Depois de ter sido eleito vereador, o candidato da CDU eleva a fasquia, ambicionado conquistar a presidência da Câmara. Com fortes críticas ao PS e PSD, defende uma auditoria interna às contas da autarquia e revela prioridades.
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REGIÃO DE CISTER (RC) > Na terceira vez que se candidatou à Câmara da Nazaré foi eleito vereador. O que acredita que pode acontecer agora nas próximas eleições?
JOÃO PAULO DELGADO (JPD) > Há quatro anos regressámos ao executivo municipal, depois de 40 anos de ausência. E isso foi muito significativo, do ponto de vista da intervenção democrática e da dinâmica que o órgão passou a ter depois da entrada da CDU. Agora é aprofundar essa lógica de intervenção e nenhuma outra força política atualmente na Nazaré tem tanta legitimidade para reclamar a governação municipal como a CDU, apenas com base no trabalho desenvolvido e não em coisas de menor importância.
RC > É diferente ser uma força de oposição fora e dentro do executivo. Que diferença fez a CDU no executivo nestes quatro anos?
JPD > Basta consultar as atas das reuniões de câmara para perceber o volume da intervenção da CDU e o impacto na vida de todos os habitantes do concelho e de quem nos visita, relativamente a matérias muito significativas, que foram aprovadas por proposta da CDU. A transmissão em direto das reuniões de câmara foi um passo essencial para que todos passassem a ver a forma como o PS governou a Câmara da Nazaré e o concelho durante estes anos. A criação do fundo municipal para a criação artística e literária, algo inédito na democracia do concelho. O apoio aos combustíveis na pequena pesca local; uma homenagem aos construtores do porto, infraestrutura essencial para o desenvolvimento do concelho; o aumento dos apoios à natalidade; a criação de uma rotunda em Fanhais, um ponto negro, onde tem morrido tanta gente, na ligação ao concelho de Alcobaça. Houve um sem-número de propostas propostas pela CDU, com alcance social brutal. Além da denúncia – na ação unilateral e pessoal do anterior presidente, Walter Chicharro, em adquirir garoupas para se promover pessoalmente numa candidatura ao Turismo do Centro e que foi buscar essas verbas ao orçamento da alimentação das nossas crianças, sem nenhuma justificação –, e da intervenção junto da população durante quatro anos, a CDU foi uma força de proposta. Na área da mobilidade e transportes, ninguém interveio como a CDU naquilo que é um dos problemas mais graves do concelho, particularmente na sede do concelho. E nós, junto da população, denunciámos o que estava a ser um aumento de preços exorbitante dos transportes urbanos rodoviários para que houvesse um volte-face. E ironicamente tudo veio ao encontro daquilo que a CDU exigia no meio do mandato, ou seja, os transportes urbanos públicos serem tendencialmente gratuitos, como agora são. Não por iniciativa da câmara, mas pela OesteCim. Foi um período muito rico de intervenção da CDU, um grande contributo para a democracia local e que agora tem de ter consequência, designadamente com esta possibilidade de governar o município. Não é favor nenhum que fazem à CDU, isto assenta em mais de 20 anos de trabalho de um grupo muito coeso. No Oeste, o concelho da Nazaré é o que tem rendimentos de trabalho mais baixos, por contraponto à concentração de riqueza, que é a maior de toda a região. O que falta nos trabalhadores concentra-se em meia dúzia de operadores. Temos um concelho altamente dependente do turismo, onde 60% da atividade económica da riqueza criada é concentrada apenas em quatro empresas. Isto é a falência total daquilo que é a economia política. Queremos inverter isto porque temos soluções. Quando todos andavam embriagados com as luzes do sucesso aparente da Nazaré, fomos nós, praticamente sozinhos, que corroemos esta retórica de sucesso do PS, que deixou de ser uma solução para a Nazaré. O PSD também não é solução porque se demitiu de fazer oposição durante quatro anos, não é solução porque as alternativas constroem-se ao longo dos anos, não é a quatro ou cinco meses das eleições que se podem arvorar em solução porque, de facto, não o foram nunca. Remeteram-se ao silêncio durante quatro anos. A denúncia e a proposta foram sempre asseguradas pela CDU.
RC > O que ficou por fazer?
JPD > Há sempre muita coisa por fazer. Temos tentado ter esse esforço de acompanhar toda a evolução do concelho. Essa questão do aprofundamento da democracia é gritante na Nazaré. Criou-se um clima de medo e perseguição, que muitos de nós fomos alvo, por esta atitude de denúncia. É imperativo restituirmos à Nazaré um clima de pacificação democrática, em que as pessoas possam ter visões diferentes do mundo e ainda assim conviver harmoniosamente. É possível haver uma boa convivialidade democrática entre autarquias. O que foi um desastre com este PS. Veja-se o que se fez à Junta de Valado dos Frades, com atitudes absolutamente antidemocráticas, fascizantes, que queriam obrigar o representante da CDU da Junta na Assembleia Municipal a votar, não como estava definido no grupo da CDU, mas como o PS queria que se votasse os orçamentos municipais. Sentimos muito na pele aquilo que era uma intervenção firme para defender os interesses da população e não os interesses de meia dúzia de grandes fortunas que continuam a pautar o ritmo económico e social da Nazaré. É uma questão estrutural e histórica. Importa alterar e temos soluções para isso. Temos as questões prioritárias da habitação. Passaram mais quatro anos e nem um tijolo se colocou nesse sentido. O PS desperdiçou a oportunidade histórica de aceder aos fundos do PRR para isso. A Nazaré continua exatamente como estava há 12 anos quando este PS entrou, dizendo que essa era uma das prioridades. Veja-se a possibilidade de habitação a custos controlados, já com infraestruturas instaladas em Fanhais, e está exatamente igual ao que estava há 13 anos. Como queremos desenvolver um concelho se não se criam as condições necessárias para fixar a população no próprio concelho? Outra questão prioritária, que agora virou uma questão de saúde pública por causa da contaminação bacteriana dos veraneantes que foram a banhos, o saneamento básico. A onda gigante da Nazaré rebentava em Times Square, em Nova Iorque, e em Raposos, na Macarca, Mata da Torre, e grande parte da freguesia da Famalicão, não há saneamento básico. A questão é definir prioridades. Para onde vai o erário público? Para equilibrar a vida das pessoas ou para cavar ainda mais o fosso e as desigualdades sociais gritantes?
RC > O que muda (se muda) no manifesto eleitoral da CDU para estas eleições?
JPD > Nenhum voto se perdeu daqueles que acreditaram há quatro anos na CDU porque, de facto, fizemos aquilo que nos comprometemos com o eleitorado. Se formos o próximo governo municipal vamos ter a coragem e a força política que tivemos na oposição durante estes quatro anos para materializar as nossas prioridades. Agora é fácil prometer tudo, com recurso a novas técnicas. É possível apresentarmos as soluções mais mirabolantes para o que quer que seja. Mas temos de partir de uma premissa base. Era bom que todos assumissem isto. Temos de fazer uma auditoria séria e independente às contas da câmara para perceber o real estado das coisas. Temos muitas dúvidas sobre muita coisa que se passa lá. A dívida formal, que hoje temos acesso, é superior a 33,2 milhões de euros. Se o PSD nos deixou uma carga que andamos todos a suportar de 42 milhões de euros, o PS, dizendo resolver esse problema, deixa-nos esta dívida. É, logo, um espartilho terrível para quem assegurar os destinos da Câmara. Independentemente da verba que exista, há as prioridades da habitação, da mobilidade e transportes – tem de haver uma estratégia dissuasora de trânsito, que contemple parques periféricos e uma rede de transporte que possa distribuir as pessoas por todo o concelho – e do saneamento básico. Temos de renegociar a dívida junto do FAM para poder baixar impostos e taxas e serviços municipais. Hoje pagamos tudo no máximo e há responsáveis por isso. É preciso uma gestão criteriosa e racional da dívida pública. Nunca poderíamos gastar milhões em futebol de praia e iniciativas de surf e a população carregar a dívida nas costas. Adquirimos um estádio de praia para ser utilizado dois meses por ano, investimos 300 a 400 mil euros em iniciativas de andebol e futebol de praia, mas temos um pavilhão em Famalicão em construção há 30 anos. De tudo o que foi estrutural, raramente se fez o que era necessário numa promoção exacerbada. Do ponto de vista conjuntural, e à epiderme das coisas, gastaram-se milhões.
RC > A CDU tem sido muito crítica sobre o modelo que os executivos têm gerido o turismo. O que significa, na prática, um modelo de turismo sustentável para a CDU?
JPD > Defendemos um modelo equilibrado, que não carregue demasiado as contas públicas, que haja essa divisão de responsabilidades e de investimento entre o público e privado. Queremos um turismo que seja amigo das populações e não inimigo. Há uma expulsão de famílias da Nazaré pela forma como a especulação imobiliária se veio a consolidar, como resultado de uma promoção turística absolutamente imprópria para o que a Nazaré consegue suportar. Há uma agressão completa na defesa do nosso património ambiental, natural, além do edificado. Se não fosse a CDU, tínhamos hoje um zipline e uma plataforma no Bico da Memória. Turismo sim, mas o turismo não é só mar e praia. Há o turismo de aventura, de contemplação da natureza, amigo da natureza e dos territórios. A Nazaré está a sofrer desta adulteração completa, dessa descaracterização abruta e que queremos travar. Queremos turismo equilibrado ao serviço das pessoas e não contra as pessoas.
RC > Há críticas frequentes de que o investimento se concentra na vila da Nazaré. Que propostas têm para reforçar o papel das freguesias de Famalicão e Valado dos Frades?
JPD > Quando falamos de investimento na sede do concelho é, essencialmente, na primeira linha da marginal. A CDU propõe esse investimento de forma equilibrada e hoje temos um território completamente assoberbado, na sede do concelho a capacidade de expansão está muito limitada. Temos de olhar para as freguesias de Valado dos Frades e Famalicão como polos agregadores de investimento, fundamentais de desenvolvimento e produção nacional. Temos de olhar para os setores primários, que foram paixões de pouca dura durante a pandemia. Projetar os produtos endógenos, promover estes territórios pela centralidade que têm no País e pelas vias ferroviárias e rodoviárias. No concelho temos grandes condições para aproveitar os recursos que temos e colocar ao serviço da população. Valado e Famalicão tem um potencial enorme de desenvolvimento, mas também nas questões da habitação.
RC > Que propostas há para a cultura?
JPD >A cultura é um elemento central e tem sido uma área absolutamente sonegada dos programas eleitorais dos últimos anos e o investimento público tem sido ridículo. O Centro Cultural da Nazaré tem carecido de uma falta de investimento brutal, não temos uma galeria municipal digna desse nome. Temos remendos; a Paul Girol foi uma coisa mal amanhada que fizeram na biblioteca municipal. Nenhuma galeria pode ter luz natural a incidir nas obras. Propomos que se transforme o Centro Cultural da Nazaré num espaço multiusos, mas, essencialmente no piso térreo, uma galeria municipal.