Uma foto tirada nos anos 80 do século XX numa vila às portas da Lisboa – até há poucos anos capital do último, e decadente, império colonial -, podia ser uma imagem retratada por um pintor medieval no tempo áureo das catedrais, na Idade Média: uma camponesa, com a pele estalada pelo sol, de lenço preto, de enxada na mão, ao lado de uma mula e de um carro de bois, faz soltar as batatas da terra ao ritmo de pequenos solavancos de uma coluna, já irremediavelmente curvada pelo trabalho braçal.
Assim era, ainda, uma parte do país, no pós-revolução dos cravos. A produtividade era baixa, os alimentos baratos alimentavam Lisboa, Porto e Setúbal, que se tinham tornado cidades com cinturas industriais, alimentadas por camponeses pobres a norte do Tejo, e assalariados agrícolas miseráveis a sul do rio. A gastronomia celestial, que deixou o gastrónomo Anthony Bourdain fascinado com a cultura culinária dos portugueses, esse povo estranho que ao almoço já falava do jantar, era fruto de uma rara combinação de sol mediterrâneo, com trabalho feminino doméstico, e preços agrícolas baixos.
Que diriam hoje estes camponeses, estas mulheres que pariram o divino na forma do prazer de comer e relacionar-se em torno de um prato, se entrassem num supermercado, e vissem carne e bacalhau com um alarme?