Na Nazaré, onde o mar dita o ritmo da vida, há também quem encontre noutras rodas uma forma de viajar no tempo. Emanuel Bem, nazareno de coração e homem do mar desde 2004, tem dedicado parte dos seus dias a preservar um património que, embora discreto, desperta fascínio: bicicletas antigas.
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A paixão começou cedo, ainda em criança. “Era o meu brinquedo preferido e sempre tive bicicletas”, recorda, com nostalgia. A sua coleção ganhou forma com uma peça muito especial: uma BMX Confersil, produzida em Aveiro, que lhe foi oferecida pelo avô. “Não a vendo por nada!”, assegura. Mais do que um objeto, é um elo de memória familiar e o ponto de partida para um passatempo que se transformou em verdadeira missão. Hoje, entre as raridades que guarda, destaca-se uma BMX Fundador, modelo pouco comum, equipada com guarda-lamas em chapa e palas de borracha com o símbolo da marca Casal, conhecida pelas suas motorizadas. Mas colecionar é apenas parte da história. O nazareno encontra no restauro um prazer tão grande quanto o da busca por modelos raros.
Com paciência e rigor, desmonta cada bicicleta peça por peça, encaminhando-as para processos específicos: umas seguem para decapagem e metalização, outras para pintura, cromagem ou zincagem. Depois, monta tudo com extremo cuidado, quase como quem reconstitui um puzzle da sua própria memória. “Ou se faz como deve ser, ou não se faz”, defende o colecionador. O trabalho culmina sempre num pequeno “test drive”, para garantir que a bicicleta não é apenas uma relíquia de exposição, mas também um objeto funcional.
Na Nazaré, Emanuel Bem reconhece que não existe uma comunidade muito expressiva dedicada às bicicletas antigas. Ainda assim, isso não o impediu de procurar partilhar a sua paixão. Já participou em encontros e exposições, como a Expoeste, nas Caldas da Rainha, e em eventos organizados localmente. Foi também responsável pelo primeiro passeio de bicicletas antigas na vila, iniciativa que serviu para mostrar à comunidade que estes veículos são mais do que simples recordações são pedaços vivos da história industrial e cultural do País.
Manter a coleção, no entanto, não é tarefa fácil. O maior desafio, admite, é o espaço. “É o mais complicado de gerir”, confessa, consciente de que cada bicicleta restaurada ocupa não apenas metros quadrados, mas também lugar na sua vida quotidiana. Apesar das dificuldades, o entusiasmo não esmorece. Se pudesse acrescentar uma peça de sonho à coleção, escolheria sem hesitar a icónica BMX Yamaha BYZ 201, modelo que se tornou objeto de desejo para muitos apaixonados pelas duas rodas.
Nascido e criado na Nazaré, estudou na terra e, desde muito jovem, trabalhou na restauração. Mas foi no mar que construiu carreira, embarcando desde 2004. Entre as viagens e os regressos, leva o gosto pelas bicicletas, que se tornou um projeto pessoal de preservação e partilha. O que começou como um brinquedo de infância transformou-se numa paixão adulta, capaz de unir história, técnica e emoção.
No silêncio da sua oficina improvisada, entre peças metálicas, ferramentas e memórias, Emanuel Bem continua a pedalar contra o esquecimento, garantindo que cada bicicleta restaurada volte a brilhar, como se o tempo tivesse voltado atrás.