Comprar um apartamento no Bairro do Lameirão, em Alcobaça, custa quase tanto como adquirir um imóvel no centro da cidade de Braga. Surpreendido? Pois, se estava a pensar comprar um imóvel nesta zona vai ter mesmo de colocar o seu nome na lista de espera. Mas antes, e para que não diga que não o avisaram, o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) nesta zona histórica da cidade regista o valor mais alto em Alcobaça. Na verdade, o que começou por ser uma área dedicada a uma das empresas mais rentáveis do País, em atividade entre 1953 e 1995, volta agora a ser uma das zonas mais promissoras da cidade, muito devido à localização. E tudo começou com o sonho do empresário José Lameiras.
Comprar um apartamento no Bairro do Lameirão, em Alcobaça, custa quase tanto como adquirir um imóvel no centro da cidade de Braga. Surpreendido? Pois, se estava a pensar comprar um imóvel nesta zona vai ter mesmo de colocar o seu nome na lista de espera. Mas antes, e para que não diga que não o avisaram, o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) nesta zona histórica da cidade regista o valor mais alto em Alcobaça. Na verdade, o que começou por ser uma área dedicada a uma das empresas mais rentáveis do País, em atividade entre 1953 e 1995, volta agora a ser uma das zonas mais promissoras da cidade, muito devido à localização. E tudo começou com o sonho do empresário José Lameiras.
Na primeira metade dos anos 1950, o alcobacense, contra todas as opiniões, escolheu a artéria inabitada das traseiras do Mosteiro de Santa Maria, para sediar o seu negócio. A área encontrava-se submersa pelo rio Alcoa durante oito meses do ano e a viabilidade de construção era bastante reduzida. Descrito como “persistente” e “visionário”, o empresário, com o apoio da autarquia, procedeu à drenagem da área e ordenou o início da construção da fábrica Extração de Óleo de Bagaço de Alcobaça LDA (EOBAL), com cerca de 20 mil metros quadrados. Meses depois, o terreno virgem do centro da cidade era batizado pelo proprietário de “Lameirão”. Segundo Adão Lameiras, um dos filhos do empreendedor, o nome dado ao bairro foi uma “recordação aos anos em que quando não se via água apenas existia lama”, contrariando a ideia popular de que o nome provém do apelido do construtor…
O edifício fabril encontrava-se no centro do bairro e empregava cerca de 50 pessoas. Entre elas Vitalina Varela que recorda os dias de trabalho na “fábrica que colocava o pão na mesa de grande parte dos habitantes de Alcobaça”. “Fui trabalhar para a fábrica em 1977, pouco depois de chegar de São Tomé e Príncipe e sem saber falar o básico de português”, recorda a mulher já reformada. Mãe de cinco filhos, a antiga operária relembra o emprego com um misto de emoções. “Não era um trabalho fácil, mas o Zé [José Lameiras] era um homem bom. Lembro-me das vezes em que levava os empregados, sem transporte, às compras no centro da cidade e oferecia mais umas gramas de feijão a cada um”.
Também Alexandre Pina, forneiro na fábrica do início ao fim da atividade, recorda com saudade o patrão. “Era um homem bom e deu trabalho a muitos africanos que vinham da sua terra sem meio tostão no bolso”, conta o antigo funcionário que, até à reforma, trabalhou para a família Lameiras. “No final da semana, fazíamos fila à porta da casinha, que servia de escritório, e recebíamos mais ou menos 15 euros. Na altura durava uma semana!”.
Anos mais tarde, a urbanização começou a atrair a atenção de moradores, com mais posses, que construíram no local as primeiras moradias, que ainda hoje subsistem na periferia do bairro. Adão Lameiras recorda bem a época em que havia uma coexistência entre a indústria e a habitação. “Entre as atuais Rua de Moçambique e Rua de Diu viviam cerca de 20 pessoas e da Levadinha até à Rua Costa Veiga estavam as fábricas”. A divisão da área levou à necessidade de nomeação das ruas, que segundo o empresário, “têm nomes de colónias ultramarinas em homenagem aos territórios que pertenciam ao Governo português”.
A EOBAL, que chegou a ser considerada umas das empresas mais rentáveis do País, encerrou em 1995. Depois, a morte do proprietário e as mudanças na economia levaram à substituição da fábrica pelos atuais blocos de prédios. Nasce, assim, o Bairro do Lameirão.
Habitado por cerca de 2 mil pessoas, segundo os últimos Censos, as áreas verdes deram lugar às mais de duas centenas de apartamentos e moradias. O perfil do morador do bairro foi uma das mudanças registadas nas últimas décadas. Em 1993, os moradores do Lameirão eram maioritariamente naturais de Alcobaça, com raízes no concelho e com “estatuto”. Em 2019, os moradores do bairro são de origem africana, de leste e oriundos de vários pontos de Portugal. Muitos dos vizinhos não se conhecem, mas as crianças brincam juntas no parque e no rinque de futebol.
Contra o desejo de Adão Lameiras, que defende que o Lameirão é uma “zona para as famílias e não de negócio”, vários empresários sediaram no bairro os seus empreendimentos nos últimos anos. Depois de vários negócios já terem abandonado o bairro, entre os quais o Bar Concerto, o Lameirão serve atualmente de “casa” a oito negócios – duas clínicas dentárias, dois cafés, um restaurante, uma clínica veterinária e uma clínica de fisioterapia.
Voltemos aos números: se pensa comprar casa nesta zona, a REMAX/Mosteiro avalia o metro quadrado no Lameirão em 500 euros, o que significa um preço médio de 60 mil euros por habitação. Embora muitos moradores reclamem da “baixa qualidade das habitações devido à humidade, ausência de isolamento e de elevadores na maioria dos prédios”, a verdade é que o mercado imobiliário desta zona tem captado cada vez mais a atenção de compradores. Quem o diz é Fernanda Braz, consultora imobiliária da REMAX/Mosteiro, que confirma que “há mais clientes do que produto no mercado”. “A procura de imóveis no Lameirão é grande, apesar do IMI naquela área registar um dos valores mais altos da cidade”, refere. Algumas das habitações à venda pertencem aos originais proprietários dos lotes que “compraram durante a construção ou que ambicionavam uma oportunidade de rentabilizar o imóvel com o aluguer a estudantes do polo universitário prometido pelo presidente Gonçalves Sapinho”, recorda.
Contudo, a consultora imobiliária alerta para a necessidade de requalificação da zona, que “está muito velha” e que devido à ausência de investimento no lazer e comércio local “não passa de um dormitório para os residentes”.
Mas esse investimento já está anunciado. Além das intervenções previstas pela Câmara de Alcobaça, a conclusão das obras do hotel de luxo no Claustro do Rachadouro no Mosteiro antevê um futuro promissor para este bairro, eliminando muitos dos terrenos baldios. Com início marcado para 2024, a autarquia tem planeada uma intervenção no espaço público que decorrerá durante dois anos. A empreitada no bairro visa melhorar o pavimento, proporcionando uma mobilidade mais segura e fácil, um reordenamento do estacionamento, melhorias do mobiliário urbano, requalificação do recinto desportivo, incremento de espaços verdes e ampliação do percurso pedonal. A obra, estimada em 691 mil euros, “vai melhorar a qualidade de vida dos moradores do bairro”, segundo o presidente da Câmara de Alcobaça, Paulo Inácio. Uma coisa é certa, o Lameirão há muito que deixou de estar submerso.