Sexta-feira, Abril 26, 2024
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“O cérebro é que faz a fotografia”

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É fotojornalista, mas o seu percurso profissional começou no vídeo.

É fotojornalista, mas o seu percurso profissional começou no vídeo. De freelancer passou para a TVI em 1993 e mudou-se, em 2005, para os Açores, onde é jornalista e correspondente da SIC. A paixão pela fotografia chegou mais recentemente, quando descobriu que as máquinas fotográficas também podiam filmar. Desde então, o nazareno soma diversos prémios e reconhecimentos internacionais.   

REGIÃO DE CISTER (RC) > Fotografias expostas na Times Square e no Museu do Louvre, Câmara de Prata no concurso anual de Melhor Fotógrafo Europeu, entre tantas dezenas de prémios, distinções e publicações. O que representam estes reconhecimentos?
RUI CARIA (RC) > É evidente que estes prémios são importantes porque fazem o telefone tocar. Ficamos mais expostos, o que faz com que as pessoas nos procurem mais para trabalhos e é isso que pretendo, porque é esse o meu trabalho. Os prémios servem para fazer “montra” profissional. Todos são importantes, há imensos concursos na Internet, mas no concurso da Federação Europeia de Fotógrafos estou a competir com profissionais muito experientes. Este ano, nesse mesmo concurso, estou no top10 dos nomeados. Tendo em conta que já recebi o segundo prémio no ano passado não estou a fazer conta de ganhar este ano.    

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RC > Hoje em dia basta um telemóvel para se tirar uma fotografia. Como é que se sobressai neste meio?
RC > Sobressai-se também com telemóveis. É  a prova de que o equipamento é o meio de se alcançar o fim, não importando muito qual o equipamento que se usa. Cada um compra o que quer. Por muito que se discuta, o cérebro é que vê a fotografia, é o que faz a fotografia. O equipamento é muito importante, mas não é o mais importante. Sobressair hoje neste meio visual é muito mais difícil, porque se há 50 anos havia 100 grandes nomes da fotografia, hoje há 100 fotógrafos na mesma rua. É tudo muito mais difícil, o que também me dá muito mais gozo. É preciso treinar e amadurecer a fotografia. Fotografar não é bem como andar de bicicleta, essa educação visual – de olhar, ver, procurar e estar atento aos detalhes e às banalidades, que às vezes dão grandes fotografias –, é um exercício difícil e é aí que está o jeito para a fotografia, porque o resto é técnica e essa todos podem aprender. O jeito é que se tem ou não.

RC > Se tivesse de descrever numa fotografia o olhar de Rui Caria qual escolheria?
RC > Tudo o que vejo posso fotografar. A forma como olho para aquilo é que é outra coisa. Não me interessa se é moda, casamentos, retratos… Mas se me perguntarem que trabalhos gosto mais de fazer, gosto de andar com uma câmara e fotografar banalidades, que normalmente são as fotografias com as quais entro em competições e que são tiradas da janela do carro, como foi o caso da fotografia do chapéu de chuva em Angra do Heroísmo que ganhou a Câmara de Prata no ano passado. Por outro lado, há fotografias que também exigem muita dificuldade, como as dos incêndios, com as quais participo no concurso da Federação Europeia de Fotógrafos. No fundo, não há uma regra, nem uma forma, sendo certo que as banalidades me dão o maior gozo: olhar para uma senhora a estender roupa e pensar que aquilo é a coisa mais fantástica do mundo e reparar que mais ninguém quer saber daquilo. Venho da televisão e na televisão precisamos de um conjunto de imagens para montar uma reportagem. Na fotografia também o posso fazer de forma documental, com uma série de fotografias para relatar um evento, uma notícia ou um acontecimento, mas aquilo que gosto e me dá mais gozo é a tentativa de condensar a história numa fotografia. Contar a história toda num quadro é o mais difícil. Nesse aspeto da dificuldade a fotografia é muito mais difícil que o vídeo, no aspeto técnico o vídeo é imensamente mais difícil que a fotografia. 

RC > Como é que se deu a transição do vídeo para a fotografia?
RC > Foi uma transição quase acidental, porque tinha que começar a filmar com câmaras de fotografias, mais pequenas e com muita qualidade. E isso obrigou-me a comprar uma câmara de fotografia. Já gostava de fotografia, já tinha gasto os meus rolos, mas não faço ideia se tinha jeito ou não, ninguém me o disse. Naquela data também era muito caro revelar fotografias, hoje em dia ainda tenho as minhas câmaras de películas e de vez em quando revelo os meus rolos. Mas o equipamento fotográfico permitiu-me desenvolver outras visões.  

RC > Recentemente fez um direto para a SIC através do Skype no telemóvel. O futuro do jornalismo (também) passa por aí?
RC > Penso que os diretos feitos por qualquer meio vão passar a ser o futuro da televisão em poucos anos. Interessa é estar lá e mostrar. Se me incomoda fazer? Gosto mais de estar atrás da câmara do que à frente, porque isso me obriga a fazer a barba. De qualquer forma, reconheço que é esse o caminho e quem não estiver preparado para isso vai ter de escolher outra coisa para fazer. Acredito que vai deixar de haver equipas de jornalismo, vai ser “one man show” – o fulano que faz a fotografia, o vídeo, a redação do texto, manda para o jornal e para a televisão. O texto para mim é sempre mais difícil de realizar, porque não estou tão treinado para isso, tal como o redator não estará tão treinado para a fotografia. Mas tudo se aprende. 

RC > Alguma vez pensou que podia vir a viver do vídeo e da fotografia?
RC > Lembro-me de ficar paralisado a olhar para uma equipa da RTP que veio fazer um trabalho qualquer à Nazaré, com uma câmara e um tripé gigante, e pensar que aquilo era espetacular e que um dia ainda ia trabalhar para a RTP. Curiosamente foi a única televisão para a qual nunca trabalhei, apesar de já ter feito alguns trabalhos com eles. O sonho foi despertado com essa equipa, devia ter uns 14/15 anos. Depois, aos 18 anos, comecei a trabalhar para empresas produtoras de vídeo como freelancer. Comecei a filmar casamentos e em 1993 surge a TVI, onde fui correspondente durante dez anos. Acabei por só comprar uma câmara de vídeo nos Açores, quando passo para a SIC, em 2006.

“O melhor que fiz foi sair da Nazaré para poder estar cá”

RC > Como é que um nazareno vai parar aos Açores?
RC > Fui lá com a minha banda de bares tocar às festas da praia e fiquei fascinado com a ilha e no ano seguinte fui para lá viver. E não me vejo a viver noutro sítio, apesar de gostar muito da Nazaré. Sou contra aquela ideia de que as coisas acidentais resultam em alguma coisa de bom, mas a verdade é que às vezes resultam mesmo. Foi uma decisão difícil, porque aquilo não é estrangeiro, mas tem de se ir de avião.

RC > Doze anos na Praia da Vitória, na Ilha Terceira, faz perder o sotaque nazareno?
RC > Acho piada às pessoas que me perguntam se já falo açoreano. Não existe sotaque açoreano, existe o sotaque de São Miguel, o sotaque da Terceira, do Pico, de S. Jorge e por aí fora. É verdade que já apanhei as expressões todas deles, mas algumas ainda não as sei dizer, ando a treinar. Mas também lhes ensino algumas das nossas e essa fusão é gira. Mas respondendo à pergunta, nunca se perde o sotaque nazareno. Até ao telefone, em cinco minutos, já estou a despejar “nazarénês”.

RC > O que guarda da Nazaré?
RC > Guardo uma relação de carinho. No outro dia fotografei uma das peixeiras mais antigas do peixe seco e fiquei ali a olhar para ela. Já tinha visto a atitude daquelas pessoas durante toda a vida, mas de repente dou por mim a olhar para as pessoas doutra forma. É a distância que faz ver mais, que faz ver melhor. E é assim que vejo a Nazaré, com esse carinho da distância. O melhor que fiz foi sair daqui para poder estar cá. Estando cá não conseguia ver isto. Desde que estou nos Açores, tanto posso estar duas horas como dois dias na Nazaré. Desde que estou fora esta foi a vez que fiquei cá mais tempo, ou seja, duas semanas. Mas venho cá bastantes vezes e quero vir ainda mais.

RC > Já tem um filho e já publicou um livro. Já plantou uma árvore?
RC > Já plantei, daquelas que se plantam em grupo na escola. O livro “50 fotografias 50 amigos“ é um livro partilhado, mas gostava de um dia de escrever um meu, deixar uma referência qualquer. Esse é um livro com fotografias minhas, ilustradas com textos de pessoas, que algumas nem conheço, o que também é giro. Não tenho muita dificuldade em expressar-me pela escrita, tenho é dificuldade em saber se chego às pessoas. Já percebi, por exemplo, através das redes sociais que as ironias não chegam às pessoas, talvez falte a expressão falada. Gosto muito de falar. Na minha opinião não há diferença entre fotografar, escrever ou falar, tudo se resume a comunicar. Eu tento comunicar com vídeo, fotografia e palavras. Manifesto-me se mostrar uma fotografia e não escrever nada sobre ela. Podem-me mandar internar quando tiver de explicar o que está na fotografia. Se tiver de dizer que estou a ver uma nuvem, um barco e um farol, que toda a gente vê mas ainda precisei de descrever, já não estou ali a fazer nada. Contextualizar ou contar uma história paralela à fotografia é outra coisa. Isso dá-me gozo.  

RC > Foi já nos Açores que pegou numa máquina fotográfica a sério. Os Açores inspiraram-no a ser fotojornalista?
RC > Não. Não sou o chamado “fotógrafo de paisagem”, gosto é de sair no meu carro e olhar para as paisagens e às vezes nem preciso de as fotografar. Gosto mais de documentar coisas. Mas tudo é fotografável. Há dias de paisagens, há dias das pessoas, mas tenho mais dias de pessoas e coisas. 

RC > E, pelo caminho, também há muitos dias de viagens… 
RC > Aprendi há poucos anos a viajar. Desde que estou nos Açores viajo mais. Gostei muito do Japão, Nova Iorque, Noruega, Índia… mas não tenho uma viagem que me marcou mais. Acredito que estamos sempre em viagem. Não consigo sair de casa sem ir fotografar. Até para ir fazer reportagens de televisão levo a máquina fotográfica, nem sei para quê, mas já faz parte do meu kit de sobrevivência. Às vezes nem a ligo, mas sinto-me bem. Não consigo pensar em viajar sem fotografar. Não vou de propósito, vou para tudo. Ainda assim, fotografar é sempre um processo de desgaste enorme, que obriga a ver e a reparar muito. Venho confuso para casa. Mas isso infelizmente é sem ou com câmara. Espanta-me reparar em coisas que à partida ninguém repara. Olho para as coisas e penso em composições fotográficas ou uma história à volta daquilo. E depois penso que ninguém quer saber daquilo, mas depois as coisas mais banais são, muitas vezes, as mais interessantes. 

RC > O próximo prémio vai ser o de melhor jogador de Angry Birds?
RC > O meu filho não ia gostar de saber isso (risos). Mas sim, gosto muito de jogar Angry Birds, já vou quase no nível 1.000 e sempre com três estrelas. Na fotografia não sei se chegarei a tanto.

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