Foi em janeiro de 2017 que faleceu o alcobacense António Tereso, um sobrevivente do regime de Salazar, que, fazendo-se passar por fascista, ajudou sete homens a escapar da prisão de Caxias em 1961. Foi militante do PCP e até aos 89 anos, ou seja, muito pouco tempo antes de morrer, continuava a desempenhar funções no partido. A história que vamos contar merecia um filme.
António Alexandre Tereso nasceu em Alcobaça em 16 de novembro de 1927. Aos 12 anos já trabalhava em Lisboa, como aguadeiro. Foi servente de pedreiro, trabalhou no campo, foi lavador e mecânico, até entrar na Carris, em 1951. Oito anos depois, foi preso, após se ter envolvido numa luta de trabalhadores na empresa. Aguardou julgamento em Caxias e, em fevereiro de 1960, seria condenado à pena de dois anos e três meses de prisão, acrescida de uma “medida de segurança” de seis meses a 3 anos e a suspensão de direitos políticos por 15 anos. Cumpre pena em Caxias e, apesar de assumido comunista, fez-se passar por amigo do diretor e dos guardas para engendrar um esquema de fuga, para o qual seria acompanhado por mais sete homens. E ao serviço da PIDE.
Depois de simular uma rixa com outros reclusos, o alcobacense tentou chegar à fala com o diretor da prisão. Quando o conseguiu, deu o primeiro passo para ganhar confiança, assumindo-se como conhecedor de mecânica. Ofereceu-se para arranjar vários carros, entre os quais uma viatura blindada de Oliveira Salazar, um Mercedes que estava sem uso na garagem. A proximidade ao diretor da prisão teve um alto preço: começou a ser tratado como traidor, foi alvo de cuspidelas dos presos, mas no final seria visto como um herói. A ligação que estabeleceu permitiu-lhe ser contratado pela… PIDE como motorista, ganhando, assim, uma capacidade de movimentos pouco usual para um condenado.
António Tereso, porém, não tinha vida fácil na prisão, onde era visto como um “rachado”, ou seja, alguém que não presta. O seu bom comportamento e a facilidade com que se predispunha a executar tarefas na cárcere fazia dele um alvo fácil para os ataques dos colegas. Foi assim que a estrutura do PCP o escolheu para levar a cabo tão árdua tarefa.
“A organização do partido na cadeia avançou com a ideia de arranjar um ‘rachado’ fingido, um quadro sério, corajoso, capaz de assumir tarefas difíceis e arriscadas. Essa escolha foi cair no camarada Tereso, motorista da Carris, com conhecimentos mecânicos e outras capacidades. Levou tempo a ganhá-lo para a tarefa, pois ele não aceitava a ideia de ser ‘rachado’ mesmo a fingir. Contudo, sendo uma tarefa do partido, acabou por aceitá-la”, relatou António Gervásio, um dos homens que fugiu graças à operação, a “O Militante”, em 2006.
Foi a 4 de dezembro de 1961 que António Tereso e os comparsas ganharam coragem e resolveram levar a cabo o que tinham planeado: cerca das 9 horas da manhã, quando estavam a chegar as visitas à prisão, o motorista tomou o assento de condutor no carro blindado de Salazar, que entretanto tinha arranjado e abastecido de combustível, e acelerou com toda a força pelo pátio da prisão, arrombando o portão de ferro e levando consigo mais sete prisioneiros, que pretendiam voltar para a clandestinidade como funcionários do PCP. José Magro, Francisco Miguel, Domingos Abrantes, António Gervásio, Guilherme de Carvalho, Ilídio Esteves e Rolando Verdial eram os outros ocupantes do carro, que se pôs em fuga para Lisboa.
António Gervásio recorda como tudo aconteceu: “No recreio iniciámos o nosso jogo tradicional de voleibol que fazia parte de outra jogada… A GNR, nos taludes, observava-nos. No nosso meio circulavam carcereiros armados. Poucos minutos depois vemos o ‘Mercedes’ conduzido por Tereso subindo em marcha atrás o túnel por onde iríamos fugir. O ‘Mercedes’ chegou até junto de nós. Começámos a ‘protestar’, [com] os guardas muito atentos, aproximámo-nos do carro cujas portas só estavam encostadas – tudo aparentemente sereno mas muito rápido. Ouve-se o grito da senha: GOLO! E num gesto super rápido os oito fugitivos estavam no interior do ‘Mercedes’ que, em grande velocidade, avança pelo túnel em direção à liberdade. A sentinela não teve sequer tempo de fechar o gradão”, recorda o comunista, que viveu para contar o feito.
A viatura, que terá sido oferecida por Hitler a Salazar anos antes, arrancou em primeira, deu uma pancada no portão que saltou em pedaços, ouvindo-se, depois, tiros de metralhadora. O Mercedes foge de Caixas e os guardas tentaram recorrer às outras viaturas, que, previamente “arranjadas” por António Tereso, permanecem imobilizadas. Tudo tinha sido preparado ao pormenor e com… dedo do alcobacense.
Depois da grande fuga, António Tereso seria colocado pelo PCP na Checoslováquia até 1969, ano em que foi viver em França. Aí trabalhou como torneiro mecânico até ao 25 de Abril de 1974, quando pôde voltar ao País e seria reintegrado nos quadros da Carris e mantendo-se fiel ao PCP. Morreu no dia 7 de janeiro de 2017, mas encetou uma fuga que ficou para a história e que contou de viva voz ao jornal i, em 2015.
“Foi com sacrifício que aceitei a tarefa de ‘rachar’. Foi o que mais me custou na vida”, admitiu à jornalista Sílvia Caneco, natural da Nazaré, nessa entrevista. Afinal, tinham sido 19 meses de autêntica tortura com o objetivo de preparar a fuga. Há sacrifícios na vida que, sem dúvida, valem mesmo a pena.