Quase 42 anos depois de envergar pela primeira vez a farda da Polícia de Segurança Pública (PSP), o chefe coordenador António Caroça prepara-se para a reforma. “Poderá ser dentro de um mês”, admite o comandante da Esquadra da Nazaré, onde exerce funções há mais de duas décadas. A sucessão já está decidida: a subcomissária Joana Gonçalves, de 26 anos, assumirá o comando — será a primeira mulher a chefiar aquela esquadra. “A competência não tem género”, sublinha.
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Natural de Lisboa, mas residente na Nazaré há cerca de meio século, António Caroça diz que foi a vila que o “adotou” e onde fez praticamente toda a carreira. Antes da PSP, trabalhou na hotelaria, foi motorista de pesados e chegou a embarcar rumo aos Estados Unidos. “Casei aos 20 anos, tinha de trabalhar, não importava onde”, recorda. Em 1984 ingressou na PSP, depois de uma tentativa falhada de entrar na Polícia Judiciária, de que fala com desdém. Passou por Lisboa, Porto, Horta e Alcobaça (8 anos), mas regressou sempre à Nazaré. “Foi daqui que concorri a subchefe, daqui que fiz praticamente tudo”.
Nos últimos 14 anos, comandou a esquadra da vila, enfrentando os desafios de uma terra turística. “Na Nazaré, é preciso um cuidado extremo de visibilidade. Mostrar que estamos aqui. O policiamento tem de ser ostensivo e preventivo”, explica. A falta de efetivos é um problema, mas o comandante prefere sublinhar a dedicação dos agentes: “Temos o possível, não o desejado, mas trabalhamos com empenho”.
Entre as maiores preocupações, António Caroça destaca a perda de respeito pela autoridade e o comportamento de alguns jovens. “Por vezes chegamos a uma ocorrência e todos se viram contra a polícia. Isto mexe com a educação que se leva de casa e preocupa-me ver adolescentes de 15, 16 anos a comportarem-se assim”. Para contrariar essa tendência, a aposta é em ações de sensibilização nas escolas, abordando temas como os riscos da internet ou o consumo de drogas. “As crianças são os nossos melhores portadores da mensagem”, defende.
A violência doméstica é outro tema sensível. “Tem havido mais denúncias, e isso é positivo. As pessoas estão mais sensibilizadas e sabem que é um crime público”, salienta. Quanto ao aumento de casos com o crescimento da imigração, diz que “não é só, mas também” uma vez que “muitas pessoas trazem consigo hábitos culturais diferentes”.
Momentos marcantes não faltam numa carreira longa. Recorda, com emoção, os episódios no Sítio da Nazaré, local onde ocorrem tentativas de suicídio. “Já conseguimos evitar muitas tragédias. É preciso ter grande capacidade de diálogo e de encaixe para demover alguém que está em desespero”.
A poucas semanas de pendurar a farda, António Caroça confessa que o balanço é de orgulho, mas também de sacrifício. “A minha mulher foi um suporte enorme. Nem todos estão dispostos a viver com alguém que tem hora para entrar mas não tem hora para sair”, reconhece António Caroça, que admite que os filhos ficaram a perder com a sua dedicação à profissão, mas sabe que “agora são os netos que vão ganhar”.
Licenciado em Recursos Humanos há 13 anos, promete continuar ligado à comunidade. “Dediquei-me muito à parte social e vou manter-me por perto. O futuro a Deus pertence. Logo se verá”, diz o comandante.


