Temos em geral horror a hospitais, lá estamos doentes, frágeis e dependentes. Será por isso? Talvez não. Há uns anos fui operada num hospital, uma operação dolorosa, ortopédica, foi a única vez que me recordo de ter gostado, e muito, de estar num hospital. Atribuí ao facto de serem freiras e o meu quarto ter vista para o mar. Hoje, anos depois, e estudando com colegas prazer e sofrimento no trabalho, sei que a resposta pode ser outra. Fui cuidada com profissionalismo (essencial), mas também com carinho e afeto pelas irmãs, que tinham tempo, eram muitas, falavam-me com doçura.
João Duarte, São João de Deus depois de beatificado como padroeiro dos enfermeiros, calcorreou a Península Ibérica no séc. XVI. Criou um hospital onde “rodeava todos os doentes de carinho e uma atitude compassiva”. No início do século XX o Estado reconhecia que a falta de pessoal era “compensada pelo tradicional carinho dispensado aos doentes pelos enfermeiros que os assistem”. Em 1937 a Irmã, de origem brasileira, Eugénia Tourinho lutou pela concretização de um curso de 3 anos de enfermagem em Portugal (sabendo que as exigências de formação eram imprescindíveis!) e onde se incluíam “matérias da área humanística, como a higiene mental, a psicologia e a sociologia”.
Sabemos que o ato de cuidar é tão essencial à vida como ser cuidado. Fomos selecionados não para ser egoístas, mas justamente o contrário, cooperativos, quando cuidamos e somos cuidados o nosso corpo enche-se de hormonas de bem-estar.
Como se sentirá um enfermeiro, que mora a 40 minutos de Lisboa, trabalha por turnos, com 40 e 50 doentes a seu cargo, idosos, por exemplo? Com 8 grávidas numa enfermaria sem tempo para ensinar a amamentar? E 900 euros de salário, seguidos de uma dupla jornada no privado e um convite a imigrar? Como se sente quem escolheu dar – também – carinho e cada vez mais é impedido de o fazer pelas condições de trabalho? Quem cuida deles?
Referências em Aliete Pedrosa, A Enfermagem Portuguesa, Referências Históricas.