Mudam os tempos, até podem mudar as vontades, mas o que não muda mesmo para quem faz rádio é a “carolice” de colocar uns auscultadores e comunicar com os ouvintes através de um microfone. Nos concelhos de Alcobaça, Nazaré e Porto de Mós, há quem colabore com as rádios locais há dezenas de anos em troca apenas da felicidade de quem os ouve.
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Por estes dias, na Rádio Nazaré quase só se ouvem marchas de Carnaval. As audiências triplicam, mas o trabalho e a responsabilidade de quem está atrás dos microfones também. Aos sábados de manhã é António Lopes que está em estúdio: entre as 9 e as 11 horas passa o programa “Nêga” – um dos mais antigos da Rádio Nazaré – e entre as 11 e as 12 horas é tempo de ouvir “Nazaré dos Meus Encantos”. “A primeira vez que vim à rádio foi para assistir a um programa de um amigo meu e fiquei logo apaixonado por isto”, conta o nazareno, que à data era aluno do Externato D. Fuas Roupinho. ”Acabei por fazer uma proposta para ter um programa meu e entrou na grelha durante a semana”, conta. Mais tarde, António Lopes acabaria por ocupar os sábados de manhã, primeiro com o programa de música brasileira, que é emitido há 34 anos, e depois com o programa dedicado aos músicos nazarenos, que passa há 26 anos. “Sinto que estou sempre a conversar com os ouvintes, sou abordado na rua, recebo dezenas de mensagens e vídeos com feedback dos programas”, aponta o nazareno, que profissionalmente está ligado à restauração. “A rádio funciona como um escape, durante estas três horas desligo-me de tudo e não quero saber de problemas”, descreve António Lopes, para quem “o ordenado que recebe é o carinho das pessoas”. “Sei que entro na casa dos ouvintes e faço parte da vida deles”, acrescenta o locutor. “O que mais gosto é de proporcionar uma manhã agradável aos ouvintes para que possam começar o fim de semana da melhor forma“, sustenta. Durante o confinamento, chegou a fazer emissões especiais, com a habitual emissão das 9 às 12 horas e depois das 14 às 19 horas. “Recebia vídeos das pessoas a dançar, mensagens e chamadas de emigrantes a agradecer a companhia, é muito reconfortante o carinho que se sente das pessoas”, nota.
É também aos sábados de manhã, entre as 12 e as 13 horas, que Piedade Neto está em direto na Cister.FM, com o “Publicamente”. A professora primária aposentada é, aliás, uma das vozes mais queridas e reconhecidas na rádio e na… rua. “As pessoas falam muito comigo, sobre os programas, sobre a rádio, dão-me sugestões, sou muito acarinhada”, conta a locutora, que se estreou aos microfones da Cister.FM com um programa infantil. “A primeira vez que falei para o microfone foi estranho, mas adaptei-me com facilidade porque sempre gostei de comunicar”, admite. “Aceitei aquela experiência, nunca pensando que seria assim tão longa”, confessa, entre risos. Do “Bola de Trapos” passou para o “Clave de Sol”, um programa de música clássica que passava às quartas-feiras à noite. “Não havia Youtube e as pessoas tinham pouco acesso à musica clássica e eu não lançava só as músicas, apresentava os compositores e falava das histórias daqueles temas”, conta Piedade Neto, que se tornou também cooperante da rádio. “Mais tarde, pediram-me para fazer um programa de entrevistas”, conta a locutora de rádio. “Tenho milhares de horas na rádio e centenas de entrevistas”, acrescenta Piedade Neto, que não esconde o gosto pela política, pela “azáfama dos debates e das noites eleitorais”. Para a professora aposentada, a rádio representa “uma companhia insubstituível”. “Dar uma voz às pessoas e vê-las depois felizes por isso é muito bom, todas as pessoas que passam no meu programa são tratadas com todo o respeito, não há convidados especiais”. “Há quem faça voluntariado no hospital, eu faço este voluntariado, que considero um dever cívico”, enfatiza Piedade Neto.
Aos sábados, das 9 às 13 horas, Vera Marto conduz o programa “Lazer FM” na Rádio Dom Fuas. A locutora começou por fazer um programa de discos pedidos quando tinha 15 anos. “Sempre gostei muito de música e de comunicar. Quando surgiu o convite, nem hesitei. Tinha imensa graça sair da escola e ir para a rádio passar a música que os ouvintes pediam e falar com eles ao telefone, em direto”, conta. Vera Marto fez vários programas de autor, entrevistas e o “Top da Semana” dos discos pedidos até criar o “Lazer FM” há 15 anos. “O conteúdo do programa assenta na divulgação de propostas para fora de casa. Muitas pessoas escutam este programa, quer os habitantes da terra, quer a comunidade emigrante, que nos ouve através da emissão online”, explica a locutora, que reside em São Jorge e que também é gestora de clientes numa empresa do setor automóvel. “O que me apaixona na rádio são as pessoas! É nelas que penso desde a seleção musical aos conteúdos divulgados e é muito gratificante passar por alguém na rua ou receber uma mensagem a agradecer pela companhia que lhes fiz”. A “Vera da rádio” também é reconhecida pela “Vera das cantorias ou dos bailaricos” – porque integra o duo musical Renascer – e muitas vezes é reconhecida pela voz em chamadas telefónicas profissionais. Confessando que só por motivos de doença é que não faz rádio – suspendeu as emissões durante a pandemia, pois não existiam eventos culturais –, Vera Marto admite ser “carola” da rádio com muito gosto e prazer.
Nuno Catita participou na primeira emissão da então Rádio Voz da Benedita, a 11 de fevereiro de 1985. “Sempre gostei muito de rádio e quando soube que ia ser criada uma rádio na Benedita não hesitei e fui com uns amigos fazer uns testes de voz”, conta o beneditense. “Na primeira emissão da rádio havia, claro, um grande nervosismo, tinha 17 anos. Mas foi muito engraçado, porque o feedback foi automático através do telefone da rádio, que não parou de tocar”. A viver os “tempos das rádios piratas”, Nuno Catita estudava durante o dia e tinha um programa à noite, o “Consílio dos Deuses”. “Era amante do ‘Oceano Pacífico’ e o ‘Consílio dos Deuses’ era uma imitação barata desse programa”. O “bicho da rádio” entranhou-se tanto que acabaria a colaborar com a Rádio Renascença e depois com a Rádio Comercial, na equipa de trânsito. Quando regressou à Benedita, começou a trabalhar na banca, mas voltaria a entrar nos estúdios da Rádio Benedita. “O bicho da rádio é corrosivo, mas é muito bom, não se consegue explicar muito bem”, adianta o beneditense, que mantém uma rubrica semanal na Benedita.FM – “Crónicas” – e que sempre que é preciso “empresta” a sua voz para spots publicitários. A magia da rádio também se faz destes “carolas”, a quem muitas vezes apenas se conhece a voz, mas que são tratados como amigos ou família.