Com o desaparecimento dos barcos em madeira estão também a desaparecer os calafates. Na Nazaré, José Constantino mantém vivo o ofício, restaurando as embarcações tradicionais que estão expostas no areal.
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A ligação ao mar começou cedo, mas não da forma como sonhava. Aos 14 anos, José Constantino abandonou os estudos para aprender o ofício de calafate com António Luís Júnior. Na verdade, queria ir para o mar, mas o pai não deixou. Acabaria por aprender as “manhas” da madeira, da calafetagem e da construção de embarcações, longe de imaginar que, depois de uma vida de trabalho no mar, regressaria ao ofício de calafate.
“Queria era trabalhar e acabei por aceitar o que o meu pai me propôs”, conta. “Naquela data os barcos eram quase todos de madeira e, por isso, havia muito trabalho”, refere José Constantino, que chegou a fazer uma lancha para ele e para o pai. O calafate, explica, é um “carpinteiro tosca”. “Calafate é o que mete a estopa na junta, para fazer a vedação dos barcos. O calafate calafeta e o carpinteiro naval faz a parte da madeira. Mas na Nazaré não havia essa tradição, fazíamos a madeira e calafetávamos. O calafate da Nazaré fazia tudo”, explica o nazareno, que até ir para a tropa, aos 20 anos, aprendeu a fazer um pouco de tudo.
Quando regressou, “variou” e quis ir para o mar. Embarcou para a Marinha Mercante, onde foi marinheiro de 1.ª durante 34 anos. Percorreu os mares do planeta em embarcações de comércio, granéis, contentores e carga geral. “Na primeira viagem fiquei no mar uns oito meses. A minha filha era bebé e quando regressei já andava”, recorda o “penicheiro” mais nazareno da Nazaré, que esteve embarcado até aos 55 anos.
Aproveitava os “três e quatro meses” que estava de “férias” em terra para ir trabalhar com os… calafates. “Andavam sempre a perguntar à minha mulher quando é que eu vinha para os ir ajudar”, recorda. Ajudou a construir muitas embarcações e a restaurar outras tantas, muitas das quais hoje expostas no areal da Nazaré. O que José Constantino estava longe de imaginar é que, depois de se aposentar da vida do mar, voltaria a “pegar” nessas mesmas embarcações para as voltar a restaurar. “O ex-presidente da Câmara da Nazaré, Walter Chicharro, desafiou-me a fazer o restauro das embarcações que estavam na praia e disse que o fazia quando estivesse reformado, e foi o que aconteceu”. Em agosto de 2019, começou a colaborar com a autarquia para restaurar as embarcações tradicionais. “Gosto disto, praticamente nasci aqui, dá-me luta, às vezes também me chateio, mas estou a preservar o património da praia da Nazaré e isso também me entusiasma”, sublinha José Constantino, que agora está a restaurar o “Salva-vidas”, um barco original de 1912. “Já será uma réplica da réplica”, nota.
“A técnica é a mesma, mas de forma diferente. Antigamente fazíamos uma fogueira e punha lá as tábuas para dar o jeito. Agora faço com o maçarico. Mas o calor e a água para moldar a madeira estão lá à mesma. É um trabalho de muita paciência”, resume.
O restauro de uma embarcação destas, a correr bem, pode demorar uns 8 meses. “Os barcos são para exposição, mas podem ir à vontade para o mar”, garante o calafate, que elege o barco de arte xávega como o mais típico da Nazaré e também o “mais bonito”.