António Rosa Henriques Domingues. Caíram os dois últimos nomes. António Rosa, através desta sua escolha, homenageia a mulher que o deu à luz, Emília Rosa. Uma mulher resiliente, lutadora e corajosa que cedo teve de agarrar a vida sozinha, após a partida prematura do marido. António Henriques Domingues Júnior tinha apenas 37 anos quando morreu.
Junto à casa onde nasceu há 82 anos, em Casal da Ferraria, freguesia da Maiorga, António Rosa brincava com o barro vermelho que “florava” da terra. Moldava-o e das suas mãos nasciam peças que orgulhavam os pais.
António Rosa Henriques Domingues. Caíram os dois últimos nomes. António Rosa, através desta sua escolha, homenageia a mulher que o deu à luz, Emília Rosa. Uma mulher resiliente, lutadora e corajosa que cedo teve de agarrar a vida sozinha, após a partida prematura do marido. António Henriques Domingues Júnior tinha apenas 37 anos quando morreu.
Junto à casa onde nasceu há 82 anos, em Casal da Ferraria, freguesia da Maiorga, António Rosa brincava com o barro vermelho que “florava” da terra. Moldava-o e das suas mãos nasciam peças que orgulhavam os pais.
Foi nas fábricas de cerâmica da região, com outras paixões pelo meio, que ‘moldou’ também a sua vida. Houve dias e noites em que trabalhou sem que o corpo tivesse direito a descanso.
Antes da intensa carga laboral, desde os 11 anos, António Rosa sentou-se nos bancos da escola. Conhecia o inferno do álcool em casa e vivia-o também na escola. O professor aproveitava todos os intervalos para “molhar a garganta”. Já fora de si, exigia aos alunos respostas na ponta da língua. “Gostava de refletir. Custou-me um ano de aprendizagem, mas só ganhei com isso. Mudei de professor. Era mulher. Uma mãe. Com ela aprendi tudo de raiz”, recorda António Rosa, enquanto segura entre as mãos os óculos que, frequentemente, tira do rosto.
O jeito para o desenho foi desde tenra idade elogiado. “Os meus colegas pediam-me ajuda. Às vezes, o professor recebia dez iguais”, refere o artista, entre sorrisos.
Com apenas 11 anos, fazia serventia a pedreiro. E como nada acontece por acaso, houve um dia em que o fazia nas instalações de uma das fábricas de louça mais emblemáticas do concelho. A Elias e Paiva, na Fervença. Reconhecido pela sua capacidade de desenhar e pintar, largou a pá e o cimento e entrou no mundo da louça artística de Alcobaça, trabalhando na vidragem com o patrão António Elias.
Aos 13 anos, e depois de um contacto de uma das tias, entrou pelas portas da mítica Raul da Bernarda (RB), em Alcobaça. Experimentou num domingo à tarde. Na segunda-feira, regressou. Até por volta dos seus 20 anos foi a sua “casa”. Idade com que casou, com Maria Alice da Piedade e de quem teve três filhos. Um casamento nem sempre vivido perto, ainda que os fins de semana o fossem. Mas já lá vamos.
António Rosa teve o privilégio de trabalhar e privar com os melhores. Luís Salvador, notável pintor de cerâmica da Raul da Bernarda, que mais tarde foi convidado a gerir uma fábrica no Brasil, é o nome que lhe preenche a alma: “Era um grande artista. Um homem espetacular. Era um gosto vê-lo trabalhar. Quem me dera ter aquelas mãos, pensava tantas vezes”.
Pensou e teve. A qualidade que imprimia em cada trabalho passava as paredes de todas as fábricas por onde passou.
Num dos momentos mais difíceis da “vida” da Raul da Bernarda, em 1953, foi um dos três trabalhadores convidados a ficar. Com os pintores da Crisal, que depois das 18 horas passavam pela RB, aprendeu a aplicar ouro nas peças. A sua curiosidade metia-o sempre na linha da frente. Mais tarde, as novas técnicas voltaram a pôr a RB nas bocas do mundo.
Com outro colega, Aníbal Lopes, depois de uma conversa com Mário Tanqueiro (da Olaria de Alcobaça), partiu para Tremez, concelho de Santarém, onde trabalhou dois anos. Voltamos, assim, também ao seu casamento. Só ao fim de semana revia a família. “Trabalhava das 7 à meia noite. Todo o trabalho foi recompensado, porque conseguimos pôr a fábrica a trabalhar. Um dia, durante uma feira, os empresários que foram de Alcobaça até Santarém ficaram de boca aberta quando perceberam o que fazíamos por lá”, recorda António Rosa. Tanto que o empresário José Rosa nunca mais o largou. Além de lhe arranjar um forno, acompanhou-o numa visita a Coimbra. Momento em que viu, pela primeira vez, um forno contínuo a funcionar. Quando chegou a Tremez foi recebido de mau agrado pelo colega: “apontou-me uma forquilha e chamou-me de todos os nomes, pediu-me que me fosse embora. Em vez disso, tirei o casaco e comecei a enfornar. À noite, nada me fazia adormecer. Abandonei o barracão, deviam ser 3 horas, e andei durante toda a noite até Porto de Mós. Fiquei mais de oito dias de cama. Por insistência de José Rosa, acabei por ir trabalhar para ele”.
Passados alguns meses, com cerca de 28 anos, regressou à RB. Recebia, por mês, 85 escudos. Paralelamente, em casa, começava a produzir algumas peças. Mais tarde, regressou à empresa de José Rosa. “Não fiquei lá mais de três meses. Comprei um forno com a ajuda de um tio para trabalhar em casa. Como estava tudo a correr bem, propus ao meu tio, que acabou por pôr as quotas no nome dos filhos, e ao meu irmão sociedade. Nascia a Facerama”, explica António Rosa. O irmão, devido a desentendimento acabou por sair. A fábrica vivia um período negro, mas António Rosa não desistiu e acabou por reerguer a Facerama. Entretanto, entram novos familiares, entre eles os filhos. Os problemas voltam à ordem do dia e os filhos decidem sair. O pai sai com eles, deixando a fábrica ao cuidado de netos do tio.
Na António Rosa Cerâmicas, fundada em 1988, trabalha a família deste homem, que aos 82 anos continua a trabalhar das 7 às 16:30 horas. O homem que ousou sonhar sem medo de alcançar…