Na pequena sala de apoio da EB1 de Pataias, um menino do 2.º ano trabalha descontraído e concentrado ao lado de Sacha: uma labradora de olhar doce e movimentos serenos. O ambiente muda. O aluno, geralmente irrequieto, acompanha-lhe o compasso, respira fundo e fala mais baixo. Momentos antes, a professora lembrara-lhe: “Hoje vem a tua amiga Sacha”. Ele sorriu. Já esperava, desde muito cedo, por aquele encontro.
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É este o poder silencioso de Sacha, a cadela terapeuta do projeto Smiledog, que se estreou este ano letivo no concelho de Alcobaça, através das escolas básicas de Pataias e da Martingança. Nascido em Santarém em 2020, o programa utiliza cães treinados para intervir junto de crianças com perturbações do espectro do autismo e dificuldades comportamentais. Depois de Porto de Mós, o concelho de Alcobaça tornou-se o segundo da região a receber esta iniciativa, que tem vindo a crescer e a transformar o ambiente escolar onde chega.
“São cães certificados, formados para trabalhar com crianças”, explica Nuno Santos, responsável pela SmileDog. “A presença do animal cria um ambiente de calma, de foco, de regulação emocional. Em muitos casos, o cão é o elo que permite à criança abrir-se ao mundo”, garante. O projeto começou como piloto, com apenas cinco crianças em Santarém, mas hoje chega a 26 escolas e a mais de 80 alunos por semana, espalhados por vários concelhos, incluindo Porto de Mós, Azambuja e, desde este ano, Alcobaça.
Em Pataias e Martingança, as sessões são conduzidas por uma técnica da Nazaré, o que facilitou a logística e tornou possível uma presença regular nas escolas. “No ano passado, a técnica vinha de Santarém, o que era muito difícil. Agora conseguimos garantir um acompanhamento mais próximo”, nota Nuno Santos.
O projeto chegou ao concelho por iniciativa do Agrupamento de Escolas de Cister e com o apoio da Câmara. “Assistimos a uma demonstração e percebemos logo que era algo diferenciador”, recorda Paulo Araújo, chefe da Divisão de Educação e Juventude do Município de Alcobaça. “Era uma resposta que faltava para um grupo de alunos que muitas vezes não têm os apoios necessários. O município, através do presidente Hermínio Rodrigues, foi sensível à causa e decidiu investir”, explicou. A autarquia assegura o financiamento integral do projeto, incluindo a adaptação das salas para as sessões com os alunos.
A professora Elsa Henriques, da Direção do Agrupamento, garante que o impacto foi imediato. “Com três alunos autistas, a evolução foi enorme. E o caso mais marcante foi o de uma criança com perturbação comportamental que se regulou completamente com a ajuda da cadela. Voltava das sessões muito mais calma. Foi quase mágico”. Para a docente, o projeto trouxe esperança e aprendizagens que agora se tentam replicar em sala de aula. “Aprendemos estratégias que aplicamos mesmo sem o cão. Mostrou-nos que há outros caminhos para chegar aos alunos”, reflete a docente.
Na EB1 de Pataias, a coordenadora, Patrícia Simões, recorda o entusiasmo do primeiro dia em que Sacha visitou a escola. “Apanhou o intervalo e a escola inteira quis conhecê-la. Explicámos aos alunos o que ela vinha fazer e isso ajudou muito. Agora todos a reconhecem e respeitam o seu espaço”, recorda. Logo ali, recebida por mais de 100 entusiásticas crianças, todos perceberam a enorme paciência da doce patuda, que nunca perde a postura.
As sessões são dirigidas a duas crianças com autismo e a um aluno com dificuldades comportamentais, mas há já uma lista de espera. “Temos mais alunos que beneficiariam do projeto, mas as vagas são limitadas. E infelizmente, de ano para ano, os casos aumentam”, constata Patrícia Simões.
Para a professora Alexandra Gatoeiro, que acompanha um dos alunos em Pataias, “a presença da cadela é transformadora”. “Estes meninos precisam de estímulos sensoriais – o toque, o cheiro, o calor. Quando voltam da sessão, vêm outros. Ainda é cedo para resultados consistentes, mas já se nota a diferença. A Sacha é um gatilho de calma”, analisa a professora do 2.º ano.
A Smiledog depende inteiramente da colaboração dos municípios. “Sem o apoio das câmaras, seria impossível. As escolas não têm meios financeiros para sustentar o projeto”, explica Nuno Santos. Em Alcobaça, o trabalho em rede tem sido fundamental. O Agrupamento de Escolas de Cister prepara agora a criação de uma sala Snoezelen, um espaço sensorial para crianças com necessidades especiais, com apoio municipal. “Temos cada vez mais alunos com casos graves. Estes projetos são uma lufada de ar fresco”, sublinha Elsa Henriques.
Paulo Araújo confirma que o município quer manter e, se possível, alargar o programa. “Estamos atentos ao aumento de diagnósticos e queremos garantir respostas diversificadas. A escola pública tem de estar preparada para todos”, defende o chefe de divisão.
A cadela Sacha não fala, mas comunica. No silêncio da sala, o seu olhar sereno e o seu pelo macio criam um espaço de confiança e escuta que dificilmente se ensina. “Este projeto não é só sobre terapia”, resume Nuno Santos. “É sobre dignidade. Sobre permitir que cada criança tenha o seu tempo, o seu espaço e o seu ritmo”. E é isso que a Sacha traz: um bocadinho de paz.


