Tiago Guerra está de saída da presidência do HC Turquel, depois de 25 anos à frente do clube. O dirigente fica ligado a alguns dos maiores feitos da história dos Brutos dos Queixos e deixa um legado de estabilidade na 1.ª Divisão, presenças consecutivas nas provas europeias e títulos nacionais femininos. Na hora da despedida, garante que vai continuar a trabalhar pelo emblema, que ficará bem entregue, e lamenta o rumo que o hóquei em patins nacional está a trilhar.
Tiago Guerra está de saída da presidência do HC Turquel, depois de 25 anos à frente do clube. O dirigente fica ligado a alguns dos maiores feitos da história dos Brutos dos Queixos e deixa um legado de estabilidade na 1.ª Divisão, presenças consecutivas nas provas europeias e títulos nacionais femininos. Na hora da despedida, garante que vai continuar a trabalhar pelo emblema, que ficará bem entregue, e lamenta o rumo que o hóquei em patins nacional está a trilhar.
REGIÃO DE CISTER (RC) > Fez inúmeros mandatos à frente do HC Turquel. Cumpriu tudo a que se tinha proposto neste quarto de século?
TIAGO GUERRA (TG) > Fiz tudo o que podia e que não podia pelo clube. Quando iniciei funções foi muito complicado. Em 1992 sucedi na presidência ao meu tio, Joaquim Guerra, e peguei no clube com o Afonso Vicente num momento particularmente difícil em termos financeiros. Eram épocas em que tínhamos António Livramento como treinador e Chambel na baliza. Pagavam-se subsídios a treinadores e jogadores muito elevados. Fizemos grandes épocas, recordo um 4.º lugar no campeonato e uma final da Taça de Portugal, mas não era sustentável manter aquela política desportiva. Decidimos, então, reduzir os custos com a equipa sénior e apostar na formação. Descemos à 2.ª Divisão em 1993/94 e fomos organizando o clube com a chamada prata da casa. Foi dessa forma que subimos novamente em 2001/02, mas descemos na época seguinte. Em 2012/13 voltámos à 1.ª Divisão e estabelecemos o recorde do clube, com oito temporadas seguidas no escalão principal. Mas sempre com muito rigor em termos financeiros. Conseguimos ter equipas quase apenas formadas por jogadores formados no clube e nunca falhamos os pagamentos. Pagamos pouco, mas a horas.
RC > Essa aposta na formação permitiu fabricar inúmeros talentos que jogam ao mais alto nível, até noutros países. Isso é satisfatório para o clube?
TG > É um reflexo desse trabalho, mas confesso, por outro lado, que esse é precisamente um dos principais fatores que me leva a sair da Direção. Os clubes formadores como o nosso acabam sempre por ser prejudicados, porque deixámos de ser ressarcidos pela saída dos atletas. Até há algum tempo, todas as transferências entre clubes tinham de ser pagas. O Benfica ou o Sporting chegam aqui e levam-nos os miúdos mais talentosos com facilidade. Sem sequer uma palavra. Por isso, fica a satisfação de vários deles chegarem ao topo, mas ao mesmo tempo um sentimento de injustiça. A Federação de Patinagem devia voltar atrás com esta situação, porque isto só favorece os grandes. O maior custo que temos no clube é a formação, não é a equipa sénior. E deixou de haver respeito entre os clubes. Há uma falta de valores no hóquei que é preocupante.
“As questões financeiras estão a sobrepor-se na modalidade e clubes como o nosso, fora dos grandes centros, têm uma base de recrutamento muito mais reduzida”
RC > Foi isso que explicou, também o fim da equipa feminina?
TG > Exatamente o mesmo. O Benfica chegou aqui e dava tudo às nossas jogadoras. Ainda conseguimos manter a equipa alguns anos, mas depois acabámos por desistir, pois queríamos recrutar jogadoras e não conseguíamos. Na equipa masculina conseguimos manter, durante alguns anos, uma base boa na equipa, mas as próximas temporadas deixam-me algo apreensivo. Como é que seremos capazes de conseguir recrutar jogadores se não temos capacidade financeira para competir com os outros? É difícil encontrar jogadores para jogar na 1.ª Divisão e se a nossa formação tem tido dificuldades, salvo algumas exceções, para abastecer a equipa será complicado sermos competitivos. As questões financeiras estão a sobrepor-se na modalidade e clubes como o nosso, fora dos grandes centros, têm uma base de recrutamento muito mais reduzida.
RC > O campeonato português é considerado o melhor do mundo. Concorda com esta apreciação? E como é que o HC Turquel se conseguirá manter ao mais alto nível?
TG > As próximas épocas serão muito difíceis para o clube, mas acredito que será possível manter este estatuto de primodivisionário. O campeonato é muito difícil e algo desequilibrado, pois há cinco equipas muito poderosas e as restantes lutarão pela manutenção. Andamos há anos a combater com armas desiguais, porque um jogador do Sporting, Benfica ou FC Porto custa quase tanto como toda a nossa equipa. É por isso que o HC Turquel está a apostar na formação, mas quanto a mim talvez seja necessário repensar as coisas. Nos últimos anos cresceu-se imenso em número de atletas, mas talvez fosse preferível apostar mais na qualidade em detrimento da quantidade. É apenas uma opinião, claro.
RC > Qual é o momento que guarda com mais orgulho da sua passagem pelo clube?
TG > Não tenho dúvidas em dizer que é este ciclo de épocas consecutivas na 1.ª Divisão. A todos os níveis. Em termos financeiros conseguimos ter tudo em dia, deixámos uma verba da época passada e que fica para a nova temporada e isso, para mim, é o mais importante.
RC > Está de saída do clube. É o momento certo?
TG > Já devia ter saído há meia-dúzia de anos. Andei à espera que outro elemento da minha equipa avançasse, mas isso nunca aconteceu e fui ficando mandato após mandato, mas agora é o momento certo. Além disso, tenho de dar atenção à minha família e esqueci-me dela durante tempo demais. A nível profissional nunca senti dificuldades em compatibilizar com o trabalho no clube, mas a família ressentiu-se muito. A família apoiou-me, mas sobretudo agora… Já tinha decidido sair há dois anos, mas gerou-se um impasse e acabei por ficar mais um mandato.
RC > E desta feita isso não poderá voltar a suceder?
TG > Desta vez estou mesmo de saída. Têm-se sucedido reuniões nas últimas semanas para se encontrar uma alternativa para os órgãos sociais e estou certo que será encontrada uma lista. Há um nome bem colocado para assumir a presidência, espero que se resolva em breve. Mas, uma coisa é certa: deixo o HC Turquel em boas mãos.
“Sofri muitos anos para arranjar receitas para fazer face às despesas”
RC > Foi sempre um presidente de balneário?
TG (TG) > Pode dizer-se que sim. Sempre estive aberto ao diálogo e procurei estar próximo dos jogadores e dos treinadores para resolver os problemas quando eles surgissem. Não consigo dizer que não a ninguém e fui-me afeiçoando às pessoas e cada vez mais ao clube, reforçando essa ligação. A homenagem que me fizeram no final da época deixou-me muito sensibilizado. Não queria nada daquilo, porque para mim o importante é o HC Turquel. Mas quando vi que tinha lá a minha família toda, o coração bateu muito forte. E tenho de ter cuidado com essa emoção…
RC > E o que se segue? Continuará disponível para trabalhar pelo clube, mesmo noutras funções?
TG > Deixar o HC Turquel não é uma possibilidade. Querem que continue na Direção, mas agora como presidente honorário. Ainda não disse que sim. Estou a refletir. Sofri muitos anos para conseguir arranjar verbas para fazer face às despesas do clube, organizando eventos, batendo a muitas portas. Felizmente, essa estabilidade financeira também se refletiu nos resultados desportivos. Mas se estivéssemos na 2.ª Divisão a atitude seria a mesma, no sentido de assegurar que o clube cumpria a sua palavra. Essa sempre foi a minha prioridade.
RC > A aposta na HCT.tv foi uma aposta ganha? Sente que foi importante na consolidação do clube?
TG > Quando começámos não havia nada do género. Quebrámos o paradigma das transmissões de hóquei em patins e marcámos pela diferença. De resto, o clube acompanhou sempre a evolução tecnológica, muito devido ao empenho do Dinis Vicente, que tem sido extraordinário no apoio ao HC Turquel ao longo dos anos.
RC > O que espera do futuro do clube?
TG > O HC Turquel vai continuar a crescer. A Direção que entrar em funções vai, certamente, manter alguns dos elementos e, com a chegada de novos dirigentes, isso é uma garantia de que o trabalho vai continuar a ser bem feito em prol do clube. A nível desportivo a prioridade terá de passar pela manutenção na 1.ª Divisão, mas sei que vamos ter grandes dificuldades nas próximas épocas.
RC > E acredita ser possível lutar por títulos nos próximos anos?
TG > Vejo com alguma dificuldade, pelo menos nos próximos anos. A formação não tem sido capaz de gerar jogadores que suportem a equipa sénior e com a disparidade de orçamentos que existem e a dificuldade em encontrar jogadores disponíveis o cenário pode ser adverso. Se não conseguirmos segurar os nossos melhores talentos é muito difícil manter a competitividade. Voltamos a falar da questão das indemnizações pela formação. O medo que tenho do futuro é esse, mas podemos sempre ter a sorte de ganhar um título. Já estivemos nas meias-finais da Taça de Portugal, na época em que subimos à 1.ª Divisão, e na época passada podíamos ter ido ainda mais longe na Taça CERS.