Maria do Carmo Martins assumiu, no início deste ano, a presidência da Direção da Cooperativa Agrícola de Alcobaça. Em entrevista, a engenheira agrónoma aborda os projetos que tem para a instituição e os desafios que a escassez de água coloca no setor.
Não costuma por as mãos na terra, mas a agricultura sempre fez parte da sua vida. Em criança acompanhava as campanhas da apanha da batata, da azeitona e da vindima dos avós na Beira Baixa. Natural de Lisboa, reside em Leiria mas é na cidade do amor que trabalha, há mais de uma década, de perto com o setor agrícola. Formada em engenharia agrónoma, é secretária-geral e técnica de fruticultura do Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional (COTHN) e recentemente presidente da Cooperativa Agrícola de Alcobaça. Chegou a ser instrutora de aeróbica, mas agora no pouco tempo que lhe resta, a engenheira agrónoma, de 44 anos, dedica-se a ser mãe a tempo inteiro dos dois filhos.
Maria do Carmo Martins assumiu, no início deste ano, a presidência da Direção da Cooperativa Agrícola de Alcobaça. Em entrevista, a engenheira agrónoma aborda os projetos que tem para a instituição e os desafios que a escassez de água coloca no setor.
REGIÃO DE CISTER (RC) > Como foram os primeiros meses à frente da Cooperativa Agrícola de Alcobaça?
MARIA DO CARMO MARTINS (MCM) > Foi pouco tempo, ainda não tivemos oportunidade de realmente passar por todos os departamentos com o tempo que é necessário. Durante estes primeiros tempos estivemos muito envolvidos com a restruturação do departamento técnico, por considerarmos que é a cara da Cooperativa junto dos associados. Portanto, sabendo que no ano passado houve questões que não correram tão bem, quisemos começar a estreitar a relação com os associados e ter uma presença maior e mais duradoura no terreno. Dispendemos algum tempo com este assunto, mas vai valer a pena, porque nos vai permitir estar mais perto do agricultor durante a campanha e prestar um serviço de maior qualidade aos associados.
RC > Que tipo de acompanhamento é que os técnicos da Cooperativa fazem junto dos agricultores?
MCM > Basicamente, o que queremos é que os técnicos tenham mais tempo para acompanhar as questões da floração e dos vingamentos das culturas, da monitorização das pragas e doenças e aconselhamento para a eliminação dessas pragas. Isto para que possamos garantir que o agricultor tenha produto de qualidade no final da campanha com um custo mais eficiente. Há outra vertente do serviço de gestão de água de rega e humidade dos solos, que é um assunto cada vez mais premente.
Manuel Castelhano teve um papel muito importante nesta casa. Há 10 anos seria impensável que a Cooperativa fosse o que é hoje
RC > Como é suceder a Manuel Castelhano, que liderou os destinos da Cooperativa durante quase uma década e deixou uma marca tão vincada na instituição?
MCM > É, de facto, uma grande responsabilidade. Porque, realmente, Manuel Castelhano teve um papel muito importante nesta casa. Há 10 anos seria quase impensável que a Cooperativa fosse o que é hoje. E o anterior presidente teve uma capacidade de arriscar e apostar nas áreas estratégicas e conseguiu criar uma sustentabilidade económica que era fundamental. Conseguiu gerar fundos suficientes para pagar as dívidas que a Cooperativa já trazia ainda do quadro anterior e, hoje, a instituição tem uma saúde e estabilidade financeira boa, que nos permite olhar para o futuro com segurança e boas perspetivas. E não se preocupou apenas com a questão financeira mas também com a recuperação do estatuto e do capital social da instituição. Trouxe de novo os associados para a Cooperativa e transformou-a novamente numa referência. Nós trazemos este legado, que de alguma forma nos dá alguma segurança neste mandato, mas também nos enche de responsabilidade.
RC > Que projetos é que a Direção tem planeados para este mandato?
MCM > Queremos continuar a aumentar as valências e, basicamente, aquilo que queremos fazer é olhar para os serviços que prestamos atualmente e perceber onde é que podemos reforçá-los e em quais é que podemos ir mais além, de modo a que estes consigam encontrar na Cooperativa as respostas para as suas necessidades. Na parte técnica, posso destacar dois ou três projetos que temos em mãos. O primeiro projeto passa pela criação de um campo experimental, que tem que ver com a inovação, e pensamos que faz todo o sentido ter um espaço onde se possam experimentar variedades e práticas novas. Além disso, queremos fazer um centro de experimentação de máquinas agrícolas, que é uma ideia que já vem do mandato anterior, que tem como objetivo responder à necessidade que os agricultores têm de ser aconselhados aquando da aquisição e utilização de uma qualquer máquina agrícola. Estes são dois dos projetos mais importantes no reforço da capacidade técnica da Cooperativa, mas estamos também a apostar na formação, não só dos nossos funcionários para prestarem melhores serviços aos associados, mas também o aumento do nosso centro de formação.
RC > Os produtores da região têm capacidade para competir nos mercados externos?
MCM > Estamos numa das zonas mais ativas e que mais organizações tem com muita capacidade para exportar. Historicamente, a pêra sempre foi muito exportada, mas temos assistido a um aumento bastante significativo da exportação de maçã. E isto porque temos condições únicas de produção, por causa do clima que dá condições de cor, aroma e sabor específicos, o que torna o nosso produto apetecível. E a nossa qualidade é reconhecida fora de portas. Enquanto houver fruta nacional, como por exemplo os mirtilos ou amoras, os espanhóis não vendem. Além disso, os nossos produtores estão cada vez mais profissionalizados e organizados, o que lhes permite ganhar escala de mercado para competir fora de portas.
O projeto Tejo é muito interessante e é para ser feito a longo prazo, não estamos a falar de algo para dar resposta amanhã, à semelhança do que aconteceu com a construção da Barragem de Alqueva
RC > A sua atividade profissional está muito ligada à inovação. Que papel é que a inovação pode ter no desenvolvimento do setor?
MCM > A inovação é muito importante porque não só nos permite encontrar soluções para alguns dos nossos maiores problemas como nos permite tornar a atividade mais eficiente, quer seja do nível financeiro quer da sustentabilidade ambiental. Por exemplo, é possível inovar nos sistemas de rega e monitorização de água no solo para que o uso de água seja o mais eficiente possível. Temos também de pensar nas captações de água e novas técnicas para utilizar menos água. E penso que teremos mesmo de começar a pensar em processos de dessalinização se quisermos ter água no futuro. Um país com tanta costa e acesso ao oceano terá de começar a trabalhar em técnicas de dessalinização para utilizar a água salgada na agricultura.
RC > A região Oeste viu, recentemente, ser apresentado um projeto que ambiciona acabar, a longo prazo, com o problema da escassez de água. Qual é o posicionamento da Cooperativa Agrícola de Alcobaça em relação ao Projeto Tejo?
MCM > Já tivemos oportunidade de discutir o projeto internamento e consideramos que se trata de uma ideia fundamental para o setor agrícola. O projeto Tejo é muito interessante e é para ser feito a longo prazo, não estamos a falar de algo para dar resposta amanhã, mas no futuro, à semelhança do que aconteceu com a construção da Barragem de Alqueva. Acima de tudo consideramos que é um projeto fundamental e que não foi propriamente pensado para a agricultura o que, curiosamente, é algo muito bom. Ou seja, o projeto foi pensado para resolução de problemas no âmbito ambiental relacionados com a cunha salina do Rio Tejo e para o tornar navegável, desenvolvendo o turismo. E isto significa que o projeto vai buscar o financiamento a estes dois setores, já que o Ministério da Agricultura não teria muitas verbas para fazer a obra. Mas já que as infraestruturas vão ser construídas podem, e muito bem, ser utilizadas para aumentar a área regada. Este projeto baseia-se em pequenas intervenções, estruturas de retenção de água ao longo das linhas de água, que é uma solução muito interessante. O projeto faz todo o sentido e a Cooperativa Agrícola de Alcobaça é muito a favor da ideia e fará tudo ao que estiver ao nosso alcance para que se concretize.
RC > Falou no projeto de requalificação do perímetro de rega, que está prestes a ir para o terreno. De que forma é que os agricultores da região podem beneficiar desta empreitada?
MCM > A requalificação do perímetro de rega dos campos da Cela é também fundamental e algo que a Cooperativa e toda a região reclamava há tanto tempo. Julgo que vai ter um impacto muito positivo porque estamos a falar da possibilidade de ter água sob pressão, o que minimiza os custos de produção. Os produtores podem pensar que não, mas basta fazer as contas ao que gastam atualmente para bombear a água e vão perceber o benefício, também financeiro, de ter a água sob pressão em cada uma das parcelas. E quero referir que a Cooperativa tem a pretensão de ver na Maiorga aquilo que aconteceu na Cela e que se constitua uma associação de produtores, beneficiários ou regantes. Deveria haver um conjunto de pessoas motivadas para criar esta instituição e a cooperativa quer dinamizar e mobilizar os produtores daquela freguesia, o que seria fundamental. A fruticultura da região merece este projeto e este investimento.
É totalmente impossível ser-se competitivo no setor hortofrutícola sem água
RC > De que forma a escassez de água pode afetar os produtores do concelho de Alcobaça?
MCM > É totalmente impossível ser-se competitivo no setor hortofrutícola sem água. Temos muito menos água para regar e isso é um fator limitante da competitividade. E não é só a quantidade mas também a qualidade da água. Daí que estes anos de seca nos façam pensar nisso, porque se nos últimos anos a área de produção aumentou, temos de averiguar se os recursos hídricos são suficientes para sustentar o aumento no número de explorações agrícolas. E se não for feito nada, a resposta é muito simples: não vamos ter recursos hídricos com capacidade de sustentar todas as explorações agrícolas e já há zonas, nas partes mais altas do concelho, com alguns problemas de água. E daqui a uma década, muitas das áreas que entretanto se tornaram de exploração agrícola terão de ser abandonadas se não se pensar na sustentabilidade dos recursos hídricos. E isto torna urgente pensar nos recursos que temos e como podemos mantê-los. No futuro, os agricultores da região Oeste vão bater-se com problemas de falta de água e, por isso, é necessário começar a pensar já na sustentabilidade de toda esta área produtiva
RC > Qual a importância do associativismo no setor agrícola?
MCM > O associativismo é fundamental e quem me conhece de outros projetos sabe que apoio o associativismo, que considero ser uma chave para muita coisa, nomeadamente, para organizar a produção e vender em mercados internacionais e abastecer grandes cadeias. Há produtos portugueses muito bons que, como os produtores não se organizam, não têm capacidade de chegar às grandes superfícies, que ficam obrigadas a vender produtos estrangeiros, quando os nossos até podem ser melhores. Isto mostra a necessidade de nos organizarmos para ganhar escala e, assim, ficarmos todos a ganhar. Mas o português tem uma coisa no ADN que diz que os nossos produtos são os melhores do mundo e os do vizinho não têm valor. Este individualismo faz com que não se consiga, passe a expressão, sair da cepa torta. A economia de escola é fundamental e, para isso, o associativismo é essencial.