Produzir farinha de qualidade e honrar os antepassados é o propósito de Nélson Rodrigues, moleiro, que também é estucador e que ainda conserva o modo de produção tradicional.
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Todas as semanas o moinho localizado no Ardido, que está na posse da família Rodrigues há largas décadas, produz várias toneladas de farinha, abastecendo alguns clientes que não dispensam um produto artesanal com selo de qualidade. Nélson Rodrigues, de 55 anos, é o rosto que dá, com muita estima e dedicação, seguimento ao ofício do avô, Joaquim Rodrigues, e do pai, Raúl Rodrigues.
“Quando era criança vinha aqui para o moinho com o meu avô, que sempre foi moleiro. Depois, quando o meu pai pegou nisto, comecei a vir nas horas vagas ajudá-lo. Largava as obras e vinha fazer o que fosse preciso, foi assim que comecei a aprender”, começa por contar Nélson Rodrigues, que agora transmite os saberes ao filho Daniel.
Desde o dia 25 de agosto de 2022, que o também estucador começou a ser responsável pelo ofício, depois do estado de saúde do pai ter piorado. No dia do funeral do progenitor, o padre que guiou a cerimónia fez um pedido especial, que Nélson Rodrigues acedeu. “Fiquei muito comovido quando o sacerdote de Turquel me pediu para não desistir da atividade e para continuar a alimentar as pessoas da freguesia. Ganhei muita força com esse pedido e, desde então, tenho-me dedicado mais à moagem”, explica.
E é precisamente na dedicação e na atenção ao detalhe que estão alguns segredos para uma boa moagem de forma artesanal. “Digo sempre ao meu filho que até ao barulho é preciso estar atento, porque um ruído ligeiramente diferente indica que alguma coisa já não está a funcionar como devia e é preciso identificar o que se está a passar e resolver”, aponta o moleiro, enumerando outro detalhe fundamental no processo. “É importante ir apalpando a farinha para perceber se está no ponto certo”. Todos estes pormenores são adquiridos com a experiência e até… com a genética. “Há pessoas que apalpam a farinha e não notam a diferença”, justifica. Além de tudo isso, é preciso também “saber picar as mós” e fazer “os reguinhos certinhos”. “Se tens uma mó mal picada ela deixa-te a farinha mais grossa, porque o cereal é mal moído e não rende tanto”, sustenta o moleiro, natural da Bemposta.
Todo o processo é, como já se percebeu, gerido com o máximo de cuidado em cada etapa e, sobretudo, com muita paciência. “Levo sempre cerca de 36 horas a moer à volta de cinco toneladas de trigo. Posso moer em menos horas, mas a farinha não fica tão apurada, tão perfeita”, clarifica Nélson Rodrigues, acrescentando que, por semana, mói entre cinco a cinco toneladas e meia de cereal.
A própria matéria-prima também tem um papel fundamental na qualidade da farinha e, posteriormente, do pão. Nesse aspeto, o moleiro, que concilia o ofício com a profissão de estucador, não facilita, procurando sempre o melhor. No que toca ao rendimento da matéria-prima, que neste caso pode ser trigo ou milho, 75% é transformado em farinha (para padaria e pastelaria) e o restante em farelos, que são aproveitados para os animais. “É um produto que tem muita fibra, faz com que o pelo dos animais fique lustroso”, afirma.
Apesar do processo industrial ser mais eficaz, aproveitando cerca de 90% do cereal, o processo utilizado por Nélson Rodrigues, que começa na lavagem do próprio cereal, garante um produto 100% puro. O reflexo sente-se no consumo. “O pão é um pouco mais escuro, porque tem mais proteína e mais glúten, mas é muito mais saboroso e rentável para os padeiros. No dia seguinte também não endurece com facilidade”, revela o moleiro, que procura desta forma honrar o legado deixado pelo pai e pelo avô.