A aplicação de sanção disciplinar de demissão de dois associados do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (Ceeria) incendiou a última assembleia geral da instituição, que decorreu no passado dia 28 de novembro. Em causa, segundo a proposta da Direção, estavam “eventuais benefícios fiscais injustificados e indevidos através de faturas do Ceeria emitidas indevidamente desde julho de 2016”. Porém, o ponto acabaria por nem ser votado por ter sido retirado da ordem de trabalhos.
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Mais de meia centena de sócios foram confrontados com o pedido de sanção disciplinar dos associados Sandra Fróis e João Tomás. Segundo o documento lido pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral, Silvino Trindade, em substituição de Lara Martins, os atos praticados configuravam uma “utilização abusiva e ilícita do número de contribuinte da IPSS”.
Na sequência da leitura da proposta de sanção disciplinar, a advogada de defesa dos sócios visados interrompeu a sessão, argumentando que o procedimento era “nulo”, pois “não foram os associados, notificados da decisão, nem foram asseguradas as garantias de defesa”, sendo “o processo decidido de forma autocrática pelo presidente da instituição”. A presença da causídica exaltou os ânimos e motivou nova troca de argumentos. “A ideia não é retirar sócios de forma gratuita. A análise efetuada pela Direção parece indicar ter existido uma situação com as faturas e deixar as coisas rolarem assim, como se não tivesse acontecido nada e as faturas não estivessem no E-Fatura dos sócios, também nos parece um ato negligente”, justificou José Godinho, reforçando não existir “qualquer intenção contra sócio nenhum”. “Se as faturas estão no E-Fatura do agregado familiar vai haver um benefício fiscal por parte das Finanças, como se o Estado estivesse a dar um duplo benefício. Se isto é detetado e se não pegamos nisto e entregamos, como fizemos, ao Ministério Público para que faça investigação…”, argumentou José Godinho, garantindo que “já vários colaboradores da contabilidade prestaram declarações para se tentar descobrir quem foi que, do Ceeria, que passou as faturas”. “Não foi no nosso mandato que isto aconteceu”, atirou ainda o dirigente, antes de propor a retirada do ponto em discussão. “Se este assunto está a causar tanta polémica e a trazer tantos sócios para discutir este assunto, por que não retirar o ponto?”, assumiu. “Pondere-se a retirada do ponto, retira-se a polémica, mantêm-se as coisas como estão, mas pelo menos alguma coisa a Direção do Ceeria fez quando detetou qualquer coisa”, justificou José Godinho.
A proposta acabaria por revoltar alguns associados, pedindo que a defesa dos sócios visados fosse efetuada. “Recuso, mesmo que o ponto seja retirado, pactuar com uma situação em que alguém é acusado e não tem o direito de se defender. Isso era anterior a 25 de Abril de 1974. Mesmo que o ponto seja retirado, reitero que a assembleia possa ouvir os visados e a advogada porque não pode ser negado a ninguém o direito de se defender”, atirou um dos associados.
A indignação prosseguiu: “Esta é uma casa que deve transmitir solidariedade, acolher e ajudar, nunca ser uma casa preparada para expulsar. Há problemas, litígios e desconforto, analisam-se com calma e serenidade. Agora propor uma assembleia que expulse dois sócios porque há um litígio entre os sócios e a instituição não faz sentido”, criticou outro dos associados, que foi mais longe: “o modo como esta assembleia está a funcionar tem um défice democrático muito grande”.
A advogada procedeu, então, à leitura da defesa, explicando a “enormidade dos factos falsos constantes nos procedimentos disciplinares“ e assegurando que as “garantias de defesa não foram asseguradas”, num procedimento que “não tinha condições para ir a uma assembleia”. “É o próprio presidente a assumir que as faturas e recibos, juntos nos procedimentos disciplinares, não eram enviados à família, nem nunca foram solicitados ou impressos, logo nunca os sócios visados poderiam ter conhecimentos das faturas que o Ceeria processava em nome do utente. O Ceeria usou indevidamente e abusivamente o nome e o contribuinte do utente e não o contrário”, sustentou.
O presidente da Direção, eleito em finais de 2020, voltou a defender-se, recordando um período – entre 2015 e 2020 – em que, referiu, aconteceram “coisas muito feias” dentro da instituição. “Esteve para haver julgamentos, que foram adiados. Não estou a falar da Direção anterior, mas da área financeira. Esta situação decorre nos tribunais e há de chegar o momento”, insurgiu. Numa declaração enviada à Mesa, e lida já no final da reunião, o ex-presidente da Direção, José Belo, mostrou a “estupefação” e o “repúdio” face às afirmações proferidas no documento anexo à proposta de demissão.
Na assembleia, a última antes das eleições que vão decorrer ainda este ano, foi ainda aprovado o plano de atividades e o orçamento do Ceeria para 2025, fixado ligeiramente acima dos 3,27 milhões.
Acusações ‘grafitadas’ em muro
O muro do Ceeria foi vandalizado durante a madrugada de quinta-feira, antes da realização da Assembleia Geral, com uma acusação sob a forma de “grafiti”, onde se podia ler “Mais de 80 empregados despedidos do Ceeria agor sao os sócios porque 80?”. Confrontado sobre a acusação, o presidente da Direção do Ceeria defendeu-se: “A única explicação que temos é que estou a chegar ao fim do mandato e ouve-se por Alcobaça que existe uma outra lista candidata ao Ceeria, que é, agora, uma instituição muito mais apetecível do que foi nos últimos anos”, referiu José Godinho. O muro acabaria por ser limpo antes da hora de almoço.