Quinta-feira, Abril 25, 2024
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Susana Peralta: “O fecho das escolas é o maior tiro no pé na gestão desta crise”

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Da infância entre a Benedita e o Vimeiro guarda o cheiro das maçãs, os cozinhados longos da tia e a educação da avó. Vive em Lisboa, mas ao fim de semana refugia-se numa casa de família na Lourinhã, com o marido e os três filhos: a Judite, a Irene e o Santiago. A especialista em economia pública dá aulas na Nova BSE e coordena os projetos na área de Economia da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Licenciada em Economia na Católica e doutorada na Université catholique de Louvain, na Bélgica, conta com trabalhos publicados em várias revistas científicas e escreve semanalmente no jornal Público. Enquanto não pode ir a concertos, coloca o avental com frequência

A economista e professora da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) traça um cenário dos efeitos e das consequências desta crise pandémica, evidenciando uma visão crítica sobre a atuação do Governo e apontando alternativas ao modelo implementado.

REGIÃO DE CISTER (RC) > Há umas semanas escrevia no Público que “aos especialistas de saúde pública compete oferecer cenários para a evolução da pandemia e aos economistas para as consequências económicas”. Qual o cenário que nos oferece enquanto economista?
SUSANA PERALTA (SP) > Não estou nada otimista. Esta crise é terrível em todos os países, mas há economias que estão mais vulneráveis do que outras. A nossa economia está excessivamente vulnerável por causa da dependência do turismo. Segundo a OCDE, o PIB dependia em 12% do turismo. É um choque gigantesco, porque tivemos uma diminuição de 75% dos turistas estrangeiros que nos visitaram em 2020, relativamente a 2019. Os turistas ‘secaram’ e isso é catastrófico. A par de uma fragilidade estrutural da nossa economia, há decisões que não são muito coerentes e há um problema de falta de preparação técnica. Sabemos ainda que Portugal foi o terceiro país da zona Euro que menos gastou para fazer face às consequências desta crise, o que quer dizer que deixámos as empresas e as famílias a seco e isso leva-nos a criar estratégias de empurrar para a frente. Temos uma série de bombas relógio no sistema: a curto/médio prazo as moratórias, as empresas e as famílias; a médio prazo o turismo e a longo prazo o investimento das pessoas e a não proteção dos mais vulneráveis.

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RC > Também a região Oeste tem cavalgado a onda do turismo. Como é que se pode “reinventar” esta economia?
SP > Não sei muito bem como se reinventa uma economia. Sei que Lisboa, Algarve e Madeira foram as regiões mais afetadas pelo turismo por dependerem mais do turista estrangeiro. Paradoxalmente, a região Oeste não me parece a mais afetada, não só porque tem muito turismo interno e o turismo interno até aumentou, mas também porque não tem o peso enorme da urbanidade. As pessoas estão a fugir para onde há mais distância física. É muito importante investir em turismo de mais qualidade e ter estratégias de turismo que não seja turismo de massas. Portugal tem um problema grande de desinvestimento. O que gera empregos de alto rendimento e com salários mais elevados? Empregos mais tecnológicos e da ciência… mas como o País não investe na ciência este vai ser sempre um grande problema. Vejo oportunidades na região na agricultura mais sustentável e no turismo de mais qualidade, com a mais-valia da proximidade de Lisboa.

“Não podemos colocar o custo da crise naqueles que têm sofrido com a crise. É ilegítimo”

RC > Enquanto professora, compreende o volte-face do ensino à distância?
SP > Tínhamos obrigação de não chegar ao ponto de fecharmos as escolas. Tínhamos de ter feito as escolhas necessárias, provavelmente mais conservadoras nas restrições a outros setores de atividade que são muito menos críticos para o desenvolvimento do nosso País, como o retalho e a restauração. Mas isso custava dinheiro, era preciso, como se fez em França, fechar os restaurantes em novembro. Tínhamos muito mais razões para levar tudo até ao fim para não fechar as escolas do que outros países, mas fizemos escolhas erradas. Foi uma loucura que acabou por nos levar à pior decisão de todas do ponto de vista do futuro da nossa economia. Não critico termos puxado o travão de mão naquela semana em que estava tudo a colapsar, o que critico é não termos feito o suficiente para isso não acontecer. Continuar a prolongar esta situação já me parece um desinvestimento no futuro, que me preocupa muito. Parece-me que é preciso o Governo começar a pensar em encontrar maneiras de colocar as crianças menos favorecidas na escola e colocar os restantes em  semanas alternadas, por exemplo. Assim é que não pode ser… o fecho das escolas é o maior tiro no pé na gestão desta crise.

RC > Considera que os apoios do Estado prestados no âmbito de quebras de atividade associadas à pandemia são paliativos?
SP > As medidas são anunciadas, mas são colocadas em prática com um grande atraso. Não estamos a ser generosos com as empresas, os processos são muito burocráticos e excluem muitas empresas. Não se pode pensar em poupar um euro ali e outro euro ali, que é como o Ministério das Finanças pensa. Quem faz estas leis são pessoas que têm trabalhos muito flexíveis, muitas pessoas não têm essa sorte. Não podemos colocar o custo da crise naqueles que têm sofrido com a crise. É ilegítimo. Devíamos olhar muito menos para o défice e mais para as pessoas que estão sem oxigénio e que precisam de retomar a vida com sanidade mental, essencial à vida económica e à produtividade. Embora também me pareça que não podemos sair de uma recessão de 7,5% do PIB sem fazer alguma reinvenção da economia. Há um equilíbrio muito difícil de atingir a nível de políticas públicas.

“Convém recordar que a bazuca vem aí para reconstruir a economia pós-pandemia e não vai pagar as contas às pessoas que ficaram sem dinheiro para as pagar”

RC > A “bazuca europeia” pode dar uma ajuda? Ou pode ser pior a emenda que o soneto?
SP > Na verdade, o facto de os países terem muitos recursos à disposição não é bom para o desenvolvimento. A bazuca pode ser má? Pode. Por outro lado, sabemos que este tipo de problemas – a “maldição dos recursos” – é pior em países com instituições mais frágeis. Estamos longe de ser o exemplo ao nível das instituições – temos problemas de corrupção, somos um país com um sistema judicial que não funciona, temos elites pouco abertas à inovação, não temos capacidade de criar apoio à decisão – e isso quer dizer que a bazuca pode ter efeitos perniciosos. O mais provável é que ela não seja tão boa como poderia ser. Mas convém recordar que a bazuca vem aí para reconstruir a economia pós-pandemia e não vai pagar as contas às pessoas que ficaram sem dinheiro para as pagar.

“Não há coragem em denunciar o comportamento de despóticos”

RC > Como avalia o papel das autarquias nesta crise económica?
SP > Por um lado, devia ser um papel muito importante, porque as autarquias têm ou deviam ter serviços de proximidade. Mas preocupa-me também muito as estruturas de poder local. As pessoas não têm coragem de denunciar o comportamento de despóticos, como aconteceu recentemente com a questão da vacinação. Há um risco de prepotência a partir do momento em que se controla muitas estruturas ao nível de um concelho. Num concelho pequeno, as estruturas e os fornecedores controlam uma parte substancial dos empregos e as pessoas ficam sem liberdade. Isso preocupa-me mais ao nível local do que ao nível nacional. Os pequenos poderes dão cabo da atividade económica. Há muitos presidentes de câmara transparentes e cuidadosos, mas há outros que condicionam a liberdade das pessoas. E quando tens uma liberdade condicionada, não há responsabilização política. Essas pessoas tornam-se donos de tudo e são um travão à atividade económica.

RC > Por falar em travão à atividade económica, é verdade que o seu “ódio de estimação” é a TAP?   
SP > Sim, é. Não percebo como é que o Governo foi meter dinheiro na TAP. Custa-me muito pensar que não conseguiram encomendar computadores para os alunos que não os tinham, não conseguiram implementar a tarifa social da internet prometida há um ano, não conseguiram mandar cheques às famílias com crianças, não conseguiram apoiar as empresas, não temos equipas de rastreio de vírus, não temos capacidade de testagem – os testes custam 100 euros, na Alemanha custam 30 -, há imensas coisas onde devíamos ter metido dinheiro e não pusemos. Salvar a TAP é extraordinário, mas não pode ser a prioridade. Temos um problema gravíssimo nos transportes nas cidades… e fomos pôr o dinheiro na TAP? Numa empresa que nos últimos 10 anos nunca teve lucro? Ah, teve um mini-lucro em 2017. No meio duma crise destas, em que o setor mais fustigado é precisamente o turismo, vamos investir na TAP? Estamos a falhar no mais básico. Ou estamos realmente dispostos a chegar à vida das pessoas e empresas ou, então, rapamos o fundo do tacho para chegar a essas pessoas e salvar a TAP. Isso deixa-me muito perplexa.

“Se não quisermos colocar dinheiro nos media, ou nos jornais que são mais prejudicados com as crises, vamos ficar sem jornais e isso é terrível. É o fim da democracia”

RC > São essas perplexidades que a fazem escrever semanalmente no jornal Público? Escrever é um gosto ou uma necessidade de partilhar as opiniões de uma economista?
SP > É um gosto e um privilégio enorme ter um espaço semanal num jornal de referência, que sempre comprei e li. Tenho uma página inteira para dizer o que quero, sem filtros. Ainda que seja algo que me dá imenso trabalho. Mas julgo que é importante participar na opinião pública. O nosso espaço público padece de grandes problemas. O nosso espaço público está pejado de políticos no ativo. Veja-se: Fernando Medina tem um espaço de comentário na televisão e um espaço de comentário na rádio. Em nenhum país da Europa isso existe. Os media servem para os escrutinar. Isso é vergonhoso existir no nosso espaço público. Os políticos têm um papel importantíssimo no nosso país e nas democracias e têm um papel dificilíssimo. Mas cada macaco no seu galho. A eles compete-lhes executar politicas e serem julgados por isso; e aos media compete escrutinar. Se são os políticos que estão nos media… não pode ser! Também há muitos comentadores que não fazem declarações de interesse. O nosso espaço público está podre. E desse ponto de vista, e valho o que valho, digo o que penso e quando tenho declarações de interesse também as enuncio. Temos essa missão de elevar o debate.

RC > A pandemia também veio agravar as fragilidades económicas dos media. Concorda com o reforço dos apoios do Estado?
SP > Podemos ter dinheiro público nos media, mas tem de ser tudo muito transparente, com fórmulas de cálculo e com todos os procedimentos num site acessível a todos. Certamente não pode haver nenhum político no ativo a ir à televisão ou à rádio e ser pago. O negócio da comunicação social só se paga com escala e o problema de Portugal é precisamente não ter escala. É um negócio em que o maior custo é fixo. Vender mais um jornal ou ter mais uma pessoa a ver o telejornal não custa nada. O que custa é a redação, a parte gráfica e toda a estrutura. Os negócios com este modelo só se pagam com muita escala. E nós não temos mercado para gerar escala. Eu pago o Guardian ou o The New York Times, mas nenhum americano pagará o Público. Somos um país pequeno, relativamente pobre, com baixas qualificações, sem mercado que chegue para sustentar jornais. Mas se não quisermos colocar dinheiro nos media, ou nos jornais que são mais prejudicados com as crises, vamos ficar sem jornais e isso é terrível. É o fim da democracia. Devíamos ter dinheiro público nos jornais mas com um conselho independente com pessoas estrangeiras. Se a União Europeia gerisse isso por nós era ótimo. Temos de garantir o máximo possível de independência, transparência total e acabar com políticos a ganhar dinheiro. Mas isso é um nível de exigência muito grande para um País que é tão incapaz em gerir mecanismos de transparência.

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