Os almoços de família realizam-se, por norma, ao fim de semana, mas no Centro Cénico da Cela a mesa é posta de segunda a sexta-feira. A iniciativa de juntar os idosos e os entes queridos no refeitório do lar da instituição é recente, mas esta dinâmica já é bem familiar para utentes, visitantes, dirigentes e funcionários.
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Numa das mesas do refeitório do lar, na quinta-feira da semana passada, quando o REGIÃO DE CISTER foi também convidado para o almoço, falava-se da vitória do Benfica no dia anterior. “Vamos mudando de assunto, às vezes falamos da caça, outras vezes de política. Hoje é do Benfica, que ganhou ontem”, explicava João Pascoal ao REGIÃO DE CISTER, que todas as quartas-feiras vai ao Centro Cénico da Cela almoçar com o pai (esta semana foi exceção). Na mesma mesa almoçam outros dois utentes. “É benfiquista?”, perguntou o “visitante” ao senhor Arménio, que respondeu um “não” com a cabeça. “Ah, temos um sportinguista na mesa e ainda não me tinha dito”, acrescentou o mais novo da mesa. “E a D. Arlete é de que clube?”, questionou. “De nenhum”, retorquiu, baixinho, a senhora que diz ter “58” anos. “Já percebi, é de todos, é da Seleção”, acrescentou o filho de Manuel Borrego. “É engraçado ver a amizade que o familiar deste utente já está a criar com os outros elementos. Também essas pessoas já esperam por estes familiares. Acaba por ser uma cara diferente do dia a dia. É uma lufada de ar fresco para eles”, resume a assistente social do lar da instituição. Fátima Belo explica que a iniciativa “Almoços em Família” foi criada para “promover os laços familiares” e “abrir a instituição à comunidade”, “quebrando estigmas e preconceitos que possam existir“. “Não é pelo facto de as pessoas estarem institucionalizadas que tem de haver um corte no relacionamento com os familiares e a ideia é promover isso mesmo, para não haver aquele sentimento de abandono”, explica a assistente social, que pretende igualmente quebrar “o estigma do ‘depósito’ no lar”.
“Alguém quer sumo?”, interrompe uma das auxiliares que está a servir o almoço. “Quero vinho”, responde Manuel Borrego, entre risos. O filho também se ri e explica que na “escapadinha”, que faz semanalmente com o pai ao almoço de domingo, ele gosta de beber um copinho de vinho. Manuel Borrego tem 82 anos, é de Idanha-a-Nova, e era “completamente autónomo” até um AVC o levar para o Centro Cénico da Cela há cerca de um mês. Isto para estar mais perto do filho, que trabalha em Alcobaça. “Almoçar às quartas-feiras no Centro Cénico da Cela e levá-lo a sair ao domingo começou a ser um hábito e é bom para ele e para mim“, elenca João Pascoal. “Sei que estes encontros semanais lhe dão ânimo“, acrescenta.
Com uma dinâmica familiar diferente, Paula Soares não diz à mãe quando vai almoçar com ela. “Faço surpresa e ela fica contente quando me vê porque não está à espera”, conta a filha que tomou conta da mãe nos últimos três anos. “Ela ia comigo para todo o lado e, por isso, está a ser difícil aceitar estar no lar”, partilha Paula Soares, que vai visitar a progenitora todos os dias. “Foi essa a promessa que lhe fiz”, desabafa. Há dois meses no lar do Centro Cénico da Cela, Irene Casimiro tem beneficiado da companhia da filha uma vez por semana durante o almoço. “Há pessoas como a D. Irene que têm alguma dificuldade em aceitar as refeições e a filha acaba por ser um elemento facilitador“, analisa a fisioterapeuta Cláudia Laureano. “Os filhos dão o aval da comida aos pais e para eles isso é importante”, completa.
“Hoje não queres conversar comigo? Nem queres saber onde anda o meu marido?”, questionava Paula Soares, enquanto ajudava a mãe a comer a sopa. “O Zezinho [bisneto] vem cá amanhã. Foi lá a casa, viu a tua cadeirinha e perguntou logo pela avó Irene. Depois viu a bengala e começou a fazer como tu fazes, a fingir que era velhinho”, contou a filha, motivando um sorriso da mãe. “A seguir vamos beber um cafezinho…”, prometia a filha, que trazia um queijo fresco na mala. Quando o colocou no prato da mãe, a conversa foi outra. A D. Irene já sorria e comia sozinha. “Há dois dias que me anda a pedir queijo fresco”, confessava a filha. “Com esta iniciativa ficamos de coração cheio e eles sentem que não estão abandonados”, reforça Paula Soares, que até já falou com pessoas amigas sobre a iniciativa para que possa ser replicada noutras instituições.
Os familiares dos 70 utentes do lar do Centro Cénico da Cela podem usufruir da iniciativa gratuitamente. “Só precisam de fazer uma marcação prévia para conseguirmos gerir a logística”, avança o diretor de serviços do Centro Cénico da Cela, explicando que ali são confecionadas cerca de 300 refeições diárias. “Após a pandemia, sentimos a necessidade de controlar mais as entradas, embora não queremos fazer parecer que estamos a esconder alguma coisa”, explica Rodrigo Lorvão, falando da “necessidade de resguardar mais os utentes“. Com esta iniciativa, “a instituição fica de portas abertas num momento bem diferente da visita normal”, nota. “Os familiares comem no refeitório com os outros utentes e não há alteração de ementa quando a marcação é feita”, salienta. Para Rodrigo Lorvão, é também importante “mostrar que a comida tem qualidade e obedece às regras para estas pessoas doentes”. No caso das pessoas acamadas, “as famílias acabam por participar na refeição, ajudando a dar o almoço ou o lanche no quarto”, explica o diretor de serviços.
Os “almoços em família” ainda só decorrem de segunda a sexta-feira e, por isso, ainda não foi possível ter a visita de muitos familiares.
“É complicado para alguns participar devido às incompatibilidades de horários, mas em períodos de férias ou aniversários esperamos que tenham esta experiência pelo menos uma vez”, salienta Rodrigo Lorvão. “A primeira pessoa que veio, aproveitou a folga para vir visitar o pai”, lembrou a assistente social, dando também o exemplo da neta de um utente que almoçou com ele durante um período de férias.
No refeitório, já só restam as mesas que receberam visitas. A D. Irene já está preparada para o café e o senhor Manuel pede uvas, “já que não há vinho”. A fotografia de “família” que o REGIÃO DE CISTER pede, entre idosos, filhos e funcionários do Centro Cénico da Cela, dá por encerrado mais um verdadeiro “almoço em família”.
Instituição realiza sessões de culinária também em família
A sobremesa do almoço que o REGÃO DE CISTER acompanhou, na passada quinta-feira, foi feita pelos utentes do lar do Centro Cénico da Cela. A confeção dos bolinhos de côco foi uma das várias atividades promovidas pela terapeuta ocupacional da instituição, que muitas vezes conta com a ajuda dos familiares nas sessões de culinária. “Algumas receitas são dinamizadas pelos utentes, já eram receitas que faziam em casam e noutras situações, convidamos os familiares a virem cá a fazer essas receitas”, explica Ana Luísa Libânio.