Mais do que um livro sobre uma fábrica de garrafas, a obra do historiador Tiago Inácio, apresentada no Museu do Vidro, na Marinha Grande, é mais uma prova de que o início do desenvolvimento industrial da Martingança e de Pataias se deveu, a par da produção de cal, à indústria do vidro.
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Principal fornecedora das marcas Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas, a Fábrica da Estrela, na Martingança, foi, na década de 1940, a maior produtora de garrafas em Portugal. Era também a que detinha o maior número de máquinas semiautomáticas, o que permitia responder com eficácia às exigências dos clientes.
O livro “A Fábrica de Garrafas da Martingança – ‘Fábrica da Estrela’, história, memória e salvaguarda do património” começou a ser desenhado há alguns anos, depois de Tiago Inácio ter visitado, em 2015, as instalações da fábrica e ter ficado “fascinado” com a preservação do edifício, que foi adaptado pela empresa de moldes Iberonorma sem mexer em qualquer dos traços originais, do tijolo às vigas de madeira da enorme estrutura, incluindo as galerias subterrâneas e as condutas de gasogénio. O historiador, que desenvolve investigação ao serviço da União de Freguesias de Pataias e Martingança, apresentou o exemplo de preservação de património industrial da antiga fábrica da Martingança-Gare num congresso, publicou as reflexões na revista Almadam, mas quis saber mais sobre a fábrica que deu origem ao edifício.
O trabalho do historiador, que já tinha publicado, em 2018, um livro sobre as indústrias vidreiras de Pataias, inclui uma exaustiva investigação junto de arquivos nacionais, regionais e locais, fontes documentais de empresas e das entrevistas com aqueles que ainda têm memórias da fábrica, como o nonagenário António Moleiro, que entrou para os escritórios com apenas 14 anos, ou Vítor Alves, que viveu anos com a família na fábrica, onde o pai era responsável pelo transbordo do carvão para alimentar os fornos. “Só tenho pena de não ter ido a tempo de registar as memórias do meu avô, que lá trabalhou durante sete anos”, lamentou o autor na sessão de pré-lançamento, que contou com a vereadora da Cultura da Câmara da Marinha Grande, o presidente da União de Freguesias de Pataias e Martingança (UFPM), o editor e o geógrafo e professor, Paulo Grilo, a quem coube apresentar a obra.
A escolha da Martingança-Gare para a localização da fábrica, fundada por sócios de Lisboa e do Porto, teve em conta a proximidade com a linha do Oeste, “que permitia escoar produto”, e a linha do Lena, que possibilitava transbordo do carvão para a linha do Oeste, como explicou Paulo Grilo, mas também a proximidade com a Marinha Grande, onde já havia empresários do vidro e mão de obra especializada.
O geógrafo lembrou a importância do vidro e da cal para a industrialização da região. Foi sobretudo o vidro que viabilizou a melhoria do nível de vida dos trabalhadores, que auferiam rendimentos mais elevados. Propiciou também a entrada das mulheres no mercado de trabalho fabril, a quem cabia a função de empalhadeiras, responsáveis por revestir os garrafões destinados ao vinho.
A indústria vidreira está ainda na origem da eletrificação de Pataias na década de 1940, depois da instalação de uma central termoelétrica na fábrica de vidro em Pataias-Gare.
“Um trabalho notável”, elogiou o editor, Carlos Fernandes. As palavras do presidente da UFPM foram para o autor, “um excelente investigador”. Valter Ribeiro garantiu que o executivo “nunca quis ficar dissociado dos seus projetos” e tem apoiado a publicação das obras que ajudam a conhecer a história daquele território.
Na Martingança, a obra será apresentada às 18:30 horas do próximo dia 8, no decorrer das festas da freguesia.