Alcobaça não é só terra de cerâmica, maçã ou de música. Há uma pequena editora que tem vindo a conquistar leitores e autores pelo rigor e pela sensibilidade com que trata cada livro. Chama-se Carrack Books, é o selo artístico da Tegner Publishing e dedica-se à arte de editar com tempo, cuidado e alma.
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O projeto tem raízes que cruzam o norte da Europa, na Dinamarca, e o centro de Portugal, em Alcobaça. José Vieira, engenheiro de formação e editor por vocação, com raízes familiares na Cela, fundou a editora com a mulher Charlotte Fabricius, dinamarquesa com formação em Direito, e com o filho Viktor Tegnerm responsável pela visão e orientação da atividade editorial. A história começou em Copenhaga, em 2018, com a publicação de “Sonnets from Copenhagen”, o livro que definiria o espírito da marca: “Poetry is our main sail. Sail with us. Sail on words” [A poesia é a nossa vela principal. Navegue connosco. Navegue nas palavras], como se lê no manifesto que ainda hoje orienta a editora.
Depois de uma temporada cá e outra lá, a família Tegner instalou-se em Alcobaça, onde o projeto ganhou forma e uma estrutura sólida. Viktor Tegner, artista-fotógrafo, dá corpo visual aos livros: é ele quem trata, edita e limpa as imagens que preenchem capas e interiores, criando uma estética única e coerente para cada obra. Helena Tegner, a filha mais nova, licenciada em Linguística, é a última voz editorial, sendo também autora das traduções publicadas pela editora, nomeadamente de dinamarquês para português. “Não sai daqui nenhum livro sem a Helena dizer que sim, pode ser”, explica o pai.
Depois de trocar a engenharia pela poesia, num percurso marcado por um período de recuperação de saúde, transformou a sua paixão num selo editorial sólido. Formalizada no final de 2022 e com atividade plena desde janeiro de 2023, a Carrack Books/Tegner Publishing conta já com 37 títulos publicados em português e 16 em inglês, na linha editorial “Descobrir os Clássicos“, com planos de lançar brevemente uma linha em dinamarquês.
Os livros incluem poesia, ensaio e ficção, muitas vezes em diálogo com a fotografia e outras artes visuais. Cada capa e cada página são pensadas ao detalhe, transformando cada publicação num pequeno ateliê de experimentação gráfica. “O Viktor faz a edição de imagem, limpa os desenhos originais, trata e prepara para impressão. Tudo é feito com atenção, sem pressa”, sublinha.
A filosofia da “casa” assenta na ideia de tempo e detalhe. “Cada livro passa por um processo muito cuidadoso, desde a pré-edição até à revisão final, e prestamos atenção a aspetos que hoje em dia são frequentemente descurados”, explica.
Dessa dedicação nascem as edições limitadas, numeradas e assinadas, algumas delas com capas especiais (como a “Blue Edition”) que transformam o livro num objeto artístico. O catálogo inclui ainda seleções de poesia pensadas para o leitor que ainda não é leitor de poesia, edições críticas e familares, coleções infantis com tipografia clássica e ilustração em preto e branco, e os chamados “grandes livros”, volumes densos, com aparato crítico, notas e mapas que contextualizam a leitura.
A editora procura equilibrar o resgate de clássicos com a descoberta de novos autores. “Muitos autores pensam que são os melhores do mundo e vão vender milhões de livros, mas não se apercebem dos elevados custos envolvidos na produção dum livro bem editado e na dificuldade em rentabilizar o respetivo investimento. Precisamos de uma parceria institucional que garanta um número mínimo de pré-encomendas, para viabilizar alguns trabalhos que merecem ser publicados”, explica. Entre os próximos projetos estão romances filosóficos com base mitológica, edições bilingues e uma edição ilustrada de “O Inferno de Dante”, em que cada canto será acompanhado por uma ilustração original de um artista da região. “Queremos fazer livros que durem, que as pessoas queiram guardar. Que olhem e sintam que aquilo é mais do que papel impresso”, resume.
A ligação à comunidade local é também parte fundamental do projeto. A Carrack Books colabora com escolas, bibliotecas, entidades culturais e empresas, criando edições personalizadas que aproximam o livro do leitor. “Podemos fazer edições com o logótipo da instituição, uma introdução personalizada e colocar os livros diretamente junto do público. É uma forma de tornar a cultura mais acessível e de manter a sustentabilidade do projeto”, nota José Vieira.
Com tiragens entre 100 e 1.000 exemplares, a editora afirma-se como uma casa de autor e de arte, dirigida a leitores exigentes, bibliotecas e colecionadores. A estratégia familiar, apoiada em competências complementares e numa paixão comum pelos livros, transformou a editora numa estrutura pequena mas ambiciosa, com a missão de preservar a tradição literária, explorar novas linguagens artísticas e dar voz a novos autores, oferecendo livros que proporcionam uma experiência de leitura cuidada e duradoura.


