É uma mulher ágil, de cabeça arejada e discurso coerente, vive sozinha e vai ao café da terra ver o Benfica jogar. Falta dizer que completou, no passado dia 7 de agosto, 100 anos de vida na Póvoa, onde reside desde que se casou, há quase oito décadas.
Este conteúdo é apenas para assinantes
Nasceu em casa, que era onde se nascia na época, no Casal Botas, na Maiorga. Quando Maria Pires de Sousa veio ao mundo, as estradas eram em terra, não havia carros ou sequer eletricidade e António de Oliveira Salazar não era ainda presidente do Conselho de Ministros. Nunca foi à escola, nem tão pouco sabe ler ou escrever. “Naquele tempo não era obrigatório e ainda por cima a escola ficava a uma hora de caminho a pé”, explica a centenária, enquanto lembra as terras enlameadas de outrora e os tempos difíceis que enfrentou. “Não era fome, mas tínhamos de tirar o bolor da broa”, recorda.
Casou-se com 23 anos e desde sempre se dedicou ao trabalho agrícola. “O meu sogro tinha terras, com milho e feijão”, recorda Maria de Sousa, que vendia nos mercados, enquanto o marido era empregado do Estado. O seu parceiro de vida acabaria por falecer, há 25 anos, no dia 15 de agosto. Na véspera, tinha levado Maria ao mercado de Alcobaça para a habitual venda, quando se queixou que lhe doía a cabeça.
Da união dos dois resultaram cinco filhos. “Era muito trabalho naquela altura, com as terras e os bebés pequenos, dois dos quais com diferença de menos de um ano”, lembra a maiorguense. Também foi difícil quando viu dois dos filhos a combaterem na Guerra Colonial, em Angola. “O meu coração de mãe…”, recorda, com emoção.
A família foi crescendo e aos cinco filhos, juntaram-se oito netos e seis bisnetos e ainda tem esperança de conhecer algum trineto.
“Tenho os meus problemas, mas os filhos e as noras têm-me ajudado muito”, confessa Maria de Sousa, que gosta pouco de estar parada, apesar de reconhecer que já não lhe apetece sair de casa tanto quanto costumava. Mas vai contando que os filhos têm-na levado a viajar, a França ou ao Algarve e a destinos mais próximos.
Qual o segredo para tamanha longevidade? “Muito trabalho. Foram muitos anos nas terras e a roçar mato”, descreve a centenária, que mantém uma alimentação descomplicada. “Gosto muito da comida à moda antiga”, conta Maria de Sousa, que aprecia umas boas misturadas ou uma galinha guisada.
“A minha neta estava a trabalhar em Lisboa e o meu filho começou a convidar-me para ir ver o Benfica. Tanta vez que fui, que comecei a gostar daquilo”, conta a centenária, que, sempre que o Benfica entra em campo, vai ao café sozinha ver o jogo. Quando não é dia de futebol, também vai ao café e, embora já não possa contar com as amigas da sua geração, as senhoras que encontra chamam-na logo para junto delas.
A festa dos seus 100 anos, que também serviu para celebrar os aniversários de dois dos filhos, contou com mais de 70 pessoas. “Ainda dei um pezinho de dança”, relata, entusiasmada, enquanto vai dizendo que continua “até Deus querer”.