Recebo com orgulho e, confesso, com alguma emoção, a notícia de que o Cistermúsica, cuja edição deste ano esteve seriamente comprometida, viu a maioria dos seus concertos esgotada mesmo antes do início do festival. Veio-me imediatamente à memória um dos mais belos pensamentos de George Steiner, o recém-desaparecido autor da Errata e um dos grandes intelectuais da Europa do Séc. XX, sobre a música: disse que era, mais do que qualquer outra forma de arte, e, mais do que a própria literatura, a nossa possibilidade de tocarmos o transcendente. A música, sublinha, dá-nos a esperança de que talvez não sejamos apenas uma mera engrenagem biológica, mas algo maior.
Numa conferência sobre música, proferida em Amsterdão em 2010, Steiner revela que nada o assusta mais nestes tempos modernos do que a substituição da música pelo horror do barulho organizado na educação das crianças e defende que não as devemos privar de conhecer a sua linguagem, sob pena de as estarmos a privar também deste encontro com o mistério.
A Academia de Música de Alcobaça tem apostado na formação de muitas gerações de músicos, e, melhor ainda, na formação de muitas gerações com sensibilidade para a música. O Cistermúsica, seu filho, é um Festival que engrandece a nossa terra, faz jus à nossa história e aos espaços onde se exibe e veio provar que, sobretudo em tempos incertos, é com a música que podemos aproximar-nos do divino e aspirarmos alcançar algo mais do que a simples matéria.
Mesmo sem o verbalizar deste modo, como Steiner, o público do Festival soube pressentir, na elevação de cada Concerto, a possibilidade de tocar o transcendente. Neste fatídico 2020, como nunca, a música estende-nos a redenção. Obrigada Banda de Alcobaça, obrigada Academia de Música, Obrigada Cistermúsica e respectivos dirigentes, docentes e programadores, o vosso trabalho pode não sarar o corpo mas cura a alma.