Quando vim morar para Alcobaça “definitivamente” (há cerca de cinco anos), dizia maravilhas da cidade. Era até chato com isso, como muitas vezes me relembraram. Há sempre esta necessidade parva de pormos o entusiasmo dos outros em sentido. Uma vez em Leiria, alguém me disse: “estás apaixonado, isso passa-te.” Referia-se, obviamente, à cidade, porque as pessoas, essas, amam-se sempre. Passado algum tempo, comecei a ver o lado menos “virtuoso” da cidade da “paixão”. O estacionamento “onde calha”, não parar nas passadeiras, a “menor” oferta cultural, uma certa maledicência de “esplanada”. Com a pandemia reparei numa vontade irresistível de fazer queixinhas uns dos outros; nos abominavelmente medievais artigos do padre da paróquia, nalguma mesquinhez rabuja. Nestes dois anos de degredo, estas coisas pesaram, afirmaram-se como uma espuma suja num mar outrora cristalino.
No entanto, lá saí à rua: fui às vacinas, conforme expliquei, e na segunda vez (benditas autárquicas!) nem deu para aquecer o lugar. Fui ver o João Paulo a cantar no celeiro e descobri que ali vai nascer um opera-café, com a assinatura do Luís Peças, garantia de qualidade. No Cistermúsica, reconciliei-me com a magia do mesmo, apesar de tão maltratado pelo Estado e opinião pública em tempos covid. No wine bar Saudade bebi bom vinho e boa conversa. No Trindade, comi o melhor caril de gambas do universo. Na João de Deus, agradeci às professoras por manterem a escola aberta até ao fim, apesar da travessia deste deserto. Na Ala Sul, descobri a ideia de um pequeno live club, no antigo Paris talvez me sente à mesa do chefe e, religiosamente, recebo sushi de primeira qualidade em casa, enquanto sonho com o Okazu na antiga pensão Mosteiro. Treinei com afinco no New Ground Fitness, nadei nas piscinas do CNAL, fui tratado com carinho na fisioterapia da Physioclem e, para afogar as mágoas, comprei vinho na melhor garrafeira do país.
A minha mulher, cá da terra, disse-me uma vez: “tu aproveitas melhor Alcobaça que eu!”
A Sónia Tavares raramente se engana.