Em Manchester, perto do antigo campo de St Peters, ergue-se hoje um monumento anódino, que o transeunte jamais reconhecerá: uma esfera no chão, em forma de escadas, tem inscritos nomes que nada dizem ao comum dos mortais. São os mortos de que falava Walter Benjamin, os “nossos mortos”. No fim das guerras napoleónicas (1815) agravou-se no Reino Unido a carestia de bens alimentares, impulsionada pelas proteções aduaneiras aos cereais (as corn laws). Os trabalhadores, despossuídos dos seus antigos meios de vida (terra, instrumentos para trabalhar e ofícios/guildas da Idade Média), tornam-se paulatinamente uma classe. Enchem as cidades, que se agigantam, escreveu Engels “lançada nesse turbilhão caótico” onde devem sobreviver como conseguirem.
A Sociedade União Patriótica de Manchester, um clube protoforma de organização política chama um protesto para a Praça de St Peters no dia 16 de Agosto de 1819, onde discursos incendiários, como o de Henry Hunt, o primeiro parlamentar a lutar pelo voto das mulheres, clamam pela organização política num movimento dominado pela participação operária e popular, exigindo o fim das corn laws, e o sufrágio universal – o direito ao pão e à voz própria. A táctica da “pressão de massas” levava estes clubes, alguns deles de inspiração jacobina, a pugnar pela participação das famílias nos protestos. Em St Peters nesse dia crianças e mulheres juntavam-se ao protesto.
O Estado reage enviando tropas, que matam pelo menos 15 pessoas, ferindo 400. Persey Shelly, um dos maiores poetas da história, dedicou-lhes algo mais do que um paliativo monumentalizado. Deixou o poema “As Máscaras da Anarquia”. Onde apela à resistência. Anos depois, no fim do século XIX, será declamado na fundação dos sindicatos norte-americanos, dos têxteis por exemplo, dominados por mulheres socialistas, imigrantes, que organizaram a resistência sindical nos EUA.
“E aquele massacre à Nação
Brotará como uma inspiração,
Eloquente, oracular;
Um vulcão escutado ao longe.
E então estas palavras tornar-se-ão
Como que o trovejo castigo da Opressão
Soando em cada coração, em cada cérebro,
Escutado uma vez mais – e outra – e outra:
Erguei-vos quais Leões após repouso
Em invencível número,
Sacudi vossas grilhetas para terra como o orvalho
Que durante o sono caiu sobre vós –
Vós sois muitos – eles são poucos”[1]
[1] Percy B. Shelley, As Máscaras da Anarquia, Lisboa, & Etc, 2008, p. 97.