Alcobaça, uma cidade periférica das grandes metrópoles, é a “casa” da Central-periférica, um projeto que se propõe a ser um ponto de encontro entre culturas, artistas e arte de todo o mundo. A guerra na Ucrânia antecipou a abertura do espaço, que já acolheu dois grupos de residências artísticas desde 2022, mas agora é tempo de consolidar projetos e fazer obras de fundo na “casa” para que todos possam usufruir do espaço.
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Mas, vamos por partes. Idealizado por Margarida Saraiva (curadora e presidente da Babel) e Tiago Quadros (arquiteto), a Central-periférica nasceu de um desejo de criar um centro cultural que se afastasse das grandes metrópoles e que promovesse um diálogo intercultural, focada na arte, na arquitetura e no ambiente. Esta casa, localizada entre a confluência dos rios Alcoa e Baça, bem no centro histórico da cidade, representa uma verdadeira ponte entre o local e o global. “O facto de haver olhares diversos e estrangeiros sobre as várias realidades permite falar-se de uma forma nova sobre problemas que são locais mas que se repetem noutros lugares”, explica ao REGIÃO DE CISTER Margarida Saraiva, que tem raízes familiares em Leiria e reside em Macau há várias décadas.
A Babel, associação criada em Macau em 2013, nasceu com a missão de promover a arte contemporânea de Macau, estreitar laços e criar um diálogo entre as diversas culturas. Para isso, foram realizadas exposições, festivais e intercâmbios artísticos que uniram artistas, realizadores, estudantes e cineastas de diferentes partes do mundo.
O objetivo era claro: dar visibilidade aos jovens artistas locais e contribuir para o desenvolvimento da arte contemporânea na região. “Queríamos apoiar os jovens artistas de Macau e, sobretudo, criar um diálogo entre a produção artística contemporânea que tinha lugar em Macau e a outra que tinha lugar em Hong Kong, em Shen-zhen e na China continental”, explica a presidente da Babel.
Além disso, foram criados intercâmbios culturais e, daí, o nome da associação. “Durante cinco ou seis anos, houve um intercâmbio grande entre artistas, realizadores de cinema, argumentistas e estudantes da China, de Portugal e de Macau para facilitar o diálogo e a criação artística intercultural”, acrescenta.
O projeto da Babel chegou a Alcobaça em 2022 com a Central-periférica. “Macau é também um sítio periférico, periférico em relação ao império português, e queríamos continuar a explorar essa dimensão das periferias”, salienta Margarida Saraiva.
A escolha por Alcobaça, uma cidade menos “saturada” de grandes projetos culturais, é justificada com o potencial das periferias e com o que elas podem oferecer ao mundo da arte contemporânea. “As minhas raízes em Portugal também passam por esta zona. Todos os anos vínhamos ao Mosteiro de Alcobaça”, recorda.
A exposição “Temporary Corner” marcou a abertura ao público da Central-periférica em junho de 2022,
antecipando o início da atividade do espaço previsto para 2024 ou 2025, depois de um programa de reabilitação. “Havendo tantos artistas a precisar de acolhimento era quase imoral ter um espaço deste tamanho, com tantas pessoas a precisar de ajuda, e não abrir o espaço”, salientou.
O programa de residências que trouxe os cinco primeiros artistas a Alcobaça resultou de uma parceria entre a Central-periférica, a Babel, a Artistsat Risk e a Fundação Oriente.
Em todas as atividades promovidas, desde exposições, a workshops e residências artísticas, a missão da Central-periférica passa por apoiar a criação, mas também garantir que o trabalho produzido em Alcobaça possa circular e ser apreciado em diferentes contextos culturais e geográficos.
Este ano, prepara-se para dar um novo passo com a recuperação do espaço, que será realizada pelo arquiteto André Camelo, responsável pela recuperação do Palácio da Bolsa, no Porto. As obras pretendem transformar o espaço num centro de exposições, oficinas e residências artísticas, mantendo um ambiente aberto à comunidade, com áreas públicas, como uma cafeteria que vai abrir no jardim. “O rés do chão será sempre uma parte pública e vai incluir uma cafeteria aberta ao público. Neste piso será um espaço de exposição e de trabalho. Na parte de cima são as residências (três no primeiro piso e duas no sótão) dos artistas e depois, numa última fase do projeto, queremos criar um pavilhão no jardim
que vai permitir a abertura de mais quatro residências”, explica.
“Estamos a construir uma casa aberta à cultura, que pretende colocar Alcobaça no mapa das grandes questões da arte contemporânea”, sublinha Margarida Saraiva. E, assim, transformar a periferia num centro de criação, troca e diálogo cultural, reafirmando o papel da arte como ferramenta essencial para a construção de pontes entre diferentes partes do mundo.
Artista oferece escultura de arte em cerâmica à cidade
Uma escultura de arte em cerâmica, com oito metros de cumprimento e que pesa 300 quilos, que evoca as tradições e as características naturais da região de Alcobaça. É esta a proposta artística que a croata Mihaela Vujnovic quer deixar num espaço público na cidade pela qual se apaixonou.
“A Mihaela esteve aqui a trabalhar também connosco, no segundo grupo de residências artísticas [“ART, [HE]ART, [E]ART[H] – Reviving Ceramic Traditions”] que a Central-periférica acolheu. Mas, o trabalho que acabou por desenvolver era demasiado grande e não foi possível completá-lo durante o tempo da residência que esteve cá. E, por isso, voltou a Alcobaça para terminar a peça”, contextualiza Margarida Saraiva.
A peça em cerâmica incorpora as texturas das árvores de Alcobaça e também as cores do mar, da serra, da terra, das rochas e da areia, tornando-se numa peça única e que é uma ode à região de Alcobaça. Para isso, contou com a ajuda de diversos especialistas em cerâmica, nomeadamente do Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica (Cencal).
“Começámos a tentar desenvolver um suporte para a obra funcionar e não como uma coisa que se agarra à parede”, acrescenta a curadora da Central-periférica. “Dada a ligação que a peça adquiriu e a dimensão simbólica para o próprio conceito de Alcobaça, pensámos em oferecê-la à cidade”, explica Margarida Saraiva. Pretende-se, em articulação com a Câmara de Alcobaça, que se faça uma escolha entre o Parque Verde, o Multiusos de Alcobaça, a zona envolvente ao Montebelo Mosteiro de Alcobaça ou a nova ciclovia entre Alcobaça e Nazaré.