Sexta-feira, Abril 19, 2024
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Entrevista a Fernando Ribeiro

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Vive em Alcobaça há dois anos, mas por ele já vivia há mais. O vocalista dos Moonspell, marido de Sónia Tavares dos The Gift e pai de Fausto desvenda o olhar que tem sobre a cidade que já sente como “casa”.

Cresceu na Brandoa, viveu em Lisboa e em Sintra, mas foi em Alcobaça que viu a sua “casa”. Casado com a vocalista dos The Gift, a voz e o letrista dos Moonspell já se rendeu aos doces conventuais da Pastelaria Alcôa e sempre que pode faz “inveja” aos amigos ao enviar fotografias do Mosteiro, que observa a 500 metros de casa. Aos 43 anos, o rosto da banda portuguesa de “heavy metal” editou três livros de poesia, 13 álbuns e deu centenas de concertos por todo o mundo, num percurso profissional de mais de 25 anos. O metaleirofilósofo, como é apelidado por ter estudado Filosofia, tem um filho de 5 anos, que diz ser o “best of” dos pais, Fernando Ribeiro e Sónia Tavares

REGIÃO DE CISTER (RC) > O que Alcobaça tem para viver que Lisboa não tem? 
FERNANDO RIBEIRO (FR) > Sempre tive curiosidade por cidades mais pequenas, conheci algumas com os Moonspell quando começámos a tocar em Portugal. Quando era miúdo também vim a Alcobaça. Alcobaça é uma cidade bastante única e original, tem a ver com o Mosteiro mas não só. O exagero de centrar tudo em Lisboa também foi uma das razões que me levou a vir para Alcobaça, mas a decisão foi obviamente emocional, porque a Sónia é daqui e estava sempre a falar de Alcobaça. Já passávamos cá imenso tempo. Quando nos juntámos estivemos um período em Lisboa, fartámo-nos e fomos para Sintra não sei porquê. É uma vila brutal, todos gostariam de lá viver, mas não tínhamos ligação nenhuma a Sintra. Depois lá perguntei à Sónia porque é que não nos deixávamos de andar à volta de Lisboa e íamos para Alcobaça. Se dependesse de mim tínhamos vindo logo para Alcobaça. Definitivamente há mais paz, mais humanidade e mais facilidade naquelas coisas chatas. És um bocadinho mais do que um número nas filas. Não estou aqui para falar mal de Lisboa, mas na capital há uma certa desumanização dos serviços.

“O rock’n’roll quase desapareceu, mas a vida cultural de Alcobaça não”

RC > Como é que olha para Alcobaça?
FR > Sei que as coisas mudaram muito e o período áureo da música e da cultura em Alcobaça talvez tenha sido no tempo dos The Gift, dos Loto, do Clinic… Não frequentando, fui acompanhando e achava piada haver esta dinâmica em Alcobaça, porque à semelhança de Inglaterra, por exemplo, são raras as grandes bandas que vêm de Londres. Em Portugal ou são de Lisboa ou do Porto. Para uma pessoa que se interesse, goste e tenha tempo de acompanhar, a cena do rock’n’roll quase desapareceu, mas a vida cultural em Alcobaça não desapareceu. Há imensa oferta cultural: há livros que se lançam, há Escafandro, há Gravíssimo, há Cistermúsica, há Cine-teatro… A proximidade com Leiria é uma cena boa também, há muita coisa lá a acontecer. Quando estava em Lisboa já me acontecia o “excesso”, tinha mil convites e já mais valia não ir a nenhum. Aqui dá para selecionar e há a paz e o equilíbrio perfeito para quem for interessado. Quando vim para cá percebi muito bem a cena da cultura local e as dificuldades que há em passar as fronteiras que não são imaginadas pelas pessoas de cá. E Alcobaça até tem vários exemplos bons nesse sentido: os The Gift, os S.A. Marionetas, músicos enquanto valores individuais…

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RC > Já se sente um alcobacense?
FR > Ainda não sei muito bem o que é ser alcobacense, mas já me considero de Alcobaça. Não vou perceber nem viver aquelas histórias brutais de Alcobaça que a Sónia conta, do Clinic, da Sunset, dos carnavais, mas vivo em Alcobaça. Vou à Segurança Social, vou beber café, vou ao Rossio, sei onde vou às compras e lavar a roupa, as pessoas até já me vão conhecendo. 

RC > E conhecem por ser o marido da Sónia, o pai do Fausto ou o vocalista dos Moonspell?
FR > Principalmente por ser o marido da Sónia e depois o pai do Fausto, o que é muito fixe. Temos cá também alguns fãs, já me aconteceu umas seis ou sete vezes estar a andar na rua e alguém me abordar a perguntar o que estou aqui a fazer, muito surpreendidos. O facto é que a família da Sónia e dos The Gift e os amigos, que são muitos (quando me dizem que vamos a um jantarinho, chego lá e são umas 70 pessoas), me acolheram super bem e sinto que gostam mesmo de mim. Quando regressei agora da digressão, de 50 dias, tive uns dias em casa mas depois quando fui festejar o regresso ao Estremadura passei uma meia hora com pessoal a beijar-me. Senti mesmo que tinha regressado a casa. 

RC > Sente-se um embaixador da cidade?
FR > Não sei, quando me chamam “embaixador” fico sempre com receio. O facto é que tento sempre dar boa imagem de Alcobaça. Não sendo de cá, é onde vivo e devo dizer que nunca gostei tanto de voltar a casa como agora. Em vez de embaixador, sou mais um entusiasta de Alcobaça.

RC > A Sónia diz que o Fausto gosta mais das músicas do pai. O pai anda a educá-lo bem?
FR > Não sei (risos). Ele prefere outras bandas aos The Gift e aos Moonspell. O disco preferido dele é a banda sonora do filme “Cantar”; levei-o ao cinema e ele está sempre a pedir-me para ouvir. Há algumas canções que ele gosta mais, nomeadamente o “I’m still standing” do Elton John. Também gosta muito de uma coisa que ele descobriu sozinho na internet, que se chama “Five Nights at Freddy’s”. Quando vem da prima ouve umas kizombas, mas já sabe que aquilo não vai durar muito tempo em casa. Sobre a nossa música teve a ver com as fases que ele acompanhou: em 2015, acompanhou as maquetes do Extinct, gostava de duas ou três músicas e cantava com o inglês dele, quando saiu o Clássico dos The Gift, como era em português, cantava aquilo tudo. Agora com o “1755”, adora o “In Tremor Dei”, perguntava quem era o Paulo Bragança e tudo. Quando a Sónia está a correr ouve Lady Gaga e o Fausto também ouve com ela. Ele sabe e reconhece os estilos musicais muito bem. 

RC > Quando é que há consenso entre os três?
FR > Quando se ouve Queen, David Bowie, há canções que nos entusiasmam imenso, nomeadamente o “Under pressure”. No outro dia fomos a ouvir Prince no carro, mas o Fausto vira-se e diz “vocês não cantam, quem canta sou eu”. Às vezes há a tendência de dizer que ele tem talento, mas ele é um miúdo de 5 anos que gosta de cantar e dançar. Num daqueles trabalhos da escola, a dúvida era ser médico ou cantor, ele escolheu ser médico e para nós ainda melhor. 

RC > O projeto “Amália Hoje” abriu portas aos Moonspell?
FR > Tenho duas respostas: quando conheci a Sónia passou-me tudo um bocado ao lado e a ela também. Sabíamos que aquilo era um projeto e que a nossa essência estava noutras bandas, todos tínhamos noção disso, à exceção do público. Aprendi muito com o Nuno [Gonçalves] e com a Sónia, houve essa “inconsciência” do que se estava a passar. Por outro lado só tenho mesmo coisas muito boas a dizer do tempo dos Amália Hoje: a retrospetiva foi uma coisa muito bem feita, pela raíz musical e pela pesquisa, penso que o Nuno teve um dos seus melhores momentos enquanto músico e compositor e ainda por cima convidou-me para fazer aquilo. Não estava nada à espera, quando me ligou estava num festival de terror, a apresentar uma masterclass com o grande mestre do terror brasileiro, o Zé do Caixão. Envolvi-me pelo projeto, pela Amália. Foi um projeto que o povo pegou, vendeu tripla platina, já ninguém podia ouvir o “Gaivota” na rádio, o concerto em Alcobaça foi uma coisa incrível. Lembro-me da Sónia me dizer “se aquilo encher até ao Capador está bom” e acabou na manhã seguinte com os comerciantes a aplaudirem-nos na rua quando fomos tomar o pequeno-almoço. Sentimos que era uma coisa que as nossas bandas não iriam permitir fazer muito tempo, mas sim deve-me ter dado mais credibilidade. Aprendi mais a cantar, tornei-me melhor cantor e isso para mim já é muito bom porque me ajudou nos Moonspell. 

“A cena do heavy metal em Portugal é uma relação de amor-ódio

RC > Recentemente numa crónica publicada no Jornal de Leiria, escreveu duras críticas aos jornais, sites e publicações de música nacionais que “semanalmente, passam um atestado de óbito ao rock”. O que se passa?
FR > Nos meus artigos também tento entender o que se passa. O que se passa é uma confusão entre o ego e o que é a cena musical. Quando um diretor de uma rádio me diz que não pode colocar “In Tremor Dei” com o Paulo Bragança na sua programação não porque não haja interesse público, não porque a canção não tenha qualidade, mas porque não pertence ao conceito que ele tem para a rádio, que é pública, aí sim tenho de intervir. Temos de nos definir: ou somos todos autores, independentes e fazemos as nossas próprias rádios, próprios jornais e próprios blogues e não estamos dependentes do Estado, dos ouvintes, dos contribuintes ou não somos. No caso dos jornais isto pode ser mau para o pop, mas depois de ter escrito esse artigo foi bem pior para as pessoas que escrevem esses atestados de óbitos e promovem projetos que não tem ponta por onde pegar só por serem os primeiros a descobrir. Conheço muita gente que concorda comigo e não abre o bico e penso que isso não é bom porque nos torna do sistema e ao contrário da música que é boa, o sistema é mau. Os The Gift contra todas as expectativas, e eles são uma banda comercial, mas na cena deles, indie e pop, são completamente odiados, que é uma cena super estranha. São os outsiders. A cena do heavy metal em Portugal é uma relação de amor-ódio, há muita gente que gosta de nós, mas muita gente que nos passa também atestados de óbitos e incompetência. Penso que deve haver mais rock e mais respeito pelo rock em Portugal e não se deve tapar o sol com uma peneira. A maior parte dos concertos que vai encher salas este ano são concertos de heavy metal: Metalica, Scorpions, Megadeth, Kiss, Machine Head… sinceramente não percebo esta coisa, só sei que há uma certa embirração por achar que somos todos muito fatelas, cabelo comprido e não acompanhamos as tendências. É uma imagem muito triste de pessoas que fazem comunicação de música e têm obrigação de ser contemporâneas e modernas e perceber todos os estilos. A minha luta não é para o rock ter mais ou menos atenção, a minha luta é para termos uma coisa parecida à Finlândia ou à Suécia em que o heavy metal é uma música como outra qualquer. É um estilo, não é um nicho, não é Fernando dos Moonspell, não é uma coisa anti-pop. É um estilo e em Portugal estamos a anos de entender isso.

Penso que deve haver mais rock e mais respeito pelo rock em Portugal e não se deve tapar o sol com uma peneira”

RC > Estudou Filosofia, publicou livros de poesia e prosa… Que relação existe entre o “heavy metal” e a filosofia?
FR > Tem tudo a ver. Muito destes interesses começaram com o facto de ouvir metal. Sempre fui muito ligado às áreas humanísticas, às letras, não tinha muito jeito para lógica e para matemática, agora já sei que a melhor coisa para as frações são as pizzas. O facto de ter crescido nos subúrbios e haver um espírito de muitas associações, acabou por nos levar a formar uma banda e a descobrir um estilo que tinha citações de poetas e de filó- sofos. Quando fui para esses cursos sempre tive esta direção e aprendi muito. As peças foram-se juntando, nunca planeamos estar numa banda de heavy metal, hoje em dia pode-se planear, mas naquela altura não. Nunca tinha escrito “1755” se não tivesse estudado Filosofia na Faculdade de Letras, não teria feito o “Opium”, que tem o excerto do Álvaro de Campos, se não tivesse prestado atenção àquela aula de Português na Escola Secundária da Brandoa.

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