No silêncio fresco do lavadouro do Sítio, onde ainda se ouve o eco da água a correr nos tanques, ergue-se um cenário inesperado: a antiga cidade de Belém, recriada ao detalhe, viva de movimento e histórias. Entre palmeiras, mercados apinhados e caravanas que atravessam o deserto, Joaquim Rosa ajeita uma minúscula figura de terracota e sorri. “Isto para mim é um vício. Todos os dias tenho de fazer alguma coisa”.
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Aos 68 anos, nascido e criado no Sítio, “Quim Rosa”, como é conhecido, assina um dos presépios mais impressionantes da região, que pode ser visto até ao dia 6 de janeiro. São cerca de 50 metros quadrados ocupados por milhares de figuras feitas à mão. A contagem oficial aponta para 5.170 bonecos humanos, 2.800 animais, 600 casas, 194 palmeiras, 270 pequenas árvores e 125 aciprestes, mas o artesão admite que o número real “deve ser maior”. No total, calcula que existam mais de 8 mil peças.
A história deste projeto começou apenas em 2021, com uma exposição de 101 presépios criados a partir de telhas e caixas de vinho. No ano seguinte, apresentou um presépio com 1.500 figurinhas; em 2023 subiu para 3.333; e em 2024, para 4.444 figuras. Tudo feito por si, de forma autodidata. “Sempre fui criativo. As dificuldades da vida fizeram-me assim”, conta. Antigo pasteleiro, deixou a profissão para trabalhar de noite e apoiar a família por causa do filho. Foi nesse período, entre silêncios e responsabilidades, que começaram a surgir as primeiras peças em gesso. Depois passou para a terracota, hoje a sua matéria-prima de eleição.
O presépio que agora apresenta é um retrato vivo de Belém em tempo romano: guardas à porta da cidade, artesãos no trabalho, agricultores nos campos, lavadeiras debruçadas sobre os tanques, vendedores de frutas e talhantes a cortar carne com facas do tamanho de uma unha. Há rebanhos de camelos, pastores e, ao longe, os Reis Magos em marcha. José e Maria caminham também, avançando um pouco mais a cada dia. Quim Rosa move-os regularmente, para que a 24 de dezembro cheguem ao local do nascimento de Jesus. As casas, quase todas em madeira, são também feitas pelo artesão, este ano com a ajuda de um amigo que o apoiou no corte das peças. Até pesquisou o tipo de arado usado na época para o reproduzir em miniatura.
A montagem da exposição leva “15 dias de loucura”, como descreve, e só é possível com o apoio de Vítor, Arlindo, vizinhos, família e da Junta da Nazaré, que cede o espaço, faz os cartazes e ajuda na logística.
Apesar da dimensão do presépio, alguns tanques continuam livres para quem ali ainda lava roupa. O lavadouro é, afinal, o único espaço no Sítio com esta área.
À entrada, “que parece um templo”, há mealheiros. Uma pequena parte das contribuições cobre materiais e o restante é convertido em bens alimentares para a Loja Social da Nazaré. Paralelamente ao presépio, decorre também a exposição “Arte Popular”, que reúne trabalhos de artistas locais anónimos. E no Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, Quim Rosa apresenta ainda a Via Sacra em miniatura.
Com a ânsia de quem sonha sempre mais alto, prepara agora uma candidatura ao Guinness World Records. E garante, com o mesmo sorriso que acompanha toda a visita: “Enquanto me puder mexer, penso que vou sempre fazer isto”.


