A Ti Lurdes, natural da freguesia da Turquel, perdeu o marido há várias décadas, quando residia em França, país onde vivem agora os filhos e os netos. O sorriso de outrora desvaneceu-se com o tempo, fruto das amarguras com que se foi deparando, e as sequelas jamais a deixaram esquecer uma vida de sofrimento. Mas há dias em que a a tristeza “abranda” e dá lugar a um sorriso contagiante, pois sabe que na sua taberna – que abre apenas para os clientes habituais – vai receber a família. Não a família de sangue, essa está longe e não pode vir com a regularidade com que a Ti Lurdes gostaria, mas aquela que se tornou a família de coração.
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Falamos da equipa da Secção de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário do Destacamento Territorial da GNR de Caldas da Rainha, que visita uma vez por mês a taberna da Ti Lurdes no âmbito de um conjunto de ações de patrulhamento e de sensibilização à população mais idosa.
A missão inicialmente estipulada era a de sensibilizar e alertar para a adoção de comportamentos de segurança que permitam reduzir o risco de se tornarem vítimas de crimes, nomeadamente em situações de violência, de burla e de furto. Contudo, a missão torna-se bem maior quando estes militares são já vistos como família e dão um contributo muito importante para combater a solidão entre as gerações mais velhas.
Durante a tarde do passado dia 1, o REGIÃO DE CISTER acompanhou uma ação da equipa e testemunhou aquilo que é bem mais do que apenas sensibilizar e prevenir.
“São meus amigos, são a minha família. Gosto muito de todos”. Foi assim que Lurdes explicou o quão feliz estava por receber os guardas. Na sua taberna, e na imponência dos 89 anos, onde continua a servir cafés e os copinhos de vinho, ia distribuindo beijinhos e abraços (consecutivamente, tal era a felicidade) pelos três militares presentes. “Gosto muito de os ter cá”, complementava, enquanto perguntava aos “amigos” se não queriam comer ou beber alguma coisa. A resposta era prontamente negativa, e ainda que ficasse triste pelo facto de não quererem tomar nada, nada lhe tirava a satisfação de ter a família em casa, algo que acontece apenas uma vez por mês, para grande pena da quase nonagenária, que já anseia por nova visita dos “amigos”.
O caso desta turquelense foi um dos que a equipa da Secção de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário do Destacamento Territorial da GNR de Caldas da Rainha, que abrange os concelhos de Alcobaça e da Nazaré, identificou como prioritários devido à situação de vulnerabilidade e de isolamento e é, por essa razão, que se deslocam mensalmente à taberna – que ladeia a habitação onde reside. Para garantirem que não foi alvo de qualquer tentativa de crime, mas também para se certificarem de que continua capacitada para viver sozinha e em segurança.
A verdade é que estas visitas, além de terem o condão de sensibilizar para evitar males maiores, acabam por permitir criar fortes laços de amizade e quase familiares. Que o diga a dona Maria, de 89 anos.
Residente na freguesia da Maiorga, ganhou logo outro ânimo quando, ao portão da sua moradia, viu chegar o carro da GNR. No fundo porque sabia que estavam a chegar os amigos sem os quais já não sabe viver. De imediato, dois beijinhos e um abraço, recordando o gesto de um neto quando chega a casa dos avós. E é mesmo como se fosse. “São parte da minha família”, acentuava a senhora Maria, enquanto “exigia” aos guardas que se sentassem na sua sala para um tempinho de conversa.
Enquanto divagava pelas décadas enquanto funcionária da Crisal e do quanto necessitou da ajuda dos pais para criar as duas filhas, a dona Maria ia também atirando para o ar alguns lamentos: “Já só estou à espera que ele me leve”, suspirava, suscitando a oposição (e alguns ralhetes) dos cabos César Ferreira e Catarina Campos e do alferes João Marçal, que iam resistindo e justificando a razão pela qual “ainda faz cá muita falta”…
A missão da Secção de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário do Destacamento Territorial da GNR de Caldas da Rainha é “patrulhar” e “sensibilizar”, mas, como demonstrado, acaba por tornar-se muito mais do que apenas isso. Tornam-se psicólogos, enfermeiros, canalizadores, carpinteiros, clientes (entre outras tantas coisas) e fazem de tudo um pouco: mudam as pilhas dos comandos da televisão, sintonizam o rádio que já não funciona, ajudam a mudar móveis, arranjam eletrodomésticos. Há sempre algo em que são úteis. “Só no fim é que são guardas”, enaltecia também a dona Maria, enquanto segurava carinhosamente a mão da amiga (e só depois guarda) Catarina Campos.
A ideia era corroborada pela filha Raquel Pereira, que presenciou a visita devido a estar de baixa médica. “Como sei que passam aqui fico sempre mais tranquila. É sempre uma segurança para mim”, notou, revelando que a mãe fica “sentida” quando os “compadres” (como também trata os guardas) ficam várias semanas sem passar por ali. Na hora da despedida, os conselhos habituais e o agradecimento por mais uma visita. “Não se esqueçam de nós”, pedia a também quase nonagenária, que, devido à idade, viu “uns bandidos” levarem-lhe o ouro que tinha, mas que, em contrapartida, também já ganhou uma “equipa de amigos” para a vida.
Seguimos então até à União de Freguesia de Coz, Alpedriz e Montes. Numa residência cujo acesso tem tanto de bonito quanto de difícil, o casal José e Maria Assunção, de 87 e 84 anos, dormia uma sesta quando o silêncio característico de uma zona rural, onde só se ouvem os pássaros a chilrear, é interrompido pelo som de alguém a bater à porta.
Após as questões iniciais para debelar a ideia de gente “maldosa”, seguindo à risca as indicações que são aconselhadas pelas autoridades, abriram a porta e receberam “de braços bem abertos” a equipa do Destacamento Territorial da GNR de Caldas da Rainha, naquele dia composta por apenas três elementos.
Sentado no sofá, o antigo resineiro, ia recordando a história de vida até ali se instalar. Desde o pai, que tinha posses mas que não “dava” dinheiro com facilidade, até à profissão que desempenhou durante anos e anos. Foi quase uma hora em que o sr. José ia vagueando pelas memórias do passado. 60 minutos em que o tema das burlas e segurança não veio à tona – tantas vezes já fora falado –, mas em que emergiu o valor de ter alguém disposto a ouvir aquilo que têm para contar. Sem pressas e sempre com um sorriso estampado no rosto.
Ao lado, a esposa ia mostrando à cabo Catarina os desenhos que vai colorindo, contando como vai a ginástica com o professor Miguel, e como tem estado a saúde. Os conselhos de prevenção sobre segurança já foram dados e não estão esquecidos. Por isso, aquele (precioso) tempo torna-se, a espaços, numa forma de combater a solidão entre as gerações mais velhas.
Prova disso, foi a alegria com que o casal brindou os guardas para uma série de adivinhas rápidas com recurso a um papel, caneta e pauzinhos de madeira.
“Sabe como se escreve água quente com seis pauzinhos”, questionava o senhor José, deixando a equipa a pensar na resposta. “E porque é que os comboios não têm rodas de borracha?”, indagava também, enquanto se ia recordando de mais trocadilhos apenas para que o tempo parasse e a aquela hora da visita fosse… eterna. Uns acabaram por ser resolvidos com alguma facilidade, outros eram mais exigentes e a solução teve mesmo de ser revelada pelo casal.
Todos, sem exceção, motivaram gargalhas e, no fim, um caloroso cumprimento de despedida finalizado com aquele que é já um chavão de qualquer visita da equipa da Secção de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário do Destacamento Territorial da GNR de Caldas da Rainha.“Não se esqueçam de nós”.