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Aos 33 anos, os médicos prepararam-na para o pior. América Albano estava gravemente doente e poucos acreditavam que sobrevivesse. Mas contrariou todas as previsões, e, no passado sábado, celebrou 100 anos com unhas pintadas, cabelo arranjado, um sorriso aberto e uma memória de fazer inveja a muitos(as) jovens.
A celebração decorreu na Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça, onde vive desde agosto de 2023, e juntou familiares e amigos para assinalar um século de vida de uma mulher – mãe de uma filha, avó de dois netos (e de outros tantos “adotados”) e bisavó de um bisneto – que rendilhou uma história de vida singular.
“Não esperei chegar aos 100 anos”, confessou a alcobacense, num tom de voz baixinho, entre sorrisos. “Muito bom, muita alegria ver estas pessoas todas aqui”, acrescentou a centenária, levando as mãos ao peito num gesto de gratidão.
Nascida em Lisboa, mas alcobacense de alma e coração, América começou a aprender a costurar ainda menina, logo após concluir a 4.ª classe — “com um B grande”, como faz questão de sublinhar. Iniciou-se com o alfaiate Serafim Coelho Amaral, o único, recorda, que pagava às aprendizes: três escudos por semana. Começou por fazer peças para homem, mas rapidamente passou à costura de senhora, com a ajuda da D. Amália.
Aos 18 anos, partiu para Lisboa com o irmão e a cunhada, modista, para aperfeiçoar o ofício. De regresso a casa, lançou-se por conta própria e tornou-se uma referência da costura em Alcobaça. “Trabalhei em casa de senhoras muito boas… não sou vaidosa, mas nisto sou”, contou ao REGIÃO DE CISTER quando ainda vivia em sua casa. Perdeu a conta às centenas de vestidos de festa, fatos para criança, rendas delicadas, tudo feito à mão, com esmero, rigor e amor.
Teve duas empregadas, trabalhava noite e dia, até que o corpo cedeu. A entrega ao trabalho levou-a ao hospital com uma grave doença intestinal. “Tudo leva a crer que tenha sido da pressão e do esforço”, explica a filha, Ana Maria. Seguiram-se mais de 30 transfusões de sangue, quedas, fraturas e muitos sustos. Mas foi resistindo.
Desde que faleceu o marido, o “único namorado” que teve – Fernando da Trindade Albano, antigo comandante dos Bombeiros de Alcobaça, – América passou a dormir em casa da filha, mas continuou a frequentar a sua casa, onde mantinha a velhinha máquina de costura Singer. Até há bem pouco tempo, ainda passeava no rossio, para dar dois dedos de conversa com as amigas.
Mudou-se para o lar da Santa Casa da Misericórdia há dois anos, que se engalanou para celebrar o centenário da utente. É, aliás, a primeira vez que a instituição acolhe duas pessoas com 100 anos ou mais.
Vizinha do REGIÃO DE CISTER enquanto viveu na Rua Frei António Brandão, América também foi surpreendida pela equipa com uma edição exclusiva do jornal, cuja primeira página foi dedicada aos 100 anos da “nossa” querida “avó” América.