Conhecedor profundo do setor empresarial, fruto da sua experiência profissional como empreendedor e coach, Joaquim Sobreiro Duarte adverte que as empresas devem manter as pessoas “pensantes” da organização, por forma a preservar talento e garantir o sucesso dos negócios. A pensar nos trabalhadores…
Em entrevista ao REGIÃO DE CISTER, o fundador do grupo Sentidos Dinâmicos, Joaquim Sobreiro Duarte, explica como o setor empresarial “renasceu” após a pandemia, analisa o paradigma das empresas da região e apresenta algumas estratégias de gestão de recursos humanos.
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REGIÃO DE CISTER (RC) > Pela primeira vez, as 250 Maiores de Alcobaça, Nazaré e Porto de Mós atingiram um volume de negócios de 2 mil milhões de euros. Saradas as feridas da pandemia, os olhos do setor empresarial estão postos no horizonte?
SOBREIRO DUARTE (SD) > Houve uma recuperação em relação à pandemia, porque as empresas tiveram uma capacidade de adaptação muito rápida. Naturalmente, algumas não tiveram essa capacidade e outras ficaram pelo caminho, mas foi um período de aprendizagem. A capacidade de parar foi importante para avaliar onde as empresas estavam e projetar onde queriam estar. Quando há uma paragem deste tipo há duas hipóteses: lamentar-se ou olhar para a realidade, perceber o que se pode fazer e avançar mediante as circunstâncias. Defronte destes desafios, é essencial ter a capacidade de compreender o que é preciso no momento, analisando a realidade através de vários prismas e, depois, procurar uma adaptação ao contexto. Este “truque” foi fundamental para muitas empresas durante a pandemia e deve ser visto como uma receita para pessoas, empresários, empresas e restantes profissionais.
RC > A pandemia trouxe um conjunto de alterações nas empresas que vieram para ficar. Até que ponto isso foi importante no desenvolvimento empresarial?
SD > Foi importante. O comércio online, por exemplo, veio para ficar e houve um grande desenvolvimento em termos de software, sites e redes sociais, o que permitiu quebrar barreiras geográficas e colocar serviços e produtos em qualquer parte do mundo. O próprio consumidor também criou outros hábitos de consumo, numa fase em que os empresários tiveram de se adaptar e procurar novas soluções. A pandemia fomentou ainda estratégias importantes, como as reuniões ou as conversas online, que permitem economizar tempo e recursos.
RC > A inteligência artificial (IA) começa a surgir em várias áreas. No setor empresarial de que modo a inteligência artificial poderá dar o seu contributo?
SD > Como qualquer outra ferramenta que possa aparecer, a IA traz sempre algo que é positivo. Do meu ponto de vista, ela dá-nos outra visão e permite-nos acelerar alguns processos, mas não vai substituir o lugar das pessoas. Seja em que área for, a IA tem características muito úteis, mas a valorização do ser humano é muito importante na medida em que as empresas não precisam só de mão de obra, mas também de cabeças de obra, isto é, pessoas dentro das organizações que pensam e definem estratégias. Não podemos substituir as pessoas “pensantes”, com a IA, porque ela não tem a capacidade de decidir. Se estivermos perante um carro automático, ainda que faça tudo sozinho precisa de uma pessoa, nem que seja apenas para carregar no botão para começar a trabalhar. As pessoas têm de ser sempre valorizadas porque são elas que constroem raciocínios e pensam em estratégias para os alavancar.
RC > Haverá sempre espaço para a inteligência emocional?
SD > Sim. Costumo falar disto de uma forma simples. Primeiro surge sempre a parte emocional, depois surge a parte racional e só depois outras inteligências como a artificial. O aspeto emocional vai estar sempre presente porque as empresas trabalham com e para pessoas.
RC > A tomada de decisão é essencial em qualquer negócio. Esse aspeto também reforça a importância da pessoa e, consequentemente, da inteligência emocional e da inteligência racional?
SD > A tomada de decisão pode ser feita de forma emocional e racional. Uma tomada de decisão emocional pressupõe um modo de decidir mais instintivo, com base naquilo que é sentido no momento. Depois, pode existir a necessidade de utilizar a inteligência racional e cognitiva para analisar alguns assuntos. Esta componente é extremamente importante. Voltando um bocadinho atrás, é necessário ter a capacidade de parar e de analisar quando temos um instinto. Há uma técnica muito útil, que chamo a técnica do pote: pára, observa, transforma e envolve. Na prática, isto tem como objetivo passar aquilo que é emocional para a nossa consciência racional. Isto é algo que o ser humano consegue fazer. Depois é que surge a IA, que é uma arte. No meu ponto de vista, não conhecendo muito bem a ferramenta, penso que é quase como uma fórmula matemática, pois dou-lhe um dado e só com base nisso, ela vai dar-me soluções, não pensando em mais do que aquilo que lhe peço. As decisões são tomadas pelas pessoas em todos os momentos, mesmo que não sejam as melhores, são fruto do conhecimento que possuímos naquele instante. É importante estarmos atentos ao mercado e ao que ele envolve e, para isso, devemos ter os sentidos bem alerta, porque o grande potencial para o sucesso está relacionado com o domínio que temos dos fatores que nos rodeiam. É como conduzir um automóvel: é preciso estar atento à estrada e a tudo o que possa acontecer, sendo que o objetivo principal é chegarmos ao destino traçado com sucesso.
RC > Gerir uma empresa nos dias que correm é mais ou menos difícil do que há uns anos?
SD > Diria que é mais difícil gerir uma empresa nos dias de hoje. Porque, atualmente, os contextos mudam a cada mês, a cada dia e até a cada hora. Se recuarmos aos anos 1980/90, conseguíamos ter ciclos constantes de um ou dois anos, em que o contexto pouco mudava e as decisões que eram tomadas em tinham maior probabilidade de ser assertivas. Hoje, temos ciclos de um ou dois dias. Existem muitas variáveis e maior variabilidade de fatores, e isto é extremamente importante, porque temos de ter em conta que as empresas são feitas por pessoas e para pessoas que têm necessidades diferentes. Nos anos 1980/90, a maior preocupação para os trabalhadores era o fator financeiro. Atualmente, esse fator não deixa de ser importante, mas surgem outros que também são determinantes. Quem lidera na atualidade tem de estar atento a todas as (muitas) variáveis. O líder atual tem de saber agir em função delas, em vez de reagir. E para agir é preciso ter capacidade de escutar.
RC > Como perspetiva as lideranças no futuro?
SD > A liderança tem de ser sempre focada nas pessoas. Atualmente, no nosso país, ainda não estão desenvolvidas. Temos mais chefias do que liderança. Hoje, e no futuro, um líder necessita estar muito mais atento às pessoas. O mercado e tudo o que o envolve mudou muito, por isso, daqui para a frente, para liderar é preciso escutar, envolver e compreender. Existem vários tipos de liderança, mas existe uma que chamo de liderança “adaptacional”, que pode também ser chamada de liderança situacional, em que o líder tem de se adaptar em função da situação, por isso, é necessário estar atento e entender todos os fatores que envolvem o meio em que está inserido. Quando temos uma empresa, cada pessoa que faz parte dela é única e completamente diferente das outras. É preciso saber quais são as necessidades de cada pessoa e o que as motiva individualmente. O líder do futuro não deve tentar motivar. Deve procurar meios para que as pessoas na sua empresa se motivem. Na prática, o líder não “empurra” as pessoas, procura estratégias que façam que as pessoas o sigam, pela sua iniciativa, vontade e motivação. É um processo simples, mas não é fácil de executar, é preciso ter uma grande capacidade de escuta para perceber o que motiva o outro. Há a ficha de cadastro pessoal, que se utilizava muito na gestão de pessoas numa empresa. Paralelamente, deve ser criada uma ficha psicológica do trabalhador, em que esteja explícito quais os seus objetivos, o que o move e o que considera importante na sua esfera profissional.
RC > Podem existir boas empresas com pessoas infelizes?
SD > Não existe essa hipótese. A felicidade é alcançada quando efetivamente uma pessoa consegue ter resultados superiores às expectativas que criou. E, por isso, é necessário saber o que a pessoa espera, para que se possa encontrar estratégias para promover o seu bem-estar e a sua felicidade. Quando uma pessoa não está feliz em algum lado, a primeira coisa que ela quer é sair desse sítio, portanto é necessário tentar mudar o discurso do “tenho de ir trabalhar”, para o “vou trabalhar”. Outra estratégia que pode ser implementada, quando possível, é a substituição do horário pela tarefa, porque não deve ser importante a hora que entras ou a hora que sais, mas sim o trabalho que desenvolveste nesse intervalo.
RC > A Benedita reclama, há décadas, uma área empresarial. Mas, mesmo sem infraestruturas, chegou a ser a freguesia mais industrializada do país. O que esperar da freguesia com uma área empresarial?
SD > Um desenvolvimento natural. A infraestrutura será importante para organizar e motivar as pessoas para desenvolverem as suas empresas e serem mais criativos. A génese da Benedita é de pessoas empreendedoras, que poderão solidificar mais as suas empresas, muitas delas que são já conhecidas mundialmente. Ainda assim, é necessário retirar as burocracias todas, porque o país está cheio de problemas no que diz respeito a esse aspeto. Se um empreendedor tem uma solução, o país e as organizações competentes arranjam-lhe cinco problemas. Outra coisa que tem uma extrema importância nesta futura área empresarial são as ligações rodoviárias e, nesse sentido, precisamos de muito mais fluidez, porque elas serão determinantes para atrair outros empreendedores.
RC > O estado tem olhado para a região da forma que ela merece?
SD > Não, nem para esta região, nem para o país. Nós, enquanto empreendedores, devemos ver as nossas ideias acarinhadas e apoiadas. Naturalmente que tem de haver regras, mas coisas simples e não complexas. Além disso, é importante preparar os empresários para aquilo que pode acontecer, ao invés de os “castrar”.
RC > A região tem uma forte componente turística e de serviços. Mas como capitalizar a onda gigante da Nazaré ou o Mosteiro de Alcobaça para a economia local?
SD > É preciso criar uma cultura interna de receber, tendo hotéis, restaurantes e restantes serviços suficientes. Depois deve ser criado um processo de comunicação. Se falamos de Nazaré e Alcobaça, também podemos juntar aqui Fátima, procurando atrair o turismo religioso. É necessário incentivar as agências de viagens, outras entidades importantes neste e os indivíduos responsáveis pela organização deste género de rotas, de modo a criar linhas e estratégias para divulgar isto para todo o mundo. Por outro lado, não podemos estar a promover o turismo religioso a uma escala mundial sem estarmos preparados para o desafio.
RC > Os empresários estão a saber aproveitar as potencialidades dos fundos europeus ou limitam-se a beneficiar dos fundos para manterem as empresas?
SD > Do meu ponto de vista, que é muito particular, penso que muitos dos empresários olham para os fundos para fazerem a gestão corrente dos negócios e não de uma forma estratégica. Quando dizia que os empresários precisam ser preparados é no sentido de criarem uma visão estratégica. É importante reter a ideia de que a alavancagem financeira externa deve ser para fomentar a criatividade da empresa, maximizá-la em termos tecnológicos e para desenvolver pessoas mais competentes. Os fundos devem servir para “olear” a máquina e não para “tapar buracos”.
RC > Muitos dos empresários atuais passaram por escolas comerciais. O país deveria voltar a ter um modelo formativo mais prático?
SD > Diria que é fundamental. “Desprezar” as escolas industriais e comerciais foi um erro da educação em Portugal. Há muitas empresas de sucesso que são geridas por pessoas com a quarta classe porque elas são exímias naquilo que é o “saber fazer”. Atualmente, no recrutamento de uma empresa vale mais o “saber ser” e o “saber fazer” do que propriamente o currículo académico.
RC > As empresas estão a levar a sério as questões relacionadas com as alterações climáticas?
SD > Podem não levar muito a sério, mas estão a caminhar nesse sentido. A legislação também o exige. A pedagogia ambiental de uma empresa depende de todas as pessoas que fazem parte dela e, nesse capítulo, penso que exista cada vez maior consciência e sensibilidade de administradores e funcionários.