A calçada apareceu na vida de Adérito Matos por acaso, mas com o tempo e a prática foi-se tornando uma paixão. Para o alqueidoense, de 63 anos, o ofício não é apenas um trabalho, é também uma arte.
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Não foi um futuro planeado, nem um amor à primeira vista. A profissão de calceteiro surgiu por acaso na vida de Adérito Matos, mas acabaria por nunca mais largar as pedras da calçada. Aos 63 anos, o alqueidoense vive entre Portugal e Espanha, locais onde tem, recentemente, desenvolvido trabalhos a desenhar o chão que os outros pisam.
Numa localidade perto de Gibraltar, Adérito Matos recuou mais de 40 anos para contar ao Região de Cister como tudo começou. “Foi mesmo por acaso. Depois de sair da tropa, comecei a trabalhar com máquinas. Entretanto, chateei-me no local onde estava, por causa de uma falcatrua, e fui começar a trabalhar como servente”, conta. Foi nessa fase que fez os primeiros trabalhos em calçada, mas só mais tarde abraçou a profissão de forma permanente. “Trabalhei durante três anos para uma empresa de alumínios, mas também me chateei e acabei por voltar para a calçada.” A partir daí nunca mais largou a pedra, mas a paixão pelo ofício não foi imediata. “À medida que fui começando a trabalhar e à medida que me aperfeiçoei, fui gostando da calçada. Gosto do trabalho, sobretudo quando são coisas bonitas”, confessa.
Ao longo destes anos, muitos foram os metros de calçada aplicados pelo alqueidoense, mas, nos últimos anos, tem privilegiado trabalhos mais artísticos. “Já há algum tempo que deixei de fazer empreitadas que exigem muita mão de obra, tenho-me dedicado mais a vivendas, salas, varandas…”, afirma, partilhando também a filosofia e a forma de estar neste ofício. “Gosto que as pessoas vejam o meu trabalho e perguntem quem o fez, porque isto passa de boca em boca. Vê-se por aí alguns trabalhos que, ao preço que são pagos, podiam estar um pouco melhores do que estão”, frisa.
Com a qualidade como bandeira inegociável, a calçada, para Adérito Matos, não é apenas um trabalho, mas também uma ocupação que já o ajudou a “colocar uma pedra” em cima de fases mais complicadas da vida. “Com o tempo, fui gostando mais do trabalho em calçada do que no início. Era alcoólico e, desde que me dediquei a esta profissão, consegui deixar o álcool. Já levo 25 anos sem tocar em nada”, revela o homem, que mostra ainda muita vontade de continuar a trabalhar “mais uns tempos”.
A valorização do ofício de calceteiro tem sido discutida, numa profissão que “tem tendência para acabar”, uma vez que “os jovens procuram mais os estudos do que antigamente”.
Mas, afinal, o que é preciso para ser um bom calceteiro? “Primeiro é preciso gostar de andar de joelhos”, afirma o alqueidoense, entre risos. “É um trabalho duro, andamos em cima do pó, do molhado, onde passam animais e fazem tudo e mais alguma coisa”, completa. Adérito Matos explica ainda o procedimento de fazer uma calçada. Depois de avaliar o terreno e ver “se é preciso ou não desaterro”, faz-se o acimentado, que depois “leva o respetivo pó”, e de seguida “aplica-se a calçada por cima e bate-se com cimento”. Para finalizar, a calçada é “regada, aguada de cimento e areia por cima e lavada com areia”. Depois de bem limpinha, está pronta para ser pisada e contemplada. Como uma verdadeira obra de arte.