Augusto Manuel da Silva Lopes nasceu na extinta freguesia de São Lourenço, em Lisboa, mas foi na freguesia de Alfeizerão que passou grande parte da vida fruto dos laços familiares, que o levariam a conhecer a região aos 9 anos de idade.No passado dia 15 de fevereiro, e já na plenitude dos 101 anos, o alfeizerense de coração lançou a obra “Histórias e Memórias de Alfeizerão”, uma publicação que reúne tradições, lendas e histórias, algumas transmitidas oralmente desde há mais de dois séculos (caso do sismo de 1755 ou a memória do povo sobre as invasões francesas), assim como minuciosos apontamentos etnográficos sobre costumes, ofícios e crenças dos antepassados.
Este conteúdo é apenas para assinantes

Fê-lo no Baú das Memórias, espaço cultural aberto graças ao seu gesto altruísta quando, em 2021, doou aquele imóvel à Junta para a construção de um equipamento cultural na vila, para o qual contribuiu também com o financiamento para as obras.
Instantes antes do início da apresentação da obra, o REGIÃO DE CISTER esteve à conversa com o autor da publicação e, num discurso sempre munido de lucidez e assertividade, Augusto Lopes, que atualmente reside na Santa Casa da Misericórdia de Alfeizerão, justificou o que o move.

“A vida vai girando. O mundo está sempre a girar à sua volta e você tem de viajar, tem que saber muita coisa”, referia, explicando que o livro “compila todas as estórias que foi ouvindo e conhecendo”. “Muitas das estórias tiveram origem nuns papelinhos do meu amigo José Tempero [antigo presidente de Junta de Alcobaça], sobre os quais ia escrevendo nos meus apontamentos”, relatou.
A obra contou com o contributo de José Lopes Coutinho, que, no tratamento e compilação da informação, também introduziu uma breve contextualização da abundante e preciosa informação histórica do autor sobre o passado da vila e freguesia.
Para o Augusto Lopes, “é o livro de toda a freguesia de Alfeizerão”, contada pelas próprias pessoas. Ao longo do tempo, o antigo artesão anotou os registos com dedicação em cadernos e manuscritos, tornando-se num fiel depositário dos escritos lavrados por outras pessoas da sua geração e que a ele os confiavam para os guardar e editar mais tarde.
A partir desses testemunhos subordinados a assuntos muito diversos, os textos foram coligidos em função do tema, permitindo que a informação fosse apresentada de forma ordenada.

Sobre o facto de ser, por certo, um dos autores mais velhos em todo o mundo, o centenário sublinhou ter sido um “dia feliz”. “Foi uma surpresa”, atirou, voltando a repisar a importância de estar “alerta”.
“É importante que tenhamos o cérebro sempre sempre atento e tenho de matar a minha solidão”, frisou, exemplificando a jovialidade com alguns movimentos que mostraram a sua destreza física, apesar de numa cadeira de rodas. “Também tenho dores, mas não me deixo massacrar por isso. De noite levanto-me e vou escrever”, contou.
“Histórias e memórias de Alfeizerão” representa “um rico e fecundo legado para a comunidade alfeizerense e concita a escrita e a memória de toda uma geração numa época em que saber ler e escrever era um benefício de poucos” e esse é um legado que foi também enaltecido pelo presidente da Junta.
“O senhor Augusto é muito importante porque foi uma pessoa que não só doou o espaço para a criação do Baú das Memórias, como financiou as suas obras, e no fim de tudo acaba por dar tudo aquilo que recebeu à população de Alfeizerão”, enalteceu Leonel Ribeiro ao REGIÃO DE CISTER, asseverando que, aos 101 anos, o escritor continua a “ser um impulsionador da cultura de Alfeizerão”.
Presente na apresentação da obra esteve também o presidente da Câmara de Alcobaça.

“Significa poder ter o testemunho do passado, mas a pensar no presente e no futuro. Estes livros servem para isso mesmo. Se não houver ninguém a escrever, como o senhor Augusto tem feito, se ninguém retratar a história, não é a inteligência artificial que a vai retratar”, enfatizou Hermínio Rodrigues, destacando estas publicações como uma forma de “saber quem somos e para onde queremos ir”.
“É disso que se tratam estes livros”, sublinhou o autarca, pedindo para que o alfeizerense de coração continue a escrever.
Pedido feito, pedido aceite. É que o centenário confidenciou ao REGIÃO DE CISTER que tem mais duas obras em preparação. Sobre a vida que importa viver. Tal como Augusto Manuel da Silva Lopes faz questão de fazer. A caminho dos 102 anos.