Quinta-feira, Novembro 28, 2024
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Alexandre Delgado em entrevista

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Um dos diretores artísticos do Cistermúsica diz que o festival já merece projeção internacional e a atenção das televisões nacionais, dada a qualidade do evento, elogiando o trabalho da Banda de Alcobaça na organização do festival.

Um dos diretores artísticos do Cistermúsica diz que o festival já merece projeção internacional e a atenção das televisões nacionais, dada a qualidade do evento, elogiando o trabalho da Banda de Alcobaça na organização do festival.

REGIÃO DE CISTER (RC) > É um dos grandes cicerones do Cistermúsica, fazendo questão de apresentar os espetáculos da programação principal. Como é que veste esse papel?
Alexandre Delgado (AD) > Já faço isso naturalmente… Sou eu que defino a maior parte dos programas e, por isso, gosto de falar sobre os intérpretes e sobre os concertos. Gosto muito desse papel, até porque entendo que é algo que faz falta às pessoas. Faz muita diferença um concerto ter uma introdução, por mínima que seja, pois muda a maneira de o público ver os concertos. E essa é a minha experiência desde sempre. Há espetáculos em que os intérpretes chegam, tocam e vão embora, sem haver uma troca de palavras, tornando-se numa coisa muito fria. Nos concertos de música erudita, sobretudo em Portugal e em sítios onde não há habitualmente concertos, as pessoas ficam muito hirtas, com medo de bater palmas fora do sítio. Isso é absurdo. Essa coisa de a pessoa não bater palmas é uma invenção muito recente. Dantes batia-se palmas a meio da música, como hoje se faz no jazz, sem problemas. O que é mau é haver essa rigidez. Haver a introdução e, nalguns casos, introduzir os próprios intérpretes na conversa, serve para aproximar as pessoas.

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RC > E tem noção que há um público que segue o Alexandre Delgado pelos vários espetáculos do Cistermúsica para ouvir as introduções?
AD > Há pessoas que me dizem isso (risos). O público do Cistermúsica é muito variado. Há programas mais populares e outros para um núcleo mais restrito, de pessoas mais entendidas, e portanto é um público muito misturado. Por outro lado, o facto de as pessoas me conhecerem tem a ver com os 17 anos de um programa de rádio que tive na Antena Dois, que conquistou muitos ouvintes durante muitos anos.

RC > A edição de 2015 terá sido a melhor de sempre, por vários fatores. É também esse o sentimento que tem?
AD > Todos os anos dizemos que “este ano foi melhor que o outro”, mas este ano não há dúvidas do impacto que teve nas pessoas. Para mim, pessoalmente, foi inesquecível, porque se concentraram alguns dos melhores concertos de sempre do festival. Tivemos grupos excecionais, que suplantaram, inclusivamente, aquilo que esperava. Nunca tinha ouvido ao vivo o Gould Piano Trio, que apenas conhecia de gravações e foi extraordinário. Há grupos que se destacam nas gravações e outros nos concertos. Este consegue fazer bem os dois planos. O caso dos Éléments também me deixou muito satisfeito, pois nunca os tinha visto ao vivo. Estamos a falar de um grupo ao nível de uma Filarmónica de Berlim, mas com vozes! São solistas de primeiro nível e que cantam juntos numa perfeição absolutamente inultrapassável. Esses dois momentos foram marcantes, mas o concerto da Gulbenkian foi muito emotivo e o Requiem de Mozart também. Quando começou o Requiem tive de sair da Nave Central do Mosteiro, porque não aguentei… Ter ali 1.200 pessoas foi fantástico.

RC > Como se consegue trazer nomes consagrados a um festival a Alcobaça?
AD > Fazemos um ponto de partida, pois o nosso festival tem um orçamento baixo para a qualidade que tem. É necessário explicar aos grupos que se trata de um festival de uma pequena cidade, com poucos habitantes e sem meios financeiros, e depois falamos do Mosteiro, claro está, pois é um espaço marcante. Nunca pagamos fortunas aos grupos que vêm ao Cistermúsica e esses grupos têm de aceitar preços especiais para vir a Alcobaça. Essa é uma das características desta equipa do Cistermúsica. Nós não fazemos aquilo que é hábito em Portugal, e que não é bom: contratar as pessoas, perguntar quanto levam e pagar-lhes, sem pestanejar. Nunca fizemos isso, pois estamos num país pobre, que não pode pagar o mesmo que outros. E, além disso, estamos num concelho que não é propriamente dos mais ricos. É preciso fazer render bem o dinheiro e o que tem acontecido é que estes grupos vêm uma vez ao festival e depois querem voltar, quase sempre até por menos dinheiro. O Gould Piano Trio e Los Éléments querem voltar e os Discantus gostaram tanto da acústica do Dormitório do Mosteiro que querem cá gravar um CD. Espero que se concretize. A diretora do Mosteiro [Ana Pagará] está muito empenhada nisso. 

RC > A internacionalização do festival está para breve?
AD >
Ainda não temos nada fechado, mas está, certamente, para muito breve. Seria muito bom que o Cistermúsica tivesse essa visibilidade, mas para acontecer é necessário que a televisão dê atenção ao festival. O concerto da Academia de Dança de Alcobaça na noite Nonstop no Mosteiro foi algo de tão mágico e espantoso que merecia ter tido espaço nos noticiários da televisão. São sempre os mesmos festivais e instituições que aparecem na televisão. Há constantemente coisas importantes que ficam de fora. 

RC > Como tem sido a parceria pessoal com Rui Morais na direção artística do festival, sendo ele também o diretor executivo?
AD >
Do Rui Morais só posso dizer que adoro trabalhar com ele. É uma pessoa na qual tenho confiança total. Creio que nos completamos bastante. Ele toca em aspetos práticos e tem imensa visão, uma espécie de sexto sentido para a realidade local e nacional, e consegue fazer apostas que eu, à partida, não as faria, por não ser bem a minha área. Essa combinação de uma programação artisticamente interessante e original, misturada com propostas populares, como neste ano tivemos a Carmina Burana, combinada com a ambição do Rui e a capacidade dele de concretizar e mover uma equipa sensacional como a da Banda de Alcobaça, é o segredo do Cistermúsica. 

RC > Quando é que ganhou o gosto pela música?
AD >
Confesso que, antes da música, a minha grande paixão era o teatro. Quando era miúdo, fazia grandes espetáculos de teatro na Cela Velha, convidava a população, fazia os textos, os cenários e era o ator principal. Sempre adorei teatro e escrevi peças. A música foi algo que sempre adorei, cheguei a organizar festivais da canção e a compor muitas canções, mas tinha a sensação que era tarde demais para me dedicar à música. Só comecei a aprender no ciclo preparatório, naquelas aulas de Música que toda a gente tem, com flauta de bisel. Tive uma professora maravilhosa, Fátima Fraga, e foi graças a ela que acabei por seguir a carreira. Ela chamou o meu pai e disse-lhe que era um crime eu não aprender música. 

RC > E depois da flauta de bisel qual foi o primeiro instrumento que tocou?
AD >
Quando fui para a Fundação Musical dos Amigos das Crianças comecei pelo violino, mas o instrumento que queria mesmo tocar era a harpa. Foi a diretora da escola que me disse que era do violino que eu gostava… e ainda bem que o fez, porque o violino dá outra mobilidade, permite tocar em orquestras e isso foi decisivo. Fazer o meu primeiro concerto em público na Aula Magna de Lisboa foi decisivo e disse para mim próprio que era aquilo que eu queria fazer. Tinha 13 anos. 

RC > Mencionou a Cela Velha. Que memórias guarda desta localidade e da infância?
AD >
Na Cela Velha temos a casa de férias de verão de toda a vida. Quando era pequeno passava aqui quase quatro meses de verão. A minha primeira recordação na vida está associada a esta casa, que é a nossa verdadeira casa de família. Quando convido amigos, eles ficam absolutamente apaixonados com a casa. 

RC > E como é a sua relação com os habitantes da Cela Velha?
AD >
É muito próxima, porque houve uma relação de grande afetividade com o meu avô [o general Humberto Delgado], que defendeu muito as pessoas da Cela Velha e que contribuiu muito socialmente, até aquando do projeto do Paúl da Cela, que foi uma grande obra hidráulica, nos anos 1950. O meu avô foi crucial para que Salazar desbloqueasse o projeto. As pessoas da Cela Velha têm uma ligação muito forte com a quinta e que até já vinha de trás, porque a família Andrade está aqui desde o século XVI. A capela da quinta era a capela da aldeia, era aqui que se faziam as missas e as festas populares. A quinta era o centro da aldeia. 

RC > Como vê a cidade de Alcobaça?
AD >
Não moro em Alcobaça, mas tenho uma ligação muito próxima à cidade e acabo por fazer uma avaliação da cidade. Continuo sempre a bater no mesmo ponto: a zona antiga de Alcobaça está esquecida, abandonada e isso é algo que tem, urgentemente, de mudar. Aquela quantidade de casas abandonadas no centro é algo de impensável. Outra coisa que é absolutamente necessário mudar é a sinalética. Costumo dizer que Alcobaça tem a pior sinalética do País. Não há uma indicação para chegar ao Mosteiro. Quem chegue a Alcobaça e não conheça a cidade, perde-se. É, afinal, um problema tão simples de resolver e com pouco dinheiro. A cidade tem de ser mais amiga do visitante. Alcobaça é maravilhosa para quem está e conhece, mas quem não a conhece acaba por perder-se com grande facilidade. Depois, por outro lado, é necessário reforçar a ligação entre a cidade e o Mosteiro. 

RC > Em que medida considera que essa ligação deve ser reforçada?
AD >
Há coisas que têm de resolvidas noutro patamar, nomeadamente porque se trata de um património nacional, mas senti este ano com o Cistermúsica, talvez como nunca tivesse sentido, como a ligação entre Alcobaça e o Mosteiro é crucial para o desabrochar da cidade. O Claustro do Rachadouro ter 1.100 pessoas na Carmina Burana foi elucidativo para mim. Aquele Claustro tem de ser, obrigatoriamente, uma parte da cidade. Devia ser um prolongamento de Alcobaça, com lojas, restaurantes e uma via direta para o Mosteiro. Isso faria uma grande diferença. A requalificação da zona envolvente do Mosteiro teve um preço muito elevado e do qual nunca se recuperou. Aquele espaço tornou-se numa zona árida e desagradável. É algo que tem de ser corrigido urgentemente. O trabalho do Arq. Byrne não foi bom e tem de ser resersível. E depois tem um chão horroroso, que suja o Mosteiro. Além disso, nem fez o parque de estacionamento subterrâneo, que era a única coisa que podia justificar uma monstruosidade daquelas. Foi uma oportunidade perdida.

 

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