Aos 88 anos, Marília do Sá continua a dar trabalho às mãos — e à cabeça. Natural da Póvoa e residente no Casal da Areia, é uma das figuras mais ativas do Centro de Bem-Estar Social de Coz, onde está há mais de uma década. Tornou-se a “costureira de serviço”, especialmente em tempos de festa, como na popular “Festa das Cerejas de Coz”, celebrada no Corpo de Deus, que se realiza na próxima quinta-feira.
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“Este ano fiz cerca de 1.500 cerejas”, conta orgulhosa, enquanto mostra as pequenas peças de arte, umas em tecido vermelho, outras em Chita de Alcobaça. “Começo a fazê-las por volta de março, porque é preciso tempo”, explica. As cerejas são depois vendidas durante as festividades, com os valores angariados a reverterem inteiramente para a instituição. “As pessoas dão o que querem, e a verba é para ajudar o Centro. Não é nada para mim”, sublinha. “Já houve quem desse 5 cêntimos, e já houve quem desse 20 euros”, revela a diretora técnica da instituição, que não poupa elogios à utente. “É uma mulher muito proativa. Chega todos os dias e pergunta o que há para fazer. Quando não há nada, ela inventa. Leva sacos de trabalho para casa, pensa em ideias novas. E nunca quer nada para ela”, acrescenta Alda Gomes.
Mas Marília do Sá não faz apenas cerejas. Com um talento natural para os trabalhos manuais e uma criatividade apurada, já produziu almofadas de retalhos, tranças decorativas, diversas frutas e legumes em tecido, remendos e até rodilhas — as tradicionais almofadas redondas usadas para equilibrar tabuleiros de pão na cabeça para as Festas do Espírito Santo. Entre linhas e agulhas, o que faz não é só bonito: é útil, funcional, tradicional — e profundamente ligado à identidade daquela comunidade.
Sem nunca ter tido formação em costura ou moldes, Marília do Sá é autodidata. Tudo o que sabe foi aprendido com o olhar atento, com muita imaginação e com uma grande vontade de estar ativa. “Nunca aprendi costura. Tudo o que faço vem da minha cabeça”, diz, com naturalidade. Mas basta ver as suas peças para perceber que há ali muito mais do que habilidade: há paciência e, acima de tudo, carinho por aquilo que cria.
A sua história de vida também é feita de trabalho. Viveu no Alentejo, onde o marido era resineiro, e foi lá que aprendeu a fazer cestos de junco — uma tradição que ainda hoje pratica com habilidade no tear. Mais tarde, emigrou para a Alemanha. “Trabalhei cinco anos em limpezas e a tomar conta de crianças. Fazia o que calhava, mas fazia tudo bem feito. Regressei para poder autorizar a minha filha a casar”, conta.
Foi no Centro de Coz que encontrou uma segunda casa — e uma nova missão. Chegou de cadeira de rodas, mas depressa pôs o corpo e a mente a trabalhar. “Pedi logo: deem-me que fazer. Quero estar ocupada”, lembra. E, desde então, não parou. “Não é vaidade, é muito orgulho que sinto pelo que tenho feito”, partilha. Não quer palmas, nem grandes elogios, a preocupação é saber se ainda há tecido para criar mais um par de cerejas para oferecer ao REGIÃO DE CISTER, mas não sem antes pedir autorização à diretora técnica.