra desgasta-se”

 

RC > Alcobaça é, de alguma maneira, prejudicada junto da tutela por ter números mais baixos do que outros monumentos? Mesmo com essa justificação?
AP > O Mosteiro não é prejudicado de forma alguma por esta realidade, desde logo porque há um conhecimento profundo por parte da tutela sobre este assunto. De resto, têm sido dados todos os meios, em termos de recursos humanos e financeiros, necessários para a gestão do monumento. Creio que as pessoas não se apercebem, mas nos últimos anos temos estado sempre em obras. Aliás, posso afirmar que, ao nível das intervenções físicas, tudo o que se considera necessário fazer em termos de conservação no Mosteiro tem sido feito. Ao nível dos recursos humanos sucedeu a mesma coisa. A tutela percebeu que o monumento carecia de um mapa de pessoal ao nível, sobretudo, de assistentes técnicos em função de vigilância e rececionismo e as mudanças são visíveis: desde a minha entrada, foram contratadas cinco pessoas e dois funcionários que estavam a tempo parcial ficaram a tempo inteiro. A tutela entendeu perfeitamente as necessidades do monumento. No que se refere ao plano de atividades também tem sido um crescendo. Quando cheguei tinha um orçamento zero, tive de construir uma proposta de projeto para Alcobaça, que foi aceite e teve orçamento para implementar. De ano para ano essa verba tem aumentado. Isso encoraja-nos a trabalhar mais e a apresentar planos de atividades cada vez mais ambiciosos.

RC > A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) está a preparar diversas alterações nas visitas ao monumento, nomeadamente no acesso e na aquisição de bilhetes. Espera-se um crescimento maior do número de visitantes?
AP > Os estudos dizem-nos que Alcobaça é um dos monumentos que mais vai crescer nos próximos anos. Já foi anunciado que serão introduzidas alterações no circuito de visita e a portaria vai ser instalada na antiga portaria do Mosteiro, que era uma ambição de há muitos anos. A ideia é inverter o circuito, para que os visitantes possam apreender a lógica do edifício do ponto de vista do funcionamento como se aqui estivesse uma comunidade monástica, preparando-se pelo caminho para o mais importante, que é a visita à igreja. Temos de ter a noção do valor excecional do Mosteiro e do que este representa para a Europa e para o mundo. E é isso que está na base da nossa estratégia. O Mosteiro é de todos, não é apenas dos alcobacenses. Costumamos dizer aos meninos que nos visitam que o Mosteiro é de todos os meninos do Mundo e que eles devem preservar o monumento para as gerações futuras. Precisamos ter a verdadeira noção do que temos em mãos. É por isso que temos de ter muito cuidado com o que fazemos no monumento. E do monumento.

RC > É isso que explica a forma como liderou o Mosteiro nos últimos três anos?
AP > A gestão do monumento tem de se adaptar à natureza do que temos nas nossas mãos. Foi por isso que, entre outros eventos, aqui realizámos o encontro das abadias cistercienses, porque a prioridade passa por afirmar Alcobaça como centro de referência da discussão dos temas cistercienses. É isso que temos de fazer no Mosteiro. Não podemos andar aqui a fazer exposições de automóveis. Temos uma identidade para afirmar e reforçar. 

“A Carta Europeia é uma autêntica autoestrada de visitantes de qualidade”

RC > Há umas semanas, a antiga diretora do Mosteiro, Maria Augusta Trindade Ferreira, considerava em entrevista ao REGIÃO DE CISTER que a atual diretora estava a ser “injustiçada”. Sente-se injustiçada pela sociedade alcobacense?
AP > Não se mudam estratégias se não estivermos muito concentrados nos objetivos a que nos propomos. Quando vim para o Mosteiro de Alcobaça fiz uma análise da situação e defini uma estratégia, estabeleci uma visão e tinha objetivos estratégicos muito bem delineados. E concentrei-me neles. Sei que foi uma abordagem completamente diferente. Não digo que é melhor, nem pior que as anteriores. Em muitos sentidos, dei continuidade ao trabalho de Maria Augusta Trindade Ferreira, a quem se deve a inscrição do Mosteiro na lista do património mundial da humanidade, em 1989. A estratégia que encetei foi aprovada e acarinhada superiormente e queria afirmar o monumento naquilo que é a sua identidade: é um monumento cisterciense e um bem reconhecido à escala global. Por isso, toda a estratégia tem de ser concordante com esta visão. Isto significa que a gestão do Mosteiro não pode ser feita a uma escala local, tem que ter uma visão global, à escala da Europa e do Mundo. 

RC > Mas algo correu mal em termos de comunicação?
AP > Tento entender algumas pessoas que não entenderam tão bem esta mudança na gestão do Mosteiro. Se fui injustiçada? Não penso nisso. Estou aqui porque acredito no serviço público e nos objetivos que estabelecemos. Após três anos, o Mosteiro de Alcobaça é hoje reconhecido nos contextos que entendemos serem fundamentais e que vão, de resto, de encontro ao que fizeram anteriores diretores do monumento. Se o Mosteiro de Alcobaça está na Unesco devido a Maria Augusta Trindade Ferreira, o monumento está na Europa devido a Cecília Gil, que entendeu, em determinado momento, que o Mosteiro tinha de ser membro da Carta Europeia das Abadias Cistercienses. Foi o que sucedeu em 2009, tendo essa ligação sido interrompida depois. Tenho a perfeita noção que não podemos agradar a gregos e troianos, mas considero que quando estamos focados nos nossos objetivos o ruído pode perturbar. E eu não sou uma pessoa que se deixa facilmente perturbar pelo ruído. Devemos concentrar-nos no essencial e o essencial é aquilo que é melhor para Alcobaça. E o melhor para Alcobaça é que o monumento tenha dignidade e seja reconhecido no domínio dos cistercienses e no universo das boas práticas da Unesco. Toda a nossa atuação tem como base estes dois aspetos. É difícil para algumas pessoas entenderem que se queremos estar no topo das ambições para Alcobaça, tendo em conta a sua identidade e natureza, há coisas a que temos de dizer que não. 

RC > Então, mais do que injustiçada, entende que foi incompreendida por alguns setores da sociedade alcobacense? Nomeadamente a Paróquia?
AP > Um bocadinho incompreendida, sim. Mas isso não me afetou substancialmente em termos pessoais. Torna-se fácil ultrapassar tudo isso quando temos a noção que estamos no caminho certo. Tive a grande sorte na minha vida de passar alguns dias com o abade de Cister em Troyes e ele deu o aval ao projeto que tínhamos para Alcobaça. Considerou que a proposta se adequava aos princípios da Ordem que mandou erigir o monumento. E isso deu-me um grande conforto.

“Os estudos dizem-nos que Alcobaça é um dos monumentos que mais vai crescer nos próximos anos”

 

RC > E o que se segue na estratégia que desenhou na relação do Mosteiro com a Europa e com o Mundo?
AP > Um dos objetivos que defini quando entrei no Mosteiro foi, precisamente, o retomar a ligação com a Carta Europeia. É uma associação, que reúne 12 países e mais de 200 abadias, que tem uma missão extraordinária: a salvaguarda do património cisterciense na Europa. A Carta é um itinerário cultural do Conselho da Europa e, portanto, é uma autêntica autoestrada de visitantes de qualidade para Alcobaça. Sob nossa proposta, Coz foi integrado logo no ano seguinte e temos vindo a trabalhar com outros monumentos nacionais, o que  permitiu que Portugal passasse a ter assento no Conselho de Administração desta associação. O que está na calha é criar um itinerário nacional cisterciense.

RC > É esse o visitante que interessa ao Mosteiro?
AP > O visitante de hoje é mais exigente, mais informado e sabe perfeitamente o que quer ver. É esse que nos interessa, porque passa mais tempo em Alcobaça. Há 30 anos falávamos do turismo cultural, do turismo religioso. Hoje em dia, discute-se outros conceitos. O nosso monumento adapta-se a um novo tipo de turismo, que é o turismo espiritual. E é este que está em crescimento e o nosso Mosteiro tem as condições ideais para este turismo. 

 

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