Nasceram com cerca de uma década de diferença, mas partilham as mesmas origens. Discutem os mesmos problemas, necessidades e desafios, mas em “pomares” distintos. Dedicam-se profissionalmente à fruticultura, mas representam pomóideas diferentes. Falamos de Jorge Soares e Filipe Ribeiro, mas quase podíamos falar da Associação dos Produtores de Maçã de Alcobaça (APMA) e da Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha (ANP), a que os dois produtores presidem, respetivamente.
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Pela primeira vez na história, os representantes destas duas associações de produtores são naturais do concelho de Alcobaça. Jorge Soares está umbilicalmente ligado à APMA e Filipe Ribeiro preside à ANP desde o final do passado mês de junho. Os produtores desvalorizam a “feliz coincidência”, como lhe chama o gerente da CARSAG – Casa Agrícola Ribeiros – Sociedade de Agricultura de Grupo, Lda, sediada em São Martinho do Porto. “Não podemos associar o facto de sermos os dois de Alcobaça a uma escolha”, admite Filipe Ribeiro, lembrando que “por Alcobaça ser uma região de fruta, com um legado histórico importante do Joaquim Vieira Natividade e da Estação Vieira Natividade, há diversos técnicos e dirigentes oriundos de Alcobaça espalhados por todo o mundo na área da fruticultura”. Para Jorge Soares, há mais “chatices” do que “vantagens” para quem preside estas associações: “o que conta é a forma como as pessoas estão disponíveis para ajudar, às vezes para ir à luta e tomar medidas impopulares”. Apesar disso, é com “muito bons olhos” que vê Filipe Ribeiro a abraçar este novo desafio, tendo em conta que “no associativismo, que deve ser uma missão e não um oportunismo, existe uma crise de renovação”. “Não é fácil encontrar pessoas disponíveis para isto; temos de gerir os nossos pomares, que, por sua vez, estão integrados numa organização de produtores da qual também fazemos parte da gestão, e se a tudo isso juntarmos a gestão de uma associação destas passamos a ter três níveis de responsabilidade e há muita gente que prefere estar apenas no primeiro patamar”, argumenta o produtor, acionista e administrador da Campotec, organização de produtores hortofrutícolas sediada em Torres Vedras.
A ligação da Pera Rocha do Oeste a Alcobaça pode não ser tão evidente como é em relação à Maçã de Alcobaça, mas a verdade é que Alcobaça chegou a ser o segundo concelho da região Oeste com mais área de produção de pera, apenas superado pelo Cadaval. “A pera está muito na origem do crescimento do negócio das pomóideas na região há cerca de 30 anos, numa data em que a maçã também começou a crescer porque percebeu-se que muitas variedades vingaram pelas condições únicas de produção nesta região”, constata o alfeizerense que preside a ANP. Para Filipe Ribeiro, representar a associação dos produtores da Pera Rocha do Oeste – que possui Denominação de Origem Protegida (DOP), um reconhecimento da qualidade do fruto português dado pela União Europeia – é uma “responsabilidade nacional” por se tratar de uma variedade nacional, o que acarreta “grandes responsabilidades ao nível da produção”. No caso da Maçã de Alcobaça – denominação da maçã qualificada como Indicação Geográfica Protegida (IGP) –, Jorge Soares lembra que “apesar de o nome de Alcobaça ser usado, a APMA é um projeto do Oeste, representando as maçãs organizadas de 11 concelhos desta região, sendo, portanto, um projeto que extravasa Alcobaça”. Além disso, na opinião do engenheiro agrónomo, “não é pelo facto de a APMA ser liderada por alguém de Alcobaça que Alcobaça ganha, mas Alcobaça ganha muito por existir um projeto organizado com o nome da Maçã de Alcobaça”.
Sendo a Pera Rocha do Oeste e a Maçã de Alcobaça “produtos com o mesmo trato, produção e conservação e que utilizam as mesmas infraestruturas”, os dirigentes defendem que estas duas fileiras devem unir esforços e andar de mãos dadas, nomeadamente para responder aos desafios da produção e da comercialização que são cada vez maiores. “É indissociável pensarmos em desenvolver a atividade da fruticultura sem estes produtores e dirigentes estarem próximos, que é o que tem acontecido: quando corre pior em relação à maçã, os produtores têm sempre o refúgio da pera, quando corre pior para a pera há o refúgio da maçã”, constata o presidente da ANP. “A maioria dos produtores de maçã também produzem pera, o que antes curiosamente não acontecia com os produtores de pera. O que quer dizer que sempre que a pera tem um problema, qualquer produtor de maçã tem um problema”, acrescenta o presidente da APMA, para quem “a maior preocupação da fileira da Maçã de Alcobaça… “é a situação da Pera Rocha do Oeste”. E justifica: “havendo dois problemas graves na pera, um que dizima as árvores e outro que dizima o fruto, e um radicalismo de ambientalismo europeu – em que não se pode usar o ‘Benuron’ e o ‘Brufen’ na fruta que está doente – pode haver um aumento drástico dos preços dos alimentos nas prateleiras e no limite trazer fome, porque isso tudo junto vai inibir a produção da pera e posteriormente de maçã”.
Apontando para as pragas exóticas, Filipe Ribeiro admite ser “muito difícil hoje em dia persuadir um produtor a plantar um pomar de peras”. “É um facto que temos grandes entraves ao nível da produção. Por isso é tão importante haver um denominador comum. Se a maçã venceu as diversas crises através da marca coletiva, a pera tem igualmente de valorizar a marca coletiva para valorizar a produção”, considera o gerente da CARSAG.
As duas fileiras partilham ainda das mesmas preocupações em relação às consequências das alterações climáticas, que “chegaram mais depressa do que se anunciava e previa”, conforme lembra Jorge Soares. “Não há uma política de água para o Oeste”, lamenta o dirigente, defendendo que “o Oeste deveria replicar as experiências do Vale do Lis e no Vale do Alcoa, onde não existindo nenhuma barragem, as represas ao longo dos rios permitem reforçar os lençóis superficiais em vez de a água ir para o mar”. Enquanto o projeto Tejo não for concretizado na região Oeste, “é necessário soluções alternativas”, reforça Filipe Ribeiro, lembrando que “a fruticultura não gasta água, o que faz é transformá-la em alimentos”.
Pragas, seca e alterações climáticas causam quebras na produção
Pelo segundo ano consecutivo, a produção de Pera Rocha do Oeste poderá ficar reduzida a mais de metade em relação a um ano normal. As pragas, a seca e as alterações climáticas justificam aquele que poderá vir a ser o pior ano de colheita desta fileira desde que há registo.
“Tudo indica que a produção de pera vai cair para mais de metade de há dois anos e já o ano passado registou-se quase a mesma quebra”, confirma o presidente da Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha (ANP). “O normal é termos 200 a 300 mil toneladas; no ano passado foram colhidas 112 mil toneladas no grupo da ANP e este ano devemos ficar abaixo das 100 mil toneladas”, explica Filipe Ribeiro. “É um drama para as famílias, para os produtores e para as empresas assistir a este cenário dois anos consecutivos”, acrescenta o dirigente, lamentando a “falta de soluções” e a “dificuldade enorme em comunicar com a cúpula do poder”. “Face a este problema dramático já fizemos uma série de comunicações: tivemos resposta do gabinete do Presidente da República a dizer que é responsabilidade do Governo, do Governo a passar o assunto para o Ministério da Agricultura e daí zero respostas”, explica.
Para o presidente da ANP, “há um conjunto de circunstâncias” que explicam as quebras históricas da produção e que trazem “grandes desafios”. “Houve temperaturas muito altas na época da floração e como a pera é muito suscetível às variações de temperatura na floração houve logo influência no número de frutos. Depois há a questão das doenças e da água no crescimento do fruto”, adianta o presidente da ANP.
A manter-se o cenário de seca, alterações climáticas e prejuízos elevados, “há muitos agricultores que podem abandonar a cultura”, admite o dirigente. “Se esta tendência se vier a verificar, poderá haver um grande arranque de pomares e com isso uma grande diminuição da quantidade disponível para produção e das estruturas comerciais da fileira”, acrescenta.
Face à situação, a Pera Rocha poderá chegar também mais cara ao consumidor nacional e internacional. “O valor acrescentado do produto coloca outros problemas comerciais. Se o produto é mais caro o consumidor vai preferir outros e deixamos de ter o consumo habitual”, nota.
Na Maçã de Alcobaça, o cenário não é tão dramático, mas também há quebras de produção previstas para esta colheita que têm preocupado os produtores. “Só pelo facto de a maçã por não ter sofrido com as duas doenças que dizimaram grande parte da produção da Pera Rocha do Oeste nos últimos dois anos, a quebra é menor. Mas o efeito climático é igual nas duas culturas: no ano passado tivemos uma quebra de 20% e este ano prevê-se acrescentar mais 10%, ou seja, há uma quebra de 30% face à campanha da Maçã de Alcobaça de há dois anos”, explica o presidente da Associação de Produtores de Maçã de Alcobaça (APMA). Estima-se, assim, uma colheita de 50 mil toneladas para este ano.
À semelhança da Pera Rocha do Oeste, a fileira da Maçã de Alcobaça tem vindo a ter quebras do potencial produtivo em resultado das alterações climáticas e da seca. “Nunca tivemos quebras desta natureza, pensávamos que o ano passado tinha sido um caso excecional, mas este ano voltamos a ter mais perdas, num período em que os custos de produção da Maçã de Alcobaça aumentaram 40% e só conseguimos impactar no preço cerca de 10%”, alerta Jorge Soares, recordando que “só cerca de metade da maçã que se produz no Oeste é Maçã de Alcobaça”.
A somar a isto, “nos últimos anos os apoios comunitários ao investimento deslocalizaram-se para o leste, e há países, com mão de obra mais barato e climas diferentes, que não produzem a mesma qualidade de sabor, mas produzem a mesma qualidade visual, o que está também a baralhar as contas e a criar algumas crises no mercado”, lamenta ainda o dirigente.
Para Jorge Soares, não será a indústria que poderá vir a atenuar o problema das sucessivas quebras de produção. “Toda a fruta que vai para a indústria paga 50% dos custos de produção ou menos”, garante Jorge Soares, defendendo, por isso, que “a solução não passa pela indústria”. Sobre projetos como a fruta feia, que têm como objetivo evitar o desperdício, o dirigente fala em “falácias”. “Por muito que se fale, o consumidor não aceita a fruta feia, escolhe sempre a fruta mais bonita”, garante o presidente da APMA, para quem a indústria na maçã “poderá ser uma reciclagem de uma pequena parte que se perdia”.