No ano em que se completa uma década da integração do Hospital de Alcobaça Bernardino Lopes de Oliveira (HABLO) no Centro Hospitalar de Leiria (CHL), o presidente do Conselho de Administração no CHL faz, pela primeira vez em entrevista ao REGIÃO DE CISTER, um balanço e revela os investimentos levados a cabo na unidade, colocando o dedo na ferida em alguns dossiês do setor da saúde.
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REGIÃO DE CISTER (RC) > A integração do Hospital de Alcobaça no CHL tem sido um “casamento” feliz?
LICÍNIO CARVALHO (LC) > Embora seja suspeito para o fazer, é um balanço muito positivo. Acredito que este será um sentimento generalizado. A integração do Hospital de Alcobaça no então Centro Hospitalar de Leiria Pombal ocorreu em plena intervenção externa, durante a troika, com todas as limitações e efeitos na sociedade e neste setor da saúde. E é evidente que quando há dificuldades financeiras, como habitualmente sofremos ao longo das várias décadas do SNS, a conta dos investimentos é a mais sacrificada. Mas, apesar de tudo, foi possível nestes anos fazer-se um investimento muito significativo no HABLO. E fez-se porque houve um compromisso com a população, nomeadamente com a Câmara de Alcobaça e o proprietário do edifício, que é a Santa Casa da Misericórdia. Houve o compromisso da tutela em melhorar esta estrutura, renová-la, dar-lhe mais visibilidade, dar mais condições de trabalho para os trabalhadores e, principalmente, prestar melhores condições de tratamento aos doentes. Nestes quase 10 anos, este hospital teve um investimento superior a 3 milhões de euros, o que não é coisa pouca para um hospital desta dimensão. E esses 3 milhões de euros alteraram por completo a unidade hospitalar, desde o novo serviço de medicina interna, o novo serviço de urgência, a abertura do laboratório de análises (que não existia), as reabilitações do serviço de radiologia, da casa mortuária, da cozinha, do bloco operatório e do edifício de apoio. Já em 2022, foi feito o arranjo do exterior do parque de estacionamento… Mas, porque a obra e o desempenho na saúde não se medem só pelo investimento, esse é apenas instrumental, a verdade é que se conseguiram abrir novas valências, como a Unidade de Internamento dos Cuidados Paliativos, a unidade cirúrgica da mão – onde se faz a melhor cirurgia da mão do CHL – a ambulância de Suporte Imediato de Vida, um serviço de apoio à emergência pré-hospitalar que não existia e que funciona ininterruptamente. Também alargámos o número de consultas externas, fizemos intervenções do hospital de dia e há um conjunto de serviços que foram renovados. A aposta que foi feita na reabilitação desta unidade teve e tem um impacto importantíssimo em termos da qualidade da prestação dos cuidados.
RC > Quando surgiu esta “oportunidade” de Alcobaça ficar referenciado por Leiria havia uma noção exata das necessidades do hospital?
LC > Conhecíamos o hospital, os colegas que trabalhavam no Centro Hospitalar do Oeste (CHO) e tivemos também contactos com o presidente da Câmara. Sabíamos o estado em que o hospital se encontrava, até porque tivemos uma situação semelhante, em 2011, com o hospital de Pombal. Esse, o de Alcobaça e outros na nossa rede hospitalar, eram hospitais com um perfil idêntico, com problemas muito próximos e comuns. A reabilitação que se fez aqui foi muito similar à que se fez e está a ser feita em Pombal. Portanto, sabíamos o que nos esperava e, por isso, as coisas foram relativamente tranquilas. O que fizemos foi ouvir a Misericórdia e os órgãos autárquicos, fizemos isso em Pombal e em Alcobaça. O apoio foi sempre incondicional e sentimos que valia a pena fazer aquilo que tínhamos pela frente para ter o mesmo nível de prestação de cuidados em todo o Centro Hospitalar de Leiria Pombal, à data, não obstante estarmos a falar de um hospital com mais de 200 anos. É evidente que estes hospitais estavam numa encruzilhada: ou eram agregados, integrados em centros hospitalares, ou corriam o risco de fechar. Era um risco para todos. A verdade é que se conseguiu levar esses padrões de conforto e qualidade muito equivalentes a todo o centro hospitalar e isso foi reconhecido com a acreditação que a JCI conferiu a esta unidade, logo na primeira candidatura. Esse reconhecimento externo de uma entidade externa comprovou que o objetivo tinha sido bem cumprido.
RC > Num hospital com 200 anos há limitações em termos de infraestruturas… já esteve em cima da mesa um eventual alargamento?
LC > O perfil, a dimensão e os serviços deste hospital têm de ser compatíveis com a população que serve. Portanto, nunca vamos ter em Alcobaça um grande hospital (em termos de espaço), com serviços diferenciados, porque o perfil deste hospital está ajustado à população que serve ou que deve servir, com o suporte de outros serviços diferenciados e maiores, em termos de rede. Os investimentos que se procuraram fazer e a gestão que o CHL procurou ter passam por dar uma resposta compatível com aquilo que é esperado por parte de uma instituição desta natureza. Umas vezes com mais dificuldade, outras com menos. A manutenção é uma questão que se coloca nas estruturas antigas, mas também nas novas. Este hospital foi objeto de candidatura, que temos pendente de aprovação, de investimentos na área da eficiência energética e hídrica. Mas no Hospital de Santo André, que é bastante mais recente, também temos um investimento muito grande nessas áreas. Foi, aliás, das primeiras áreas que se investiu em 2013 no HABLO. Recordo-me porque uma semana e meia depois da integração, este hospital ficou sem água quente. Foi necessário substituir a estrutura térmica e instalar um reservatório de água. Ainda temos dois ou três projetos pensados para implementar nesta unidade. Um deles, estamos a contar desenvolvê-lo ainda este ano, passa pela substituição integral do equipamento de radiologia, um investimento na ordem dos 300 mil euros, e outro tem a ver com a articulação entre os dois edifícios do hospital.
RC > A estrutura do CHL serve hoje quase o dobro da população para a qual foi concebida, com as consequências que daí advêm. Se tivesse dependido de si e soubesse o que sabe hoje, Alcobaça faria parte do CHL?
LC > Se foi uma aposta ganha, obviamente que sim. Claro que o Hospital de Santo André não foi projetado para servir 400 mil utentes. Mas também não é o mesmo hoje de quando foi construído. A resposta dos hospitais não se mede em metros quadrados. A atividade hospitalar evoluiu: hoje consegue-se tratar muito mais doentes nas mesmas instalações do que há 10 ou 20 anos. Basta pensar na hospitalização domiciliária ou nas cirurgias de ambulatório.
RC > O seu antecessor fez um “grito” de revolta contra a falta de investimento do Governo no CHL. Já teve vontade em dar esse “grito”?
LC > Quando os planos de investimentos são apresentados, umas vezes são aprovados rapidamente, outras vezes não são assim tão rapidamente, outras vezes são aprovados e não temos capacidade de os executar. A realidade não é encaixável em dizer que a tutela autoriza ou não autoriza. Há muitos fatores que interferem com as necessidades de investimento. O CHL tem tido um plano de investimentos consistente, compatível com a capacidade de investimento. O facto de não conseguirmos fazer tudo aquilo que gostaríamos, só me motiva para fazer mais e melhor.
RC > Qual é o diagnóstico das urgências do Hospital de Alcobaça?
LC > É um serviço de urgências dito básico, que funciona 24/24 e que tem tido um desempenho bastante estável e consistente, graças a equipas que estão rotinadas e estáveis. As instalações são apertadas, mas é um serviço que tem dado uma resposta adequada àquilo que é uma sub-unidade hospitalar. Não vou dizer que aqui ou ali não tenha havido falhas ou dificuldades, apenas digo que têm sido feitos esforços para minimizar essas dificuldades em ter as equipas completas. Infelizmente, esta urgência básica não é uma exceção. O que acontece é que há falta de recursos no SNS. Também há falta de recursos agravada porque há um grande cansaço por parte dos profissionais de saúde, que não é de agora. A pandemia foi muito cansativa para todos e os profissionais de saúde sofreram o desgaste. Não vou dizer que o problema são valores, estatutos, porque é a soma de muitas coisas. O que sabemos e ouvimos é que o problema não é nacional. É muito mais profundo e transversal. Cada realidade e cada país tem as suas especificidades. O nosso SNS há muito que acusa problemas e os problemas tendem a subir de tom. Em tempos de espera no HABLO, estaremos em linha com o centro hospitalar. Há áreas e especialidades em que estamos bem, há áreas em que estamos melhor do que estivemos, há áreas em que não estamos bem e há áreas em que estamos menos bem do que já estivemos. Não há um padrão, são muitas especialidades e subespecialidades médicas. Não nego, nem escondo, que gostaria de estar melhor do que estamos a nível de resposta na consulta externa. É um dos grandes problemas e desafios do CHL. A questão que faz toda a diferença é que não temos o número de médicos especialistas para responder atempadamente a todas as consultas, num contexto em que é difícil contratar especialistas, manter os especialistas que contratámos, em que há alternativas na medicina privada que também vão disputando os recursos, numa altura em que o consumo objetivo de cuidados de saúde tem crescido muito e num contexto de envelhecimento populacional. Outra questão que nem sempre é falada é que Portugal está a receber muita população emigrante e temos de também dar resposta a esses cidadãos. No nosso movimento assistencial, 10% respeitam a cidadãos de países estrangeiros, ou seja, são 40 mil utentes na nossa área de abrangência.
RC > Passada mais de uma década de estudos e promessas, o ministro da Saúde afirmou que “decidiria” a localização do novo hospital do Oeste até março de 2023. Como olha para este novo hospital do Oeste?
LC > Espero que o novo hospital do Oeste seja uma realidade. Não tenho conhecimento que me permita ir mais longe do que esta afirmação. O CHL estará sempre disponível para colaborar no processo de discussão, criação e exploração da futura unidade hospitalar, assim ela aconteça. Aquilo que o Governo decidir relativamente ao novo hospital do Oeste, as competências, a dimensão, a área territorial, a localização, o CHL não tem opinião. O que sei é que esta população precisa de respostas de saúde. O problema da saúde não é construir o edifício ou a estrutura, os problemas da saúde requerem mais do que isso.
RC > Como tem sido a articulação com Benedita, Alfeizerão e São Martinho do Porto, sendo que podem versar para dois hospitais?
PMS > O sistema está pensado para que a população esteja imune ou não esteja envolvida nestas definições, que têm de existir. Vamos por o dedo na ferida: a população dessas três freguesias em algumas situações vão a Leiria, noutras vão ao Oeste, a Lisboa, onde for. Continuamos muito amarrados às fronteiras e aos territórios. São conceitos importantes, mas não são os mais importantes. Para nós é irrelevante se essas três freguesias reportam ao CHO ou a Leiria. O mesmo se aplica aos emigrantes e a residentes de outras áreas. O SNS tem de funcionar em rede.