Despedir-se de um familiar é por estes dias um momento ainda mais solitário e difícil do que o normal. O novo coronavírus alterou profundamente os funerais, nos quais os abraços de conforto deram lugar a novos rituais de despedida minimalistas. As famílias compreendem mas não escondem a “estranheza” do momento. Aos profissionais das funerárias acresce mais uma responsabilidade: ser o ombro amigo daquele que se despede de um familiar sem “uma última despedida”.
Despedir-se de um familiar é por estes dias um momento ainda mais solitário e difícil do que o normal. O novo coronavírus alterou profundamente os funerais, nos quais os abraços de conforto deram lugar a novos rituais de despedida minimalistas. As famílias compreendem mas não escondem a “estranheza” do momento. Aos profissionais das funerárias acresce mais uma responsabilidade: ser o ombro amigo daquele que se despede de um familiar sem “uma última despedida”.
Para o proprietário da Agência Duarte, de Alcobaça, a situação vivida atualmente pelo setor é um “misto de emoções”. “Este surto levou à suspensão do culto da despedida do familiar, que é um dos momentos mais importantes. É com a palavra de despedida do padre, com os amigos e restantes familiares ao lado e entre palavras de conforto e abraços que estamos habituados a dizer adeus ao nosso ente querido. Agora tudo isso mudou”, revela Fernando Duarte ao REGIÃO DE CISTER. O proprietário da empresa, com mais de 50 anos de atividade, conta que os fatos brancos de corpo inteiro de proteção contra contaminação biológica, as máscaras que cobrem todo o rosto e as luvas são a nova farda de trabalho, que tal como a desinfeção diária do veículo de transporte visam diminuir os riscos de contágio.
Com vista a garantir algum conforto à família e oferecer a normalidade possível à população, a Agência Duarte tem disponível no seu site um “espaço memorial”, através do qual os familiares e amigos dos defuntos têm a oportunidade de deixar algumas mensagens, que serão posteriormente compiladas e entregues aos familiares. Além disso, a funerária optou por continuar a afixar notas de falecimento no concelho o que, segundo Fernando Duarte, tem como intuito “informar a comunidade”. “Não é um convite para estar presente no funeral, mas sim uma forma de informar amigos que gostariam de dar uma palavra de conforto, nem que seja através de chamada telefónica”, nota.
Na opinião de Irene Matias, proprietária da funerária Dom Fuas, em Porto de Mós, os profissionais desta área têm agora a responsabilidade de apoiar, na medida do possível, as famílias que enfrentam a morte durante a pandemia de Covid-19. “Pode parecer uma medida ligeira, mas a verdade é que tem um grande impacto no luto das famílias. O facto de não terem todo o apoio da família ou dos amigos no funeral, de não poderem ver e dar um último carinho ao defunto e até a ausência de uma missa coloca em causa o luto. Há muita gente que não está a conseguir fazer o devido luto e isso provoca um vazio”, lamenta. Embora a população esteja consciente da necessidade de limitar ao máximo o contacto e as cerimónias, Irene Matias revela que é um desafio conseguir controlar as emoções perante a situação. “Nesta altura, até a nossa equipa que está habituada a lidar com situações semelhantes fica emocionada. Ver aquela pessoa a chorar a morte quase sozinha provoca alguma angústia”, confessa.
Na Agência Funerária Abílio Escolástico & Filhos, na Nazaré, a divisão dos funcionários em duas equipas foi outra medida encontrada para tentar reduzir os riscos de contágio. De acordo com Sílvio Escolástico, proprietário da empresa, também os procedimentos são feitos agora com mais “cautela e tranquilidade”, para garantir que “todas as medidas de segurança são respeitadas” e evitar que um momento de distração pode condenar a equipa. “O medo é diário, mas não podemos deixar de fazer o nosso trabalho da melhor forma. Em todas as decisões tomadas é necessário pensar na nossa segurança e também na dos que nos rodeiam”, assevera. Como forma de auxiliar os familiares, os funcionários da agência têm tentado estar mais atentos às necessidades emocionais e promover o diálogo. “Acreditamos que é importante que as famílias saibam que não estamos aqui apenas pelo negócio. Uma palavra de apoio e assegurar que tudo é feito com dedicação pode ajudar o luto”, considera.
Os especialistas lembram que a dificuldade em dizer um último adeus pode gerar nostalgia, sentimento de impotência e até culpabilidade entre os mais próximos do falecido. Cientes destes riscos, os profissionais das funerárias têm tentado ao máximo estar presentes e garantir a normalidade a uma situação que todos evitamos presenciar. “Neste momento trabalhamos na linha da frente da luta contra este vírus maldito e acho que o Governo não tem muita noção disso. Temos medo como o resto da população, mas é necessário cumprir o nosso dever e ajudar quem morre e as respetivas famílias a encontrar o descanso”, conclui Fernando Duarte. Assim são os funerais sem direito a despedidas.