Nascida numa família de agricultores e suinicultores, cresceu rodeada de vacas, porcos, terras de trigo, batatas e favas. Com 59 anos e uma vida dedicada à terra, Dília Bento abraça o ofício diariamente com a mesma dedicação de sempre.
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Quando anda a pastar as cabras, é pastora. Quando está na horta, é agricultora. Quando se dedica à cozinha e às tarefas domésticas, é cozinheira e dona de casa. Todos esses ofícios assentam que nem uma luva a Dília Bento, nascida e criada nas Redondas, numa vida profundamente ligada à terra e aos animais. Ao longo de 59 anos, só teve dois patrões, mas, ainda assim, tem uma vida repleta de trabalho e esforço.
“Quando não estava na escola, andava no campo com o meu pai. Não queria estar ao sábado a passar a roupa a ferro com a minha mãe em casa e preferia ir para a agricultura. Andava com o meu pai a acartar farinha para os porcos – sacos de 50 quilos –, com um trator. Nem conseguia pôr o trator a trabalhar sozinha, mas a minha mãe ajudava-me a puxar a corda”, conta a agricultora, rindo-se ao recordar os tempos de juventude e as dificuldades que enfrentou.
Com 14 anos, começou a ajudar na vindima, a carregar cestos de uvas nas costas e a apanhar azeitona. “A vida no campo era assim, dura, mas aproveitávamos as coisas de forma diferente. Hoje em dia, por exemplo, uma maçã podre é logo descartada, mas na minha juventude isso não acontecia. Tudo era aproveitado”, afirma Dília Bento, a segunda mais velha de cinco irmãos, dois dos quais gémeos. “Houve uma vez que um camião que transportava laranjas virou-se aqui perto e nós fomos buscar as laranjas para as comer e marchou tudo”, recorda a mãe de cinco filhos (entre os quais duas gémeas) e avó de quatro netos.
“O meu pai tinha muitas vacas e nós tínhamos de ir levar o leite para o tanque. Ajudava em tudo, desde semear as terras – para as batatas tínhamos um pauzinho, que o meu pai chamava bitola, para medir a distância entre uma planta e outra e aquilo tinha de bater certo –, até cuidar dos porcos”, acrescenta. Dília chegou também a ser servente das obras: “o meu pai fazia as obras e eu é que fazia a serventia”.
Até se casar, aos 23 anos, ajudou os pais, sem qualquer alternativa. “O meu pai não me deixou trabalhar em mais lado nenhum, senão na fruta. Queria ir para a estação fruteira em Alcobaça, mas ele não deixou. Queria tirar a carta de condução, mas ele também não me deixou. Eram regras que tínhamos de cumprir e tive de trabalhar com ele até me casar”, conta. Só acabaria por se empregar quando as gémeas, numa quarta gravidez, entraram para a escola, aos 6 anos. Foi apanhar framboesas para umas estufas nos Carris, onde trabalhou uns 10 anos, e, mais recentemente, num armazém de fruta em São Martinho do Porto, onde esteve apenas dois anos.
Sem nunca abandonar o ofício de pastora e agricultora, nos terrenos ao lado da sua casa, nas Redondas, dedicou-se também à criação de cabras e à produção de queijo. “Cheguei a guardar 150 cabras. Tratava dos filhos e do gado sozinha”, recorda a turquelense, que agora “só” cuida de 30 cabras, “umas 100 ovelhas” e “umas quantas galinhas e coelhos”. Também não abdica de fazer o próprio pão e as chouriças.
A dedicação ao campo sente-se no corpo. “É uma vida dura, ao sol e à chuva. As mazelas no corpo já se notam. Tenho uma prótese no joelho e já fiz várias operações. Fiz cesariana, não tive cuidado, abriu duas vezes. Fiz a operação à vesícula, não tive cuidado, abriu duas vezes. Andei sempre em esforço”, confessa.
Dos cinco filhos, o filho, único homem, foi o único que seguiu as pisadas da mãe. Tem cabras, que muitas vezes é… Dília quem trata delas.