Quarta-feira, Abril 24, 2024
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Teresa Coelho: “O setor das pescas é um setor habituado a vencer dificuldades”

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Com uma vasta experiência ligada ao setor, a secretária de Estado das Pescas traça um cenário positivo da evolução da atividade em Portugal. Em entrevista, a nazarena Teresa Coelho elenca os desafios que faltam resolver para valorizar o setor.

Sempre que regressa à “sua” Nazaré, o sotaque sai-lhe naturalmente. É na vila que tem as tias, as amigas de uma vida e as memórias mais marcantes dos 50 anos que já viveu. Casada e com dois filhos, licenciou-se em Direito, mas é à pesca que se tem dedicado profissionalmente. Depois de um vasto currículo em gabinetes do Governo, assumiu a presidência do Conselho de Administração da Docapesca em 2016, função que abandonou em setembro do ano passado ao aceitar o convite do primeiro-ministro para ser secretária de Estado das Pescas. A nível local, chegou a ser cabeça de lista à Assembleia Municipal em 2005, mas confessa estar agora afastada da política local

Com uma vasta experiência ligada ao setor, a secretária de Estado das Pescas traça um cenário positivo da evolução da atividade em Portugal. Em entrevista, a nazarena Teresa Coelho elenca os desafios que faltam resolver para valorizar o setor.

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REGIÃO DE CISTER (RC) > É possível fazer um balanço seis meses depois de ter tomado posse no Governo?
TERESA COELHO (TC) > No fundo, tem sido uma continuação do trabalho que vinha a fazer na Docapesca. A Docapesca é muito absorvente e envolve um trabalho de muito terreno. O gabinete é absorvente também, mas é um trabalho diferente. Do ponto de vista pessoal, a minha vida não mudou muito. Do ponto de vista profissional, é um trabalho completamente diferente. É mais um trabalho de conceção, harmonização e consensualização. Acabei por apanhar um período difícil. Entrei em setembro, começámos a presidência da União Europeia em janeiro, tínhamos os dossiês das quotas em dezembro… Mas tem sido uma experiência muito interessante, principalmente através dos relacionamentos com outros estados-membros, como tem sido com Espanha. Ainda que o contacto com as comunidades piscatórias seja sempre o mais enriquecedor. Pensar no que podemos fazer para melhorar as condições de vida dos pescadores é o que vale a pena. Não é o que fica do nosso nome, é o que fica do nosso trabalho. Nós passamos e alguém dará continuidade ao trabalho. 

RC > Foi uma surpresa o convite?
TC > Fui chefe do gabinete do secretário de Estado das Pescas, fui adjunta do secretário de Estado das Pescas, fui chefe de gabinete de outros secretários de Estado, tenho alguma experiência de gabinetes… Quando recebi o convite, não foi completamente surpreendente, mas claro que me questionei se seria a pessoa adequada para o lugar. Questionei-me várias vezes. Quando tomamos decisões que têm impacto na vida das pessoas temos de pensar várias vezes. Se me perguntar se sonhei ser secretária de Estado, não sonhei. Sempre sonhei ter o maior conhecimento das coisas. Sonhar ser coisas não. Aceitei o convite porque quando nos aparece um desafio devemos aceitá-lo, a não ser que não tenha nada a ver connosco. Não foi a concretização de um sonho, foi um percurso natural de uma carreira ligado a este setor.

RC > Quais têm sido as prioridades?
TC > Trabalho por objetivos e o objetivo que tenho vindo a trabalhar mais é a questão da sardinha, fundamental para uma frota que tem dado tanto de si nos últimos anos, que tem deixado de trabalhar e de ter rendimento durante tanto tempo, uma indústria que é penalizada pelo facto de o recurso estar em más condições. Desde 2015 que os governos de Portugal e Espanha têm feito uma gestão do recurso absolutamente irrepreensível. Por isso, chegámos ao ponto de poder olhar agora para o recurso e perceber que há condições para apresentar um novo plano plurianual à Comissão Europeia e pedir um novo aconselhamento científico ao ICES. Além da frota, precisamos de ter as tripulações da sardinha a trabalhar. Cada vez temos mais dificuldade em ter tripulações para as embarcações. Precisamos de ter esta frota a trabalhar mais tempo durante o ano. Os três pilares da Política Comum de Pescas – social, económico e ambiente – têm de ter um equilíbrio. Temos de ter aconselhamentos científicos e ser cada vez melhores em investigação e é isso que Portugal tem vindo a fazer. Temos um instituto científico que é o IPMA, que tem vindo a fazer um trabalho excelente. E só graças a esse trabalho é que conseguimos dar este passo gigante. A relação que se tem vindo a criar com Espanha é crucial: estamos a reunir de três em três semanas e a trabalhar espécie a espécie. Não é por acaso que estamos à beira de assinar o acordo de pescas Portugal-Espanha que está para assinar desde 2014. 

RC > Como se faz esse equilíbrio entre os três pilares da política comum de pescas? 
TC > Em Portugal devemos ter o pescado de melhor qualidade. Temos 7.720 embarcações registadas, entre as quais 6.569 no continente. Dessas 6.569, 90% são da pequena pesca. Ou seja, são embarcações que fazem uma pesca em pesqueiros muito próximos. O pescado tem um elevado grau de frescura e com elevada qualidade. Nota-se também um crescimento no valor. De 1 a 17 de março, comparado com o ano anterior, temos mais 400 mil euros vendidos. Mas mais importante que isso é o preço médio: na lota da Nazaré temos este ano o melhor preço médio de há quatro anos. O facto de as lotas terem melhores condições garantem um melhor rendimento para a produção. Sobre a questão da sustentabilidade, estamos sujeitos a TAC e quotas. Internamente temos vindo a gerir bem as quotas. Temos vindo a promover espécies abundantes sustentáveis, de alto valor nutricional e que são acessíveis à maior parte da população. Também aqui se nota a diferença: no carapau e na cavala houve um aumento nos últimos anos de cerca de 30% do valor das espécies. O caminho tem de ser por aí: valorizar o pescado, diversificar mais e fazer campanhas para o consumo de pescado mais abundante e sustentável. E tentar incutir nas gerações Y e Z hábitos de consumo de pescado. Os diferentes organismos do Ministério têm vindo a trabalhar de forma integrada para que os mais jovens se comecem a interessar pelas questões do oceano, da sustentabilidade e hábitos de consumo saudáveis.

RC > Que efeitos teve a pandemia no setor?
TC > No ano passado, foi mais difícil com quebras de 40% no início do confinamento, mas depois o setor adaptou-se. Este ano, em pleno confinamento, estamos com um resultado melhor do que no ano passado. Temos mais 1 milhão de euros vendidos em lota do que tínhamos no ano passado. Na indústria claro que houve impactos. Houve problemas nas exportações e empresas com quebras nas vendas. Mas o setor da pesca respondeu como sempre de uma forma resiliente. É um setor habituado a vencer dificuldades. Nunca tivemos quebra do abastecimento alimentar. 

RC > Como se resolve o problema da não renovação dos pescadores?
TC > Esse é um problema sério. Temos de tentar arranjar incentivos para os jovens se interessarem pelo setor. Não é em todas as frotas. Se observar uma embarcação de cerco, nas mais modernas, percebe que isso não é uma realidade. Contrariamente ao que as pessoas pensam, a pesca de embarcações de maior comprimento já obriga a ter muitos conhecimentos tecnológicos. Não é qualquer mestre que sabe preencher um diário de pesca eletrónico. E as embarcações com mais de 15 metros de comprimento estão obrigadas a esse preenchimento. Claro que temos de fazer uma revolução digital, climática e tornar o setor mais resiliente, mas o setor tem de ter nível de conhecimento para poder responder a todas as obrigatoriedades da Política Comum de Pescas. Temos um pequeno grupo a estudar como é possível criar incentivos para atrair e fixar jovens na pesca. Temos de tentar ser criativos para que os jovens se formam permaneçam no setor. O novo Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, Pescas e Aquicultura tem de ser mais atrativo para os nossos jovens pescadores.

RC > Que investimentos estão previstos para o Porto de Abrigo e lota da Nazaré?
TC > A Docapesca tem um plano já antigo que tem vindo a ser dinamizado. O processo de descentralização prevê que toda a parte da zona ribeirinha fique na gestão da autarquia e a parte do porto, dentro do que tem a ver com a economia do mar fique na Docapesca. E o objetivo é que se dinamize no porto todas as áreas e atividades ligadas à economia do mar, complementares da pesca. Temos tido muitas manifestações de interesse de novos projetos da Nazaré. A água tem muita qualidade e para a aquicultura isso é muito importante. Temos a maternidade de bivalves e o pedido da empresa espanhola para o estabelecimento de produção de linguado, que prevê a criação de 120 postos de trabalho. Mas como as regras do ordenamento do território dentro do porto mudaram terá de ser alterado o PDM para esse projeto avançar. Temos interesse em dinamizar o porto, que durante vários anos foi um lugar quase deserto e de repente podemos transformar o porto num sítio dinamizador da economia local, mas esbarramos noutras questões. O objetivo é criar no Porto de Abrigo um conjunto de infraestruturas que permitam que novas empresas ligadas à economia do mar sejam criadas e sirvam como alavancas da economia da própria vila. A zona da marina de recreio, que pode ser explorada, tem potencial e a zona ribeirinha a Câmara saberá o que fazer com ela. Até 2022, a Docapesca vai investir 500 mil euros na reabilitação do edifício da lota, na criação de um parque fotovoltaico, na captação água salgada e rede água doce, na reabilitação de redes de infraestruturas do porto e na substituição das coberturas que ainda incorporam fibras de amianto. Em 2020 foram investidos cerca de 300 mil euros, na iluminação pública do porto de pesca e primeira fase da requalificação da lota.

RC > As novas economias do mar, como a aquicultura, são uma das soluções para garantir a sustentabilidade dos oceanos?
TC > Temos de investir na aquicultura porque um País que consome a quantidade de pescado que consome tem de recorrer à aquicultura. Há algum estigma, mas se fizermos provas cegas já é difícil diferenciar a qualidade do pescado. Há necessidade de promover o pescado da aquicultura, temos essa consciência. Temos pescado de aquicultura que é vendido em lota a preços muito altos. Ainda que a aquicultura esteja isenta de venda em lota, há locais onde os aquicultores pedem para colocar o pescado à venda e atinge valores elevados. Os compradores sabem que a aquicultura produz pescado de elevada qualidade. Temos muitas empresas a investir, como a Jerónimo Martins e a Acuinova na Figueira da Foz. É um caminho que tem de se fazer. É uma questão de hábitos de consumo.

RC > No processo de descentralização, faz sentido a gestão e divisão de espaços entre a Docapesca e o município?
TC > A Docapesca só deve servir a comunidade piscatória e as empresas que digam diretamente respeito ao mar. Tudo o resto, deve ter a ver com os municípios. A Docapesca é uma empresa que tem como missão realizar a primeira venda de pescado fresco e gerir o porto de pesca e as marinas de recreio. Os municípios não têm capacidade para gerir isso. Mas estar a gerir a talassoterapia também não é a missão da Docapesca, nem faz sentido gerir essas infraestruturas porque depois não consegue gerir bem o que tem efetivamente de gerir. Não faz sentido a Docapesca gerir quiosques no Algarve, não é essa a sua missão. Só deve servir a comunidade piscatória e as empresas que digam diretamente respeito ao mar. Mas o mais importante é certificar a lota no âmbito da ISO 22000, que já estava para ser feito no ano passado, e que permite que o pescado tenha melhores condições, garante o melhor acondicionamento do pescado, melhores condições do pescado em todo o circuito, dá garantias de rastreabilidade e dá melhores condições aos pescadores para valorizar o pescado. 

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