O antigo presidente da Direção do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (Ceeria) analisa o momento conturbado que vive a instituição e lamenta a forma como a polémica se tem arrastado. Cáustico perante a gestão de José Godinho, José Ferreira Belo não poupa nas palavras.
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REGIÃO DE CISTER (RC) > Foi um dos fundadores do Ceeria e o presidente que esteve mais tempo em funções. Como tem assistido às sucessivas polémicas que envolvem a instituição? JOSÉ FERREIRA BELO (JFB) > Com preocupação e desgosto. Preocupação por ver deitado fora uma das partes mais valoradas da instituição, um capital extremamente importante, que é o prestígio do Ceeria. Quando o presidente da Direção arregimenta rapazes para atacar a casa de um adversário eleitoral, obviamente está a por em causa o prestígio da instituição. Por outro lado, o capital mais importante do Ceeria, o capital humano, foi desbaratado ao longo destes quatro anos. O que me dizem é que cerca de 100 funcionários deixaram o Ceeria por se sentirem maltratados. Houve uma liderança destrutiva, que levou um núcleo duro de funcionários, muito competentes e com muito traquejo, a retirar-se. Não conseguiram trabalhar naquele ambiente. Outro aspeto levado a efeito, durante o último mandato, foi a própria pressão sobre os associados, que é uma coisa inaudita. Houve expulsão de sócios que criticaram a Direção. Houve até um controlo de admissões. Assistiu-se à decisão de não admitir como associados pessoas que sempre ajudaram o Ceeria, como foi o caso da presidente da Junta de Alcobaça e Vestiaria. Isto é absolutamente incompreensível, inaceitável e ocorreu, manifestamente, com receio de que ela viesse a liderar alguma oposição. Houve também pressa em demitir os sócios que não pagavam as quotas, de forma a moldar a constituição da Assembleia para ter associados mais novos, que apoiassem esta Direção. Também me preocupa a situação financeira do Ceeria. De acordo com o último relatório de contas, o Ceeria dispunha de, em caixa e depósitos bancários, 156 mil euros. O que é pouco mais do que o necessário para pagar os salários de um mês. Admito que, entretanto, a situação se tenha já alterado, espero que sim. Entre as falácias que propala, o presidente diz que recebeu o Ceeria descapitalizado. Quando, em dezembro de 2020, havia no banco 750 mil euros, com o valor dos ordenados desse mês pagos. Aliás, não percebo muito em como o Ceeria é hoje uma instituição “apetecível”, como o presidente sustenta.
RC > E como responde às acusações de desvios de dinheiro e ao “buraco financeiro”?
JFB > Não havia nenhum buraco financeiro. Obviamente que o objetivo é lançar a dúvida sobre a gestão, criar desconfiança, nomeadamente até sobre a honestidade das pessoas, porque quando se diz ‘buraco financeiro’ parte-se do princípio que alguém ficou com dinheiro. E isto é uma coisa muito grave, até porque a Direção que liderei nunca fez um pagamento, nem recebeu nada, nunca tocámos em dinheiro. Foi uma questão de princípio. Os pagamentos eram feitos através dos serviços administrativos, com a intervenção de três pessoas. Isso tem algum risco, mas a gente tem de confiar nas pessoas. É evidente que, depois, chegámos à conclusão que fizemos mal em ter confiado, nomeadamente na pessoa que ultimava o pagamento, que acabou por arranjar um esquema de forma a transferir dinheiro para contas dele. O presidente da Direção, aproveito agora para dizer, sempre disse que na Direção anterior houve desvios para várias contas, dando a entender que era o salve-se quem puder. Ele não mente, mas diz que houve desvios para várias contas, quando foi uma pessoa que os fez. Quando tomei conhecimento dessa situação já não era presidente e participei a situação ao Ministério Público a dizer o que sabia. A pessoa acabou por se afastar. Antes disso, porque era preciso afastar pessoas, criou-se o mito de danos de maus-tratos, que é a pior coisa, evidentemente, que se pode dizer numa instituição destas. Fê-los essa pessoa e fez o próprio presidente da Direção ao Instituto da Segurança Social. O Ministério Público acabou por andar três anos a inquirir pessoas, a investigar, para concluir que não havia nenhuma prova de maus-tratos. Foram ouvidos os pais, familiares, alguns jovens, funcionários, etc. Ninguém soube concretizar nenhuma situação de maus-tratos. Isto não impede, apesar de o processo ter sido arquivado, que o atual presidente continue a dizer que na Direção anterior houve maus-tratos e cadeiras de rodas pelos ares. Mais uma vez ele não mente: houve um episódio com um jovem, apoiado na residência, que tinha um comportamento violento e aproveitou a distração de um funcionário para virar a cadeirade uma colega que estava ao lado dele. Isto foi um acontecimento isolado, mas ele fala como se as cadeiras de rodas andassem todas pelo ar e fosse tudo uma balbúrdia. Como se costuma dizer, é uma velha estratégia de que uma boa mentira precisa de um pouco de verdade.
RC > Quando saiu da instituição, em dezembro de 2020, previu acontecimentos como os que têm vindo a público?
JFB > Não pensei que as pessoas fossem tão perniciosas e maldosas. Contava com algum mal-estar, porque cheguei a ser convidado para fazer parte desta lista. Disse que não, porque me queria afastar, mas também lhe disse que achava que ele não tinha perfil para ser presidente da Direção. E isso também não terá caído bem e esta guerra contra mim tem muito que ver com isso, com o facto de ele querer demonstrar que ele é competente e que tinha perfil. Sobretudo nos últimos meses, houve também uma insistência muito grande para que o salário fosse aumentado e recusei sempre isso.
RC > Acredita que o prestígio do Ceeria é possível de ser reabilitado depois destes acontecimentos?
JFB > Quero crer que sim. A próxima Direção tem de demonstrar que está ao serviço do Ceeria e que não tem outros interesses. Não sendo técnicos especialistas desta área, as pessoas têm de contratar um diretor técnico capaz e competente. O Ceeria, neste momento, precisa de paz. Paz para as pessoas trabalharem e poderem dedicar-se. O pior que pode acontecer nesta instituição ou noutra é este ambiente de convulsão, em que as pessoas desligam do que estão a fazer para se envolver nas tricas. O Ceeria precisa de paz e uma Direção que assegure estabilidade.
RC > E não o preocupa que o Ceeria fique “entregue a políticos”, outro dos argumentos de José Godinho para avançar para o ato eleitoral?
JFB > A Direção anterior também tinha políticos. Os políticos não têm uma doença transmissível. As pessoas que estão envolvidas nesta lista A têm provas dadas na sociedade. E ainda estão no Ceeria pessoas com experiência que podem dar o seu contributo e outras, mais novas, que querem contribuir. O prestígio do Ceeria é extremamente importante nesta instituição, não só pelos donativos, mas sobretudo pela aceitação e pela forma como é acarinhada e recebida.
RC > Em algum momento, nos últimos quatro anos, sentiu vontade de voltar a candidatar-se ao Ceeria?
JFB > Não. Sinto um desgosto muito grande pela forma como as coisas evoluíram, mas tenho muito orgulho pelo trabalho que fiz e pelas pessoas que me acompanharam. Foram muitas horas de trabalho, de dedicação, de amor à instituição. Não foi tudo perfeito. Errámos por ter confiado em quem não devíamos ter confiado. Mas não vale a pena sentir remorsos porque não é possível gerir uma instituição daquelas sem confiar nas pessoas.