Há quem aproveite o final do dia e o início da noite para fazer o jantar, arrumar a cozinha e depois descansar junto dos mais próximos. Mas também há quem dedique esse período do dia para ajudar a alimentar quem mais precisa. Sejam miúdos – há meninos de apenas 7 e 9 anos que acompanham os avós – ou graúdos, a partir dos 50 anos, a faixa etária mais representada. Sejam homens ou mulheres. Sejam estudantes, trabalhadores ou já reformados. Sejam portugueses ou de nacionalidade estrangeira. Quando toca a ajudar, todos são poucos no núcleo da Re-food de Alcobaça, onde domingo a domingo, entre as 19 horas e as 22 horas, dezenas de voluntários arregaçam as mangas para “alimentar” famílias carenciadas.
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Essa foi uma necessidade que o REGIÃO DE CISTER verificou ‘in loco’ – até porque fez questão de dar uma mãozinha aos voluntários de serviço – num dos turnos que o grupo realiza semanalmente. “Somos cerca de 60 no total, mas estamos divididos por grupos diários”, explicava Ana Mimoso enquanto preparava os cabazes para entregar às oito famílias carenciadas que iriam ajudar naquele dia [quinta-feira]. “Precisávamos de mais 20 pessoas para ser um número razoável de voluntários, de forma a dar resposta a todos os pedidos”, admitia também a coordenadora do núcleo e responsável pela “pasta” dos beneficiários, relembrando que “se tratam de voluntários e, por isso, a disponibilidade não é sempre a mesma”.
No caso da também voluntária, esta é uma rotina semanal há oito anos. “No dia em que fizer isto apenas porque sim, sem sentir que estou a ajudar o próximo, vou-me embora”, disse Ana Mimoso, num testemunho ao qual se juntou a colega Lina Xavier. “Saber que estamos a ajudar quem mais precisa é um sentimento muito bom”, relatava.
Entre alimentos – que os voluntários da Re-food vão buscar, nos veículos pessoais, a restaurantes, supermercados e lojas nos concelhos de Alcobaça e pontualmente da Nazaré e de Porto de Mós –, reina a equitatividade. E, no caso de existirem excedentes, são as famílias com crianças que beneficiam desse reforço no cabaz alimentar.
Cada família tem um dia da semana estipulado para levantar a sua “box”. E é por essa listagem que se vão guiando os quatro voluntários que iniciaram o turno a que o REGIÃO DE CISTER teve a oportunidade de assistir.
E nem a língua é uma barreira na hora de ajudar. George, natural dos Estados Unidos da América, vive há nove meses em Alcobaça e, juntamente com a mulher, é um dos voluntários. Entre o inglês, o português e o francês a “desenrascar”, vai-se entendendo com Lina Xavier, que lhe explica o que fazer. “Entendemo-nos bem”, gracejava a voluntária. Do lado de George, de 60 anos, surgiu a explicação para ali estar: “antes de vir para Alcobaça já ajudávamos neste tipo de iniciativas”, contava, enquanto, em trabalho de equipa com o REGIÃO DE CISTER, fazia a distribuição de bebidas pelos cabazes. O tempo ia correndo e o relógio ditava as 20:30 horas. Por essa hora, já tinham chegado os voluntários que procedem à recolha da comida pelos parceiros e era tempo de começar a entregar a comida a quem mais precisa.
À porta das instalações, localizada junto aos Pneus do Alcoa, empresa que disponibilizou o espaço para o efeito, os beneficiários aguardavam pela sua vez. As crianças eram donas de um sorriso que deixava qualquer pessoa alegre em redor. Talvez por não terem ainda a noção da razão que ali as levava. Os pais, com um sorriso mais contido, agradeciam o cabaz. Sem ser preciso dizerem nada, alguns olhares transpareciam o sentimento de gratidão que lhes ia na alma. E Ana – permitiu o trato –, que era quem estava na linha da frente na entrega dos cabazes, era a recetora de um “obrigado” que era extensível a uma equipa que não “olha a quem” para ajudar.
“Há obrigados que nos tocam”, confidenciava a coordenadora, revelando que nas entrevistas às famílias, um critério pelo qual as mesmas têm de passar para avaliar o grau de carência, já lhe surgiram situações muito complicadas. “Na Re-food, apoiamos apenas na alimentação, mas quando surgem casos de pessoas com mais necessidades tratamos, de imediato, de encaminhá-las para os serviços sociais e para instituições que possam ajudar a atenuar esse problema”, sublinhava.
Durante o mês de setembro, o núcleo da Re-food de Alcobaça evitou o desperdício de 3.572 quilos de alimentos, que resultaram em 7.144 refeições para 44 famílias, num total de 153 beneficiários. Produtos em fim de validade, em embalagens danificadas, excedentes de restaurantes, pastelarias ou takeaways, comida em bom estado, mas que já não pode ser comercializada. Tudo isto acabaria no lixo, se não existisse a Re-food. Não menos verdade, contudo, é que todo o reaproveitamento alimentar que permite ajudar e, por vezes, “salvar” dezenas de famílias resulta “de um trabalho de dezenas de voluntários que semanalmente despendem de duas horas do tempo livre para manter a causa em funcionamento”. Em setembro, foram 359 horas de voluntariado.
Mas são precisas mais pessoas. Porque todas as mãos são imprescindíveis quando o propósito é apenas ajudar. E tudo pelo simbólico preço de um sorriso e de um “obrigado”.
Oportunidade para ajudar pode começar a partir do próximo dia 28
Após verificar-se um aumento do número de pedidos de ajuda nos últimos meses, a Re-food Alcobaça lançou um convite para todos aqueles que sentem vontade de colaborar: “bastam duas horas por semana, entre as 19:30 horas e as 21:30 horas, para fazer a diferença na vida da comunidade. O serviço a prestar é bastante simples, uma vez que se trata apenas da recolha, divisão e/ou entrega de comida”, lê-se em comunicado enviado à imprensa.
E, de forma a tentar recrutar mais colaboradores, a organização vai dinamizar um dia aberto no próximo dia 28 de outubro, a partir das 15:30 horas, na Rua D. Afonso de Albuquerque, em Alcobaça. E é destinado a todos, uma vez que o dia aberto contará com uma pessoa que explicará todo o processo em inglês.
Se houver interesse, mas se não for oportuno estar presente no próximo dia 28, saiba que a ajuda é sempre bem-vinda. Basta, para isso, que envie uma mensagem para o contacto telefónico 964 155 576 ou para o endereço eletrónico geral.alcobaca@re-food.org. Além disso, e se a vontade de ajudar for muita, pode deslocar-se até ao centro de operações de segunda-feira a sexta-feira, entre as 19:30 horas e as 21 horas. Quem sabe se não terá logo que “arregaçar as mangas” e dar uma pequena ajuda ao turno que está em serviço.
Das crianças aos mais velhos, todos são uma preciosa ajuda para quem, semanalmente, decide contribuir para os que, infelizmente, não têm a mesma facilidade de acesso à alimentação.