A solidariedade não se mede em quilómetros. Que o diga Nuno Félix que percorreu de carro cerca de 12 mil quilómetros em oito dias para trazer uma família de refugiados da Síria para São Martinho do Porto, onde reside com a família há três anos e meio.
A solidariedade não se mede em quilómetros. Que o diga Nuno Félix que percorreu de carro cerca de 12 mil quilómetros em oito dias para trazer uma família de refugiados da Síria para São Martinho do Porto, onde reside com a família há três anos e meio.
Acompanhado pelo amigo Pedro Policarpo, Nuno Félix pôs-se a caminho de carro no passado dia 25 rumo ao leste da Europa com o objetivo de trazer “famílias como as nossas”, designação da campanha que foi desencadeada nas redes sociais. “O que se estava a passar com os refugiados na Europa estava a fazer-me muita confusão. E por ser pai senti que precisava de fazer alguma coisa. Em conversa com um amigo chegámos a conclusão de que era preciso ir buscá-los“, adianta.
De Lisboa partiram sete carros cheios de mantimentos, que acabaram por ser entregues no campo de refugiados em Opatovac, na fronteira entre a Sérvia e a Croácia, três dias depois da partida dos elementos que se quiseram juntar à iniciativa.
Durante a epopeia, o homem habituado a descobrir talentos no futebol ao serviço dos alemães do Colónia, clube no qual é responsável pelo recrutamento, deixou para trás o carro avariado na Hungria, ficou detido durante hora e meia na fronteira entre a Itália e a Áustria, “perdeu” o amigo que decidiu voltar para trás, acabando por se juntar a pessoas “que nunca tinha visto” na caravana… Uma aventura para contar à mulher, aos quatro filhos e aos jornalistas que agora não largam o homem que trouxe a primeira família de refugiados para Portugal.
Foi na estação de comboios de Viena de Áustria que Nuno Félix encontrou Ali, Nada, Dima, Inas e Rimas. “Falámos com outras duas famílias antes de encontrar Ali, que aceitou o nosso convite para salvar a vida da mulher e das três filhas”, recorda o ex-presidente da Associação Académica de Lisboa, que os encontrou a dormir no chão da estação. A família de Ali já tinha percorrido praticamente toda a rota habitual dos refugiados sírios. “Fizeram a travessia de barco em 20 longos dias, que me dizem ter sido a pior experiência da vida deles, e depois em cinco dias passaram pela Macedónia, Sérvia, Croácia e Hungria. Só lhes faltava a Alemanha”, conta o coordenador da iniciativa, que os convidou a trocarem o destino final.
À saída de Áustria houve o primeiro entrave à circulação da caravana. E tudo porque o carro não trazia a vinheta necessária para aceder às autoestradas, uma infração que “custou” em dinheiro 140 euros e em consequência uma chamada à Polícia Alfandegária para travar a entrada dos refugiados naquele país. “Entre alguns telefonemas meus e algumas conversas entre os jornalistas e a polícia, em meia hora as autoridades mudaram de ideias e deixaram-nos seguir viagem“, conta.
A partir daí foi non-stop até Portugal. “Para cá, fiz a viagem de fuga mais rápida de sempre: 3 mil quilómetros em dia e meio”. Chegaram a terras lusas na passada sexta-feira à noite com o sentimento de “missão cumprida”. Desde então que Ali, juntamente com a mulher e as filhas Dima (9 anos), Inas (7 anos) e Rimas (4 anos) estão hospedados numa casa em São Martinho do Porto, que uma amiga de Nuno Félix lhes cedeu. “Já os levei à praia, às compras no mercado e até já dizem algumas palavras em português. No final de um almoço o Ali disse-me ‘Até à próxima’“, relata o scout, não escondendo a preocupação e a responsabilidade que sente em relação a eles, ainda que assegure não ter adotado aquela família. “A ideia é ir-lhes dando asas para recomeçarem as suas vidas, em São Martinho do Porto ou no local onde entenderem“, reforça Nuno Félix, que confessa querer agora voltar à “sua” vida normal ainda que não se tenha desfeito das kunas [moeda oficial da Croácia] que guarda na carteira.