Foi com muitas palmas que cerca de três centenas de pessoas receberam o discurso emotivo do presidente da Mesa da Confraria Nossa Senhora da Nazaré na manhã do passado domingo na zona do promontório do Sítio, quando Nuno Batalha lembrou a ligação histórica e umbilical que a Nazaré e as suas gentes mantêm com o local onde está a Ermida da Memória. Além de palco da lenda de D. Fuas Roupinho, o Bico da Memória é agora centro da polémica que levou a população para a rua, em protesto contra as obras que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) projetou para o local, que integram a intervenção de consolidação das arribas iniciada na quarta-feira da passada semana.
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Em causa está a colocação de uma plataforma metálica e a demolição dos muros do promontório. “Das poucas informações que a APA disponibilizou, é possível perceber que, em termos de carga, esta consola aguenta cinco toneladas por centímetro quadrado”, sublinhou Nuno Batalha. O dirigente falava no encontro promovido pelo Movimento Cívico pela Defesa do Promontório da Nazaré – uma organização que já se tinha insurgido contra a instalação do zipline no Sítio em 2020 –, junto ao monumento, classificado como Imóvel de Interesse Público. “Haverá, entre as demais, uma profunda intervenção na zona de proteção do imóvel classificado da Ermida da Memória e no Bico da Memória, que, além de outras, leva à retirada dos seculares muros vernaculares de proteção, para os substituir por estrutura de metal, colocando-se ainda uma estrutura elevada no solo, feita também em metal e que será suportada a partir de uma lage artificial de betão, mais recuada, e que para a sua fixação terão que ser executados 32 furos com 10 metros de profundidade na atual rocha que serve de base de suporte ao Bico da Memória”, lê-se no comunicado enviado pelo movimento. “Há uma clara necessidade de esclarecimento à população e aos especialistas”, por parte da APA ou da Câmara, para que “todos possam entender de facto o que leva aquela entidade a pensar fazer agora uma tão grande alteração ao que existe ali há séculos”, reclama o grupo.
A Câmara da Nazaré, que cedeu um espaço municipal para as reuniões entre a APA, a empresa construtora e a entidade fiscalizadora da obra, conforme explicou o chefe do executivo municipal em reunião de Câmara, reconheceu, na ocasião, os impactos da obra, sobretudo pela época prevista para a execução da intervenção, de 15 de abril até 15 de junho, num investimento de quase 1,7 milhões de euros.
Já em comunicado emitido na passada segunda-feira, e após receber várias críticas, a autarquia esclareceu que “não existirão quaisquer obras na Ermida da Memória”, lamentando “a contrainformação falaciosa e alarmista, promovida por alguns cidadãos”. No documento, no qual é feito um resumo do processo de estabilização das arribas, iniciado em 2006, o autarca socialista esclarece ainda que “não existirá corte de nenhuma consola natural, como alguns apregoam, ou por desconhecimento ou por má fé”. O presidente da Câmara fala ainda em “aproveitamento político de alguns atores, até em cerimónias religiosas, que, por via da desinformação, pretendem atingir este executivo municipal”.
Para a próxima segunda-feira está agendada uma reunião entre a Câmara e a APA, estando também prevista a realização de uma sessão de esclarecimento à população até ao final de março, garante Walter Chicharro.
No âmbito do processo de consolidação das arribas, o atual executivo diz ter pressionado a APA, em 2014, para incluir na intervenção a área sobranceira ao túnel do ascensor. Desde essa data, o município garante nunca ter reunido com a APA, sendo que a Câmara tomou conhecimento formal do projeto de execução “aquando da apresentação do mesmo, em sessão promovida pela APA, já em fase de assinatura da consignação da obra”, o que significa que a obra já estava em curso a partir desse momento. De acordo com as contas feitas pela Câmara, “as decisões técnicas encontradas por este projeto datam de 2011” e são, portanto, posteriores à entrada em funções do atual executivo.
Certo é que a solução encontrada pela APA não agrada às centenas de pessoas que se prontificaram, no passado domingo, para angariar assinaturas num abaixo-assinado que vai seguir para vários organismos, com o objetivo de travar a intervenção no Bico da Memória. A “luta” começou no passado dia 11, após as primeiras Jornadas do Património da Nazaré – subordinadas ao tema, “Bico da Memória: Património Identitário da Nazaré e de Portugal. Que Futuro?”, organizadas pelas associações Nazaré Marés de Maio – Associação para o Desenvolvimento Integrado da Nazaré; Confraria da Nazaré e Liga dos Amigos da Nazaré, que aceitaram “englobar e colaborar com o movimento nas ações de luta necessárias até obtenção dos esclarecimentos por parte da APA”, como esclarece o movimento cívico.
APA justifica intervenção por questões de segurança
Na área a intervir na zona do Bico da Memória, no Sítio, a Agência Portuguesa do Ambiente garante ao REGIÃO DE CISTER vir a atuar por questões de segurança, explicando que “o acesso das pessoas à arriba será recuado face à proximidade e instabilidade das arribas”.
A plataforma suspensa prevista será construída também por motivos de segurança, assume o organismo, “para aliviar o peso resultante das pessoas sobre a atual consola rochosa, que é instável, procurando evitar o agravamento das condições de segurança que já atualmente são deficientes”. A estabilidade da nova plataforma será, segundo a APA, garantida através da ligação da mesma a um maciço em betão, constituído na sua extremidade por uma consola curta em betão armado que permite uma correta ligação do maciço à estrutura. “Esta estrutura não exercerá peso sobre a arriba, nem sobre a consola rochosa existente e terá a mesma configuração que a arriba atualmente apresenta”, acrescenta.
Num esclarecimento feito ao REGIÃO DE CISTER, a APA lembra que projeto base foi presente a sessão da Assembleia Municipal da Nazaré, sob proposta da Câmara, a 30 de junho de 2011, tendo sido deliberado por unanimidade a concordância com as propostas apresentadas no projeto base. Além disso, numa reunião a 19 de outubro de 2011 da Comissão Permanente da Assembleia Municipal, foi deliberado concordar com as propostas apresentadas no projeto base.
“Pese embora o objetivo principal de salvaguarda e proteção face ao risco”, o projeto foi desenvolvido com base “no respeito pelo conceito do espaço paisagístico e patrimonial existente, procedendo a adaptações relativamente à realidade atual, em termos de segurança, das atuais necessidades técnicas e de manutenção, garantido a qualidade visual da arriba e envolvente e a sua integração na paisagem, valorizando a obra como um todo”. E por isso teve a intervenção de especialistas na área de arquitetura, devido quer ao necessário enquadramento patrimonial na zona de proteção da Ermida da Memória, quer ao enquadramento paisagístico específico do Sítio da Nazaré.
O projeto foi submetido a parecer da Direção Geral do Património Cultural (DGPC), que emitiu parecer, indicando os aspetos a alterar e os elementos a apresentar. A APA garante só ter lançado o concurso para a execução dos trabalhos após a aprovação do projeto pela DGPC, que verificou que as recomendações e exigências tinham sido incorporadas no projeto. Os trabalhos serão acompanhadas por um arqueólogo, tal como também foi exigido pela DGPC.