A propósito da reabertura da Cultura após mais um confinamento, recordamos “Um festival em tempo de pandemia” projecto fotográfico baseado na realização do Cistermúsica 2020, que agora procura escrever novos capítulos.
O ser humano prospera no conforto e na estabilidade. Há até investigadores que defendem que somos uma espécie preguiçosa e carente de gratificação instantânea. Não vou tão longe, apesar de reconhecer esses traços em mim. Não vou tão longe porque o mundo não parou. Não parou com o choque pandémico. E, previsivelmente, não vai parar.
A incerteza abala qualquer estrutura e qualquer organização. Se, por natureza, já temos dificuldades em planear o futuro, ainda mais teremos quando tudo nesse futuro é incerto. É insuportável. Como é que se mantém qualquer semelhança com o “normal”? É duro. O que é que é o “normal”? É incerto.
Por mais confusa que esta salada russa semântica possa parecer, não se compara ao emaranhar de conceitos que se atam em nós apertados com o que sentimos diariamente em reação às adversidades que se passam à nossa volta e, por vezes, se cruzam com as nossas vidas.
E quando há este peso a ancorar, dois tipos de coisas podem acontecer: extraordinárias e péssimas. Como militante confesso da ordem dos otimistas, vou focar-me no primeiro tipo.
Edificaram-se, de um dia para o outro, redes de suporte e criaram-se projetos inovadores a que acorreu um sem-fim de pessoas bem intencionadas para se colocar do lado da solução. Não é preciso procurar muito para encontrar exemplos disso. E escrevo este artigo para abordar um desses casos: um Festival em Tempos de Pandemia.
Um dos setores mais afetados por esta insuportável dureza do incerto foi a Cultura. Sem público, este setor perde um dos maiores motores para a sua existência. Mas nem por isso deixou de ser relevante. Muito pelo contrário. Também nas artes e na cultura se elaboraram soluções criativas nunca antes sequer pensadas. Nem por um segundo. Lá está, a necessidade aguça o engenho.
E quando a necessidade tem como base sustentadora a partilha de experiências, o engenho foi apenas um conjunto de soluções simples para obstáculos enormes. Foi o que aconteceu com a 28.ª edição do Cistermúsica – Festival de Música de Alcobaça. Na impossibilidade de trazer artistas internacionais, trouxe-se a “prata da casa” sem perder o apurado sentido artístico. Na obrigação de reduzir as lotações, apostou-se em concertos mais intimistas. Na dificuldade de planear e organizar todas as coisas, valeu a perseverança e o esforço de um grupo de pessoas.
E foi o que aconteceu, também, com o projeto “Festival em Tempos de Pandemia”, que partiu de um trabalho fotográfico da Sara Leonardo a que empresto as minhas sensações em jeito de palavras. Esta empreitada vai resultar numa exposição fotográfica e na publicação de um livro com o trabalho que esta fotógrafa realizou no backstage do Cistermúsica e com o meu contributo enquanto narrador na ótica do espetador.