Depois de 37 anos a exercer a árdua profissão a que se dedica com assumida paixão, Manuel Reis, da Póvoa, é o primeiro calceteiro do País a receber o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências Profissionais na área de Calceteiro, pelo Centro Qualifica da Câmara de Lisboa, em interligação com a Escola de Calceteiros, única do género em Portugal.
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A certificação, conquistada no mês passado, permite-lhe dar formação na área, mas também lhe dá uma nova voz na luta que empreende pela continuidade desta forma de arte tão portuguesa. Esteve envolvido na candidatura, apresentada em março último, “arte e saber-fazer da calçada portuguesa” ao Inventário do Património Cultural Imaterial da Humanidade da Unesco. “Foi através do engenheiro António Proa”, secretário geral da Associação da Calçada à Portuguesa, conta Manuel Reis.
É um acérrimo defensor da arte portuguesa, até porque “temos a melhor matéria prima”. Contudo, Manuel Reis teme pelo futuro da profissão. E os números dão-lhe razão. “Em 1927 existiam na cidade de Lisboa 400 calceteiros, enquanto em 2020 esse número era de apenas 18, sendo que só estavam 11 no ativo”, como descreveu António Proa na apresentação da candidatura. Manuel Reis quer ajudar a inverter a realidade, mas sabe que é uma luta difícil, sobretudo pela baixa remuneração de um calceteiro. Ele não se queixa porque trabalha para uma empresa privada e não ganha o ordenado mínimo, como lhe propuseram receber como funcionário da Câmara de Lisboa. “É uma profissão muito mal paga e isso afasta os jovens que estão a aprender”, constata o calceteiro.
Ele, que é originário do concelho de Armamar, tinha apenas 18 anos quando foi “recrutado”, juntamente com o irmão e um colega, para trabalhar na Cruz da Légua “para um patrão que precisava de calceteiros”. Depois disso levou a calçada portuguesa a destinos como Suíça, Inglaterra, Escócia e Espanha. Ainda recebeu convite para trabalhar no Catar, mas escolheu regressar, pela família, à Póvoa, onde já se tinha estabelecido.
Manuel Reis não é imune ao desgaste físico das quase quatro décadas de trabalho na calçada. “É uma profissão de desgaste rápido. Quando chegamos aos 50 anos, todos temos problemas, seja na coluna, nas pernas ou nos pulsos”, enumera o calceteiro.
A par de melhores ordenados, o profissional da calçada está empenhado em ajudar na luta pela inclusão da formação de calceteiro nos cursos profissionais, “mas tem de haver motivação”, defende Manuel Reis, que nota que “nenhum dos aprendizes quer dar continuidade” à profissão. “É um trabalho muito duro, ao sol e à chuva, e os patrões pagam miseravelmente. Tem de se ter muito gosto e muita paciência”, assume o calceteiro.
É um verdadeiro apaixonado por tudo o que envolve a calçada portuguesa. Prova disso são os muitos milhares de fotografias de diferentes calçadas que coleciona ou os pequeninos martelos 100% em pedra que criou e que faz por encomenda.
É um criativo. São dele um sem número de obras em vários destinos, mas é com especial carinho que mostra a do adro da Igreja da Póvoa, que fez com os colegas de profissão Nelson Pires, Paulo Pires e João Botelho. A obra, idealizada por Manuel Reis, está implementada em 290 metros quadrados, foi concluída em junho de 2019 e oferecida à igreja. Num dos cantinhos, lá estão as assinaturas dos quatro experientes calceteiros, artistas cada vez mais raros numa arte que requer medidas para não se extinguir.