Jornalistas, editores, diretores e gestores de jornais locais e regionais de mais de uma dezena de países-membros da União Europeia abordaram, durante dois dias, na cidade checa de Brno, os desafios da sustentabilidade do jornalismo, na iniciativa que encerrou o projeto “Local media for democracy” (LM4D). O Região de Cister foi, entre os 42 projetos apoiados nas duas fases de implementação, um dos quatro jornais nacionais incentivados pelo Journalism Fund, tendo marcado presença no “Festival de Jornalismo Local”, que terminou anteontem com muitas dúvidas e uma certeza: o futuro da democracia está em risco sem jornalismo sério e independente e o declínio dos títulos, sobretudo ao nível local, será inevitável sem um conjunto de políticas emanadas das instituições europeias.
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No primeiro dia dos trabalhos, a croata Maja Sever, presidente da Federação Europeia de Jornalistas (EFJ), prestou uma homenagem aos jornalistas que morreram nas guerras da Ucrânia e Gaza e sublinhou que o jornalismo é “uma profissão cada vez mais perigosa”, com várias ameaças, desde logo as económicas.
E deu o exemplo do país de origem. “A Croácia tem uma economia que não é suficientemente forte para o jornalismo local”, sublinhou a primeira mulher a presidir à EFJ, que defende que naquele país seja criado um modelo de financiamento do jornalismo local “através de uma comissão independente”.
“O jornalismo local é a última barreira na desinformação”, salientou a repórter televisiva, que deixou um desafio às instituições europeias para apoiar os jornalistas, que “apesar de tudo, apesar das guerras, das pressões políticas, não desistem e continuam a manter o jornalismo. “Nunca como hoje o jornalismo foi tão importante para manter a democracia”, reforçou Maja Sever.
Presente num dos paineis, Eva Hrncirova, membro do gabinete de Vera Jourova, vice-presidente da Comissão Europeia, recordou o percurso profissional de jornalista na televisão e num jornal local na Chéquia, lamentando que numa década aquele país tenha perdido “metade dos projetos de jornalismo local”. A assessora valorizou a iniciativa do LM4D.
“Ter 42 projetos apoiados é um bom sinal, mas intervir no ambiente de jornalismo local é algo que nunca vai terminar”, frisou. “Temos de encontrar novas soluções de financiamento. Sem bom jornalismo, a democracia não pode existir”, completou a checa, admitindo que o dossiê “vai ser um teste para a nova Comissão”.
Obrigar as plataformas como a Google e a Meta, que ficaram com o bolo publicitário que alimentou a imprensa tradicional durante décadas, a contribuir para as receitas da imprensa local é um tema que se discute há anos. A pressão sobre a representante de Bruxelas também se fez sentir e Eva Hrncirova tentou defender-se das críticas. “A Comissão está em constante diálogo com as plataformas”, assegurou a responsável, reiterando os efeitos esperados com o Media Freedom Act, que visa defender o pluralismo e a independência dos órgãos de comunicação social no espaço europeu.
Uma das técnicas que acompanharam, ao longo dos últimos nove meses, os projetos do “Local media for democracy”, Iryna Vidanava sustenta a ideia de que “o jornalismo local não é um negócio, é uma missão”. Aquela especialista em sustentabilidade dos media considera que o fundamental é os jornais e meios locais saberem “construir uma relação de confiança com os leitores”. “Quando isso acontecer, as pessoas estarão preparadas para suportar os custos do jornalismo local”, nota a bielorrussa.
“Cooperação, trabalho em conjunto e defender o jornalismo como um bem público” é a receita de Maja Sever para fazer face à crise do setor. “Temos de trabalhar em conjunto”, reiterou a jornalista, no discurso de encerramento do festival, recebendo a anuência do belga Ides Debruyne, fundador do Journalism Fund e o grande impulsionador de políticas de apoio aos media. “A democratização é um processo lento. Garantir financiamento para os media é algo que requer tempo. Colaboração, falarem entre vocês. Esta é a chave”, considerou.
Podcast “A nossa gente” vai ter continuidade
Foi em março deste ano que o REGIÃO DE CISTER lançou, com o apoio do fundo de jornalismo europeu “Local media for democracy”, o podcast “A nossa gente”.
O projeto pode ser escutado no site do jornal e em plataformas como o Spotify e Apple Podcasts e vai ter continuidade para além do prazo inicialmente definido na candidatura apresentada ao Journalism Fund.
Este projeto editorial pretende retratar aqueles “heróis” anónimos que raramente são notícia e cujas histórias de vida merecem ser contadas.
Nos primeiros três episódios foram retratadas as histórias de vida do pescador António Engenheiro, do pintor de cerâmica Luís Sacadura e da vendedora de leite Maria da “Fontinha”. Na próxima semana haverá mais um episódio, desta feita com um sapateiro da Benedita.
“A nossa gente” é o primeiro podcast lançado pelo Região de Cister, levando a redação a adaptar-se a novas realidades e a novos desafios digitais. Além do REGIÃO DE CISTER, vão receber apoio deste fundo o 7Margens, a Mensagem, ambos com sede em Lisboa, e o Sul Informação, com sede em Faro.
O “Local media for democracy” é um projeto de 18 meses cofinanciado pela União Europeia e lançado por um consórcio de parceiros: o Journalismfund Europe, o Centro para o Pluralismo e a Liberdade dos Meios de Comunicação Social (CMPF), o Apoio Internacional aos Meios de Comunicação Social (IMS), e a Federação Europeia de Jornalistas (EFJ).
Até à data, o projeto LM4D apoiou um total de 42 meios de comunicação e/ou grupos de jornalistas com mais de um milhão de euros.