Há dias, vi um documentário interessante, “O lado negro das energias verdes”. Penso que todos o deveriam ver; não para concordar ou discordar, mas para se pensar sobre narrativas que se vão construindo e que nós vamos consumindo, de um modo mais ou menos acrítico. Se o começarem a ver, vejam-no até ao fim; caso contrário, vão achar que defende uma determinada tese (contra as energias verdes) e não foi isso que eu entendi.
Hoje, porém, a propósito deste documentário, quero falar do Sr. Chang (chamemos-lhe assim). O Sr. Chang vive numa região remota da China, em Heilongjiang, segundo pude perceber, que tem um recurso precioso para o novo paradigma industrial, dito “verde”: a grafite – que, para o Sr. Chang, se transformou em desgraça. Tal como o Sr. Yin, da rudimentar fábrica de grafite, não tem nenhum orgulho no facto de contribuir para uma tecnologia que está a alavancar o mundo: “Nós, os trabalhadores, não pensamos em termos de orgulho ou felicidade. Vivemos para alimentar as nossas famílias”. O Sr. Chang, provavelmente já com os pulmões feitos em pedra pelo ácido hidrofluorídrico, enquanto escava, desesperado, uma terra outrora fértil e agora poeirenta e contaminada, desabafa, como sempre desabafaram os pequenos ao longo dos séculos: “Claro que estou zangado e furioso. Porque os industriais e o governo são irresponsáveis. Nós somos vítimas e não podemos fazer nada. Não conseguimos chegar até eles: eles são grandes e nós, pequenos. E, se mostramos que estamos demasiado zangados, algemam-nos.”
Caro Sr. Chang, gostava de lhe apresentar o Lavrador do “Auto da Barca do Purgatório”, do nosso Gil Vicente, que clamava, em 1518: “Nós somos vida das gentes e morte de nossas vidas”. Afinal, em 500 anos, se aprendemos a fazer muitas coisas, não conseguimos maneira de “pôr o mundo a direito”: ter, temos muita coisas mais; ser, não somos muito melhores.