“A minha avó colocava tudo dentro do tacho e mexia com as duas mãos, com força, para que não colasse ao fundo”, recorda José Neópolo parte do processo de como eram feitas as misturadas à antiga portuguesa, em casa da sua família. O utente, de 84 anos, é um dos 20 participantes do projeto “Memórias na Cozinha”, que a Associação de Solidariedade Social do Areeiro (ASSA) está a desenvolver desde o passado mês de janeiro.
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A iniciativa surgiu com o intuito de aproveitar a sapiência dos mais velhos para recuperar receitas que ficaram “perdidas” no tempo. “Numa conversa informal com alguns idosos no centro de convívio, procurava cativá-los para a realização da atividade e começaram a surgir pratos de que nunca tinha ouvido falar”, revela Sandra Coelho, a animadora da instituição. Entre várias propostas, a técnica assume que ficou surpreendida com as papas com sardinha assada. “Não conhecia a iguaria, mas a verdade é que fiquei fã”, confessa.
“Memórias na Cozinha” tem como principal objetivo estimular várias componentes físicas, sociais e cognitivas nos utentes seniores, em todas as partes do processo. “Num ambiente de felicidade e interação entre todos os envolvidos, pretendemos que os nossos idosos recuperem algumas memórias alimentares e as partilhem com quem as desconhece”, explica também a alcobacense. “Ao mesmo tempo, existem ações de saber, de saber fazer, de saber ser e de saber estar que serão fomentadas no decorrer da iniciativa”, acrescenta.
O projeto está numa “fase embrionária”. Neste momento, está a ser feito um levantamento de receitas, um processo que será prolongado até março, pois é necessário “pesquisar e desbloquear recordações”. Em abril e maio, está prevista a ilustração das receitas e a gravação de um documentário com as várias etapas da iniciativa. Em junho e julho, os responsáveis da instituição pretendem laborar as fórmulas de pratos recolhidas e editar um livro para registar a iniciativa, caso seja possível obter apoios. O livro será lançado no dia dos avós (26 de julho).
Do projeto fazem também parte as 40 crianças da ASSA que serão protagonistas das ilustrações do livro e trarão também receitas tradicionais das famílias. De acordo com o presidente da associação, o convívio intergeracional é uma das características promovida pela instituição que está patente na iniciativa. Horácio Machado completa ainda que o conceito de “Memórias na Cozinha” representa uma propriedade identitária da ASSA. “Somos conhecidos pela qualidade da nossa cozinha, na qual sempre confecionámos comida tradicional portuguesa para confortar os nossos utentes”, conclui. Durante os próximos meses, os utentes da ASSA vão, assim, aguçar as memórias e o paladar.