Quarta-feira, Novembro 27, 2024
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Carlos Gil Moreira em entrevista

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Um dos autores do Plano Geral de Urbanização (PGU) de Alcobaça, de 1979, revisita, em entrevista ao Região de Cister, o processo que levou ao afastamento por parte da Câmara do gabinete onde trabalhou e critica alguns aspetos do projeto de requalificação da zona envolvente do Mosteiro, inaugurada em 2005 pelo executivo de Gonçalves Sapinho. 

Um dos autores do Plano Geral de Urbanização (PGU) de Alcobaça, de 1979, revisita, em entrevista ao Região de Cister, o processo que levou ao afastamento por parte da Câmara do gabinete onde trabalhou e critica alguns aspetos do projeto de requalificação da zona envolvente do Mosteiro, inaugurada em 2005 pelo executivo de Gonçalves Sapinho. 

REGIÃO DE CISTER (RC) > “Alcobaça é cada vez mais dos donos do Mosteiro e menos dos alcobacenses”. Escreveu isto há 20 anos, num trabalho para o mestrado em desenho urbano. Esta afirmação ainda se mantém válida?

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CARLOS GIL MOREIRA (CGM) > Creio que sim, sobretudo porque os alcobacenses não fazem sentir a sua voz em nada do que foi feito naquilo que é importante. Temos representantes autárquicos, mas há muita coisa que é feita com base em interesses políticos e de clientelas. E isso é altamente prejudicial para Alcobaça. É uma tendência que, infelizmente, se tem vindo a agravar nos últimos anos, sem que vejamos melhorias da intervenção dos cidadãos de Alcobaça naquilo que interessa verdadeiramente à cidade.

RC > Como analisa o processo de requalificação urbana da envolvente do Mosteiro, inaugurada em 2005 e que tanta polémica ainda continua a gerar? 

CGM > Entendo que, no geral, a concepção e o trabalho estão bem feitos, mas o cuidado de execução nem tanto (vide o lamentável saibro). A obra em causa pretende valorizar a intervenção em termos estéticos, mas esqueceu-se dos interesses do público. O que foi desastroso – e a culpa não foi exclusiva do arquitecto Gonçalo Byrne. A culpa foi da eliminação do parque de estacionamento subterrâneo, que constava do projecto inicial e que foi deixado de lado. Aquilo que seria enriquecedor para a cidade deixou de constar do projecto. Dou um exemplo: as esplanadas estão atractivas, mas é lamentável que tenham feito desaparecer as siglas da calçada, que tinham sido desenhadas pelo escultor José Aurélio. Pura e simplesmente arrancaram aquilo. Este tipo de atitudes é completamente irracional. O parque de estacionamento subterrâneo junto ao Mosteiro teria sido fundamental para o comércio. Quem vem de autocarro é visitante, quem vem de carro traz a sua carteira e pode gastar.

RC > A justificação dada para abdicar do parque de estacionamento foi o custo da obra…

CGM > Não foi verdade. Quem se vangloriou publicamente do sucesso que foi não ter sido feito o parque foi Daniel Adrião, que era assessor no Poder Central, e que alegava que a construção do parque subterrâneo colocava em causa a segurança do Mosteiro. Mas é bom que se saiba que foram feitos todos os estudos necessários para garantir a segurança da intervenção. Entretanto, a não construção do parque foi saudada como um sucesso do PS. Devo dizer que se estivesse no lugar do Gonçalo Byrne não teria assumido a autoria do projecto se ele não tivesse sido executado integralmente.

Fomos “corridos” por termos contestado a construção na Quinta do Telheiro…

RC > Foi um dos técnicos envolvidos no PGU de Alcobaça. O que significou fazer esse trabalho sendo alcobacense? E o que ficou desse documento?

CGM > Trabalhei com o arquitecto Manuel Tainha durante vários anos e quando tomei conhecimento do concurso para a realização do PGU de Alcobaça entendi que deveríamos concorrer. Vencemos o concurso, trabalhámos muito e, digo isto com alguma mágoa, não gostei da maneira como fomos tratados no processo. Mais uma vez tenho de lamentar que a política interfira com os interesses da terra. Começámos o trabalho com Miguel Guerra (PS) à frente da Câmara, prosseguimos com João Raposo de Magalhães (PSD) e acabámos por ser afastados pelo executivo liderado pelo meu amigo Rui Coelho (PSD). Recordo-me que tivemos de fazer um conjunto de entrevistas, inquéritos e recolha de dados, com uma equipa exclusivamente destinada a esse fim, porque a Câmara não tinha quaisquer dados sobre o número de habitantes na vila. E esse trabalho saiu de borla ao município. Lamento nunca ter chamado os bois pelos nomes. Fomos “corridos” por termos contestado a construção na Quinta do Telheiro… Achámos sempre muito coerente a ideia de Gonçalves Sapinho, que fora deputado na Constituinte e era então presidente da Assembleia Municipal, de trazer o ensino superior para Alcobaça e demarcámos a Quinta do Telheiro como reserva, precisamente para esse efeito. Entendíamos que havia zonas alternativas para a construção, como a Quinta da Gafa ou a Quinta da Conceição, que tinham disponibilidade de construção para as gerações seguintes. A Quinta do Telheiro permitia encarar a possibilidade de ali se instalar uma escola superior ligada à agronomia. Não víamos necessidade de ali serem construídas moradias. Houve um conjunto de pessoas que levaram avante os seus intuitos. E os contestários das nossas opções levaram a melhor, satisfazendo os interesses de alguns.

RC > Essa é a principal mágoa que guarda desse processo?

CGM > Isso acabou por ditar a nossa expulsão do processo pelo meu amigo Rui Coelho (PSD), que assumiu a presidência da Câmara após a demissão de João Raposo de Magalhães. Estávamos a ser conduzidos a uma solução que não era do interesse público. Alertámos diversas vezes que poderíamos encontrar uma alternativa que pudesse contentar os interesses privados, mas de nada valeu. É preciso recordar que aqueles terrenos pertenciam aos boers, à família de Darius Klerk, que chegaram refugiados a Alcobaça em 1901. Os terrenos acabaram por ser retalhados em quintinhas e vendidos a pessoas com algum poder económico, para a construção de moradias unifamiliares. Para mim foi uma derrota muito grande, sobretudo por se ter justificado, mais tarde, a nossa saída, com o argumento, por parte do executivo de Rui Coelho, do incumprimento dos prazos de dois planos de pormenor, cuja execução nunca nos foi dada como urgente.

RC > Como comenta o processo de revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) de Alcobaça, de que se ouve falar há tantos anos? Há justificação para uma revisão que se iniciou há 15 anos ainda estar por ser terminada?

CGM > Devo dizer que o PDM é algo que me transcende bastante, porque nunca foi a área de intervenção em que me especializei. Ao longo da minha atividade profissional de arquitecto sempre estive mais direccionado para outro tipo de intervenção no espaço urbano, nomeadamente na elaboração de PGU e planos de pormenor. Confesso que esta realidade do PDM, porque trata de um concelho, ou seja, um território muito extenso, nunca foi a minha realidade. Ainda assim, também considero que a aprovação da nova geração do PDM do concelho tem demorado muito tempo. Mas apetece dizer que neste país isto é normal. Não acontece apenas em Alcobaça, acontece em inúmeros municípios do País. Por outro lado, basta ver a quantidade de estudos que foram feitos desde que fizemos o PGU de Alcobaça e que não serviram para nada para se perceber melhor o alcance das coisas. 

RC > E o que resta do PGU que assinou há quase 40 anos?

CGM > Na elaboração do Plano Geral de Urbanização da vila de Alcobaça o que interessava era apresentar um plano que tivesse normas e que fosse respeitado. O que fizemos foi um manual de consulta, que não era propriamente uma receita. A nossa resposta em termos de plano foi dada em versões: uma realista, perante o que existia; e uma optimista, para o caso de Alcobaça crescer muito. Entre as poucas coisas que sobram do que propusemos está o jardim do Palácio da Justiça e a iluminação daquela zona. Tenho uma pena enorme de se ter extraviado o esquisso original, um saboroso desenho pelo punho do próprio Manuel Tainha, para esse jardim, com o seu anfiteatro e espelho de água, mais tarde implementado pelo membro da equipa do PGU, arquitecto paisagista Júlio Moreira. 

RC > Foi um dos intervenientes da célebre exposição “Alcobaça – as pedras e as gentes”, quando integrava o Grupo de Fotografia da ADEPA. Foi um momento marcante?

CGM > Foi, sem dúvida, porque conseguimos reunir um acervo de largas centenas de imagens fotográficas, tendo como tema a vila e as suas gentes. E foi um trabalho que só foi possível de concretizar devido à colaboração de muitos alcobacenses, que nos cederam fotografias originais. Conseguimos recolher imagens desde os primórdios da fotografia no nosso País, a partir de 1860, e reconstituir aquilo que foi a vila e o Rossio ao longo de mais de um século. Ainda hoje se fala dessa exposição.

Tenho pena que a ADEPA tenha abandonado a sua vocação de raiz. 

RC > Como olha para a Associação de Defesa e Valorização do Património Cultural da Região de Alcobaça (ADEPA) de hoje?

CGM > Nunca deixei de ser sócio da ADEPA, mas deixaram de me cobrar quotas. Sem desprimor, a partir do momento em que aquela entidade, para sobreviver, se tornou num grupo excursionista deixou de ter tanto interesse para mim. Tenho pena que a ADEPA tenha abandonado a sua vocação de raiz. Até ao 25 de Abril as pessoas tinham noção daquilo que era efectivamente importante para Alcobaça, mas depois a realidade de Alcobaça foi dividida em fatias, com a criação de muitos grupos e grupinhos. A ADEPA surgira em muito boa hora, beneficiando do levantar da consciência sobre o património cultural, com Rui Rasquilho a ter um papel preponderante. Apesar de ele já ser, à época, um vulto local, o tempo demonstrou que ele também já era uma pessoa relevante a nível nacional, nomeadamente aquando da Expo’98, num trabalho que permitiu também projectar o fotógrafo Jorge Barros. A ADEPA começou por unir as grandes forças culturais de Alcobaça e hoje, infelizmente, perdeu essa capacidade. Houve diversas clivagens na associação, novamente por causa da política, e outros factores. 

RC > Quer especificar?

CGM > Recordo, em concreto, umas eleições (anos 1980), em que se ficaram a conhecer movimentações para a constituição de uma lista quase exclusiva para elementos do PS. Não gostámos daquilo que estava a acontecer e, juntamente com outros sócios alcobacenses, avançámos com outra lista, mais alargada, que logrou vencer essas eleições. Foi um momento marcante, até por ter propiciado a reconciliação de dois irmãos no dia da tomada de posse. Lamento o estado a que a ADEPA chegou nos últimos anos, pois, em meu entender, não cumpre o papel para que foi criada, que era o de salvaguarda do nosso património cultural e de uma intervenção mais enérgica na defesa dos interesses dos alcobacenses. 

 

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